E no início...

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E quando o mundo ainda se formava, estando incompleto e quase intocado pelo que se veio a chamar-se de modernidade, quando o mundo ainda era belo, jovem e forte, quando os humanos ainda temiam os Deuses e as criaturas místicas que ali residiam, os espíritos e elementais reinavam por toda a extensão terra, dos ares e das águas, tudo possuía um senhor, um guia, um guardião. Tudo era pertencente, desde as montanhas aos pequenos seres, vivos e mortos, tudo tinha seu mestre e a ele servia fielmente. E como todo reino, todos esses também eram comandados por um único soberano acima de todos, alguém que era a ordem, a lei e a última palavra. Papa Emeritus era seu nome, com sua face descarnada e seu palácio de ossos, não havia ser que não lhe servisse e obedecesse, humanos e não-humanos, até mesmo os seres de magia, mas nunca por medo e sim por respeito e lealdade, que eram-lhe merecidos. Ele era o responsável por trazer a vida a cada uma das criaturas míticas de sua casa e suas terras, ele os dava vida com seu sopro divino, alguns com seus corpos moldados em sua oficina e depositados em ovos, alguns em brotos, alguns esculpidos, ou às vezes os corpos vinham do amor de dois espíritos apaixonados, que ali lhe traziam a semente para receber o sopro que daria ao ser sua tão inestimável e única alma. As criaturas nasciam às vezes ali, às vezes em terras distantes, no presente, no passado, no futuro, nem sempre junto do seu corpo, mas sempre junto ao seu cerne. Emeritus amava cada entidade que surgia, tinha por eles o mais paterno dos sentimentos e quando uma delas sofria, ele também sofria, quando uma delas amava, ele também amava, era algo tão rico quanto miraculoso. Ele não entendia a todas, muitas decidiam nascer por vontade própria, sussurrando seus desejos em sua mente, por motivos que não se entendiam rapidamente, mas ele sempre aceitava sua missão de auxiliá-las nesse destino e lhes trazia ao mundo com graça e destreza. Ele era um rei orgulhoso de sua corte e de seu grande reino, de todos que nele habitavam, mas havia entre suas crias filhos que lhe eram mais especiais, aqueles que de seus cernes tudo se originava, que junto dele tudo criavam, seus infantes, seus ghouls elementais, além dos imaculados Tempo e Destino, que tornavam suas criações ainda mais vivas, mais enérgicas, mais únicas. Eles sempre seriam sua melhor criação, sua melhor força, eram seus filhos pródigos, eram sua real família, pois até ele precisava de uma e a cada um, um reino foi oferecido e eles o governavam desde os seus nascimentos. Ou quase todos. E assim, ele era feliz, ao lado de sua eterna companheira, Sister, Senhora da Morte, que lhe auxiliava na mais difícil das incumbências, mas o fazia com tanto afeto que não havia dor ou traumas, separando a alma e o cerne de cada ser em seu momento com a maior das delicadezas, devolvendo a alma a Emeritus, que a acolhia ternamente, como o mais precioso de todos os tesouros já criados, porque lhe era.

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Ele estava sentado a beira do riacho, suas longas pernas mergulhadas na água fria pareciam se confundir a ela, seu corpo inclinado para trás, relaxado, apoiado nas mãos, o pequeno Ghoul de cabelos escuros entrelaçado por flores encarava o céu como se esperasse por algo, sentindo os ventos bagunçarem suas melenas, parecia tão calmo, tão sereno, que facilmente um ser passaria o dia olhando para ele, mergulhado em sua aparente paz. Mas não demorou até que o primeiro grande pingo de chuva propositalmente atingisse seu rosto e ele sorriu maroto ao sentir a gota escorrer pelo seu rosto, como se acabasse de receber um carinho mais que desejado, permanecendo imóvel enquanto a chuva, agora abundante, encharcava seu corpo por inteiro aos poucos, invadindo cada parte que pudesse alcançar. Ele estava claramente satisfeito com o trabalho realizado, ele amava as chuvas, elas lembraram-lhe quem ele era, quem gostava de ser, e por isso fora nomeado Rain por aqueles que pertenciam ao seu círculo mais próximo, e desejando que o contato fosse ainda maior, deitou-se sobre grama com os braços sob a cabeça, voltando a admirar as nuvens que desaguavam impiedosa, provocativas, tocando-lhe cada centímetro possível de sua pele clara. Era seu, tudo inteiramente seu, esse rebanho imenso de espíritos das nuvens, a própria chuva, o riacho e ele abraçava cada um deles solicito, como o Senhor que era.

Waterdrop Firedrop (Rain x Sodo)Onde histórias criam vida. Descubra agora