03- Lily

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Pela janela do velho Parker eu ainda podia ver Markus parado em meio ao gramado com a mochila pendurada sobre um ombro, mirando o chão seriamente. Não havia pegado pesado. A não ser que ele considerasse uma verdade um argumento pesado.

Minha mãe e John saíam pela porta do restaurante e se despediram no meio do caminho, John arrebatou Markus o empurrando suavemente nas costas e sorrindo para o garoto, que continuou sério e entrou na camionete, enquanto eu ouvia o abrir de portas da frente quando minha mãe entrou.

Era isso que eu mais gostava no velho Parker; minha cama ficava ao lado da janela e era alta o suficiente para que eu pudesse enxergar a paisagem. Isso geralmente me ajudava a dormir.

- Vamos dormir nesse estacionamento, mãe?- Perguntei o mais doce que pude pois finalmente havia percebido que ela realmente era minha casa, meu porto- seguro, minha família. E também não era fácil para ela suportar a opinião das pessoas dizendo que ela não tinha casa. Ela tinha.

- Não, filha. John acha melhor estacionarmos dentro de alguma floresta mais afastada da cidade. Você sabe, para evitar roubos e demais encrencas.

- Ah, claro.

- Você já pode dormir, se quiser. Vou apenas dirigir até a primeira floresta e então dormirei também.

- Vou ouvir um pouco de música. Sinto falta de Susy. De Salt Lake. Do cinema patético... De tudo de lá...

- Eu também, Lily. É sempre difícil no começo. Mas assim como você superou sair de New York depois de passar nove meses lá, também vai superar depois de ter ficado quatro meses em Salt Lake. Enfim... Passa.

- Eu sei. Mas nem sempre é rápido.

- Nunca é rápido. Nunca é fácil. Não nos acostumamos a abandonar lugares nunca. Não é do feitio de ninguém. Mas uma hora ou outra tem de acontecer.

Ela sorriu sem mostrar os dentes e piscou, depois foi até o banco do motorista para começar a dirigir de novo.

Peguei os fones de ouvido de cima da cama e o celular de dentro do bolso da jaqueta e liguei minha lista de reprodução. Sempre as mesmas músicas que sempre pareciam diferentes a cada vez que eu as escutava. É a ocasião que faz a música.

E aí puxei as cobertas e fiquei sendo mais uma adolescente depressiva que sonhava em um dia parar de ser tão confusa sobre as coisas que sentia. Não tinha motivo pra se sentir tão mal como eu me sentia, mas geralmente eu precisava de algum sentido para sentir alguma coisa. E geralmente era passageiro. E agora descubro que nada está como era geralmente porque agora eu não estou indo à qualquer lugar no velho Parker, e isso não é como geralmente era. E todas as coisas mudaram por causa de uma viagem e isso me incomoda e eu quero encontrar motivos como era geralmente. Mas não consigo. Assim como não consigo impedir que essa música faça lágrimas escorrerem pelos meus olhos, assim como não consigo impedir a mão que se retira de dentro das cobertas apenas para limpá- la porque não posso impedir meu subconsciente de sempre me alertar de que preciso ser forte. Não posso chorar por qualquer coisa porque preciso apoiar minha mãe em tudo. E de chorona em casa basta ela.

Mais uma lágrima.

Um sorriso por me achar idiota por chorar com uma música do Avenged Sevenfold.

E finalmente adormeço.

...

- Café da manhã! Seja rápida pois John e Markus estão famintos.- Minha mãe puxava minhas cobertas que eu freneticamente puxava para o lado inverso ao dela.- Filha, acorda!

Abri os olhos e comecei a focar a atenção nas coisas ao redor; a janela mostrando um restaurante com panquecas e xícaras na fachada, fones de ouvido em minhas orelhas tocando uma música que não reconheceria nem se esforçasse ao máximo meu lento cérebro matinal. Desliguei a música e procurei me sentar na cama. Era o primeiro passo de toda manhã; lembrar quem eu sou, onde estou e decidir meu humor do dia. O segundo item sempre era mais difícil.

Se As Estrelas Contassem HistóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora