01- Lily

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"é preciso esperar pela estrela que ainda não está completa. -Cecília Meireles"

O trailer estragou. Não é a primeira vez que ele estraga desde que minha mãe resolveu atravessar o país inteiro num trailer com idade para se aposentar de suas funções. Principalmente quando suas funções são; servir de casa e  carregar duas mulheres à qualquer canto do mundo à qualquer momento até que uma delas se canse de dirigir e resolva "acampar" no primeiro povoado que aparecer no caminho. às vezes ficávamos bastante tempo em alguns lugares, dava até para fazer amizades, outras vezes ficávamos apenas alguns meses, mal eu havia me acostumado com a cara dos vizinhos, já tínhamos que pegar a estrada. Por quê? Não por necessidade. Mas por pura, absoluta e concreta decisão da minha mãe. Desde que ela se separara, decidira que não ficaria mais "presa" à um só lugar. Queria conhecer o mundo, desde que ele não passasse da fronteira dos Estados Unidos, ela nunca tivera cabeça para se ocupar com legalização de documentos e esse tipo de coisa.

Nunca tínhamos um destino planejado, mas dessa vez era diferente. Estávamos muito bem acampadas em uma pequena vila em Salt Lake City quando minha mãe resolveu que iríamos com nosso trailer para New Orleans. Confesso que protestei o suficiente para ganhar um castigo bem longo, mas no fim, não tive escolha. Me despedi das minhas poucas amigas – não é fácil conquistar amigas quando você não freqüenta a escola e tem dezesseis anos – e fomos em direção à uma nova aventura. É como eu me refiro às nossas viagens em meus resumos particulares; aventuras. Certa vez minha mãe encontrou alguns desses resumos particulares. Ela não gostou muito da forma como eu me referia à nosso trailer idoso; velho Parker – esse era o nome de meu avô, era claro que eu o chamava assim porque ele vivia estragando e o vovô também vivia estragando, tanto que quase sempre estava no hospital, até que morreu – mas disse que os resumos eram muito bons e tinham uma boa pitada de humor. Bom saber que ela acha engraçado todos os problemas e paradas que o velho Parker nos dá durante o caminho. Ela até pediu que eu parasse de chamar o trailer de velho Parker, mas como pode ver,os resumos são particulares e são meus, portanto eu chamo o velho Parker de velho Parker quantas vezes eu quiser.

Enfim, aqui estamos nós, paradas em uma estrada praticamente deserta com um step de pneu semi- colocado, porque minha mãe, após tantas trocas de pneu em sua vida, ainda não aprendeu a usar o macaco e colocar o pneu ao mesmo tempo, e como nenhum carro passa por aqui, estamos as duas sentadas no paralelepípedo da rua olhando o matagal à frente. Não podemos entrar no trailer porque o calor lá dentro está insuportável e o velho Parker tem janelas muito pequenas, a sorte é que o pneu furou bem debaixo de uma boa sombra.

- E então... Será que passa algum carro ainda hoje?- Minha mãe perguntou fazendo o maior esforço para ter bom humor durante tudo isso. Pena que eu não partilhava desse esforço.

- Não sei. Mas teremos a noite toda para cuidar o movimento, afinal, está impossível passar a noite no trailer. Você já viu o calor que está lá dentro?- Disse revirando os olhos com a cabeça apoiada nas mãos.

- Filha, já pedi para ter paciência... Alguma hora vai passar um carro aqui. Precisa passar.- Ela disse sorrindo, passando a mão nos fios soltos de meu cabelo castanho.

- É, precisa. Mas se estivéssemos em Salt Lake City, o pneu não teria furado e poderíamos estar dormindo em nossas camas no velho Parker porque poderíamos gastar a bateria do trailer com o ar condicionado, sem medo de ela acabar e não ter algum lugar por perto para recarregá- la.

- Pense pelo lado bom; você terá uma boa nova aventura para contar em seus resumos particulares! E não gosto que chame o trailer de velho Parker.

Se As Estrelas Contassem HistóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora