S T A R R
Desço as escadas após estar devidamente arrumada para recepcionar o meu pai. Eu percebi o olhar advertido dele quando me viu "apenas" de camisa na frente de dois homens. Reviro os olhos com esse pensamento e caminho até a cozinha.
Eu provavelmente nunca confrontei o meu pai, por amá-lo muito e também, por saber que essa é a nossa melhor fase como pai e filha. Durante a adolescência, quando a minha mãe morreu, ele se afastou de mim por tristeza e eu me afastei dele por raiva. Achava que a culpa era dele, por conceber o desejo da minha mãe de desligar os aparelhos que a ajudavam a respirar.
Uma adolescente de dezesseis anos, imatura e egoísta, não entendia como as coisas realmente funcionavam e eu não tive alguém para me ajudar a entender toda essa situação. Meu único apoio era o meu pai, que mal olhava na minha cara e trabalhava vinte e quatro horas por dia.
Não o culpo, acho que essa foi a forma que ele encontrou de se proteger e tentar cicatrizar uma cicatriz incurável, mas como consequência, nossa relação foi de mal a pior. Apenas aos dezoito anos, após a minha formatura do ensino médio, nós nos aproximamos novamente e eu venho tentando desde então, a agrada-lo sempre.
— Vou ser sincero rapaz — Sua voz me deixa em alerta e eu me aproximo da cozinha com mais lentidão — Eu não acho que você dará um bom futuro para a minha filha — Sinto a sinceridade em sua voz — Ela veio para essa favela contra a minha vontade, a fim de ajudar as pessoas… — Me enoja o preconceito pingando em cada palavra — Pobres, mas eu sei que isso é apenas uma rebeldia, logo ela voltará para o lugar que merece e é digno de sua inteligência — Me encosto na parede ao ouvir suas falas ridículas — Ela irá se cansar e sentir falta do conforto, voltando para o lugar que você não faz e nunca fará parte.
Fecho os olhos sentindo o meu coração doer e escondo a minha boca com a minha mão, por estar tão surpresa. Eu desabafei com o meu pai sobre os meus motivos para me mudar e… Eu pensei que ele tivesse me entendido, que tivesse me compreendido e apoiado.
— Então, eu sugiro que você termine com esse relacionamento ridículo… — Quando ouço novamente a sua voz, eu me estico para olhá-lo e engulo em seco ao vê-lo entregar uma nota de duzentos reais para o Gael — Só uma ajudinha para que você pense melhor e aceite minha proposta.
Não, isso foi demais para mim. Eu estou profundamente chateada e magoada com a pessoa que me criou. Quando eu disse que os homens brancos tínham o contaminado, é exatamente disso que eu estou falando. Meu pai é um negro muito bonito, mas as vezes parece um branco sem caráter, que acha que pode comprar todos nós pretos com fodidas notas de cem.
— Sr. Castro… — Ouço a risada maldosa do Gael — Eu costumo não ser muito educado e paciente, mas por respeito a Starr eu vou fingir que não ouvi as merdas que você falou — "Meu namorado por um dia" caminha em direção ao meu pai — Se voltar, a desrespeitar o lugar que vivemos, as pessoas que tem esse morro como a sua única opção de lar e principalmente a sua filha, eu vou partir para a ignorância — Seus olhos fuzilam o meu pai — E você não vai querer ver esse lado meu.
— Está me ameaçando? — Gael balança a cabeça.
— Não — Nega — Eu não ameaço ninguém, eu dou um único aviso e se caso você quiser ignorá-lo serei obrigado a transformar a sua pele em papel — Sorrio de lado, completamente medonho — E quem sabe, escrever um número nela, para que talvez você tenha algum tipo de valor.
Suas palavras me fazem ofegar e eu novamente, me vejo encostada na parede sem reação. Ok, ele acabou de ameaçar o meu pai como uma forma de me proteger e eu não estou com medo do Gael ou raiva do mesmo, por isso. Na verdade, eu estou com ódio do meu pai e sua forma mesquinha de ser.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Preta Rara
RomanceNÃO PERMITO ADAPTAÇÕES DESTA HISTÓRIA. - "E todo mundo tá' ligado que ela é a minha de fé, ai de quem cometer o pecado de cobiça a minha mulher." - Gael. Starr Castro já imaginava que a sua mudança para o Complexo da Pedreira, seria algo que mudaria...