Por você, por nós

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A espada cortou um o espaço velozmente, Fire fechou os olhos, pronto para receber o que lhe era direito, uma morte lenta, a qual ele imploraria que que fosse encerrada o quanto antes, de forma limpa e honrosa, ao menos no fim, ele queria poder finalmente não sentir dor, não sentir nada, sufocar lhe parecia tão cruel e ele poderia poderia parecer covarde por não suportar essa tortura, mas ele queria enfim descansar, talvez rever Ery, ceder seu posto ao próximo Fire Ghoul. Ele estava pronto, com medo, mas pronto.

E então ele ouviu o corpo inerte de Air desabar no chão, mas não sentiu sua ligação com ela ser rompida, algo estava errado e quando abriu os olhos, percebeu, não havia sangue, mesmo que seu corpo estivesse claramente afetado por algo, pois sem membros estavam em ângulos estranhos, moles, como se não houvesse ossos ou se estivessem todos quebrados, o que realmente parecia possível agora e mesmo que parecesse, ela não estava morta, apenas desmaiada.

-Precisamos ir, Fire!- disse Water, com a raiva o fazendo tremer, uma expressão furiosa em seu semblante, como se não pudesse acreditar no que havia feito. E no que não havia.

-Por que, Water...?

-Porque você é o pai do Noto, você e nenhum outro Fire Ghoul. Eu a odeio mais do que tudo, mas isso não pode ser maior que o amor que você sempre demonstrou pela nossa criança... É você quem vai vê-lo crescer, tem que ser você! Por você, por nós!

Nossa criança, aquilo mexeu com o ghoul do Fogo, mas não era hora ou momento para qualquer sentimentalismo, Noto ainda precisava de cuidados, então o pegou no colo e junto com Water, sairam daquele lugar, roubaram uma carruagem e cavalos e Fire guiava a toda pressa, enquanto Water tentava curar a pequena entidade, mas seu estado era grave, era tão sério que ali, naquelas condições, não seria o suficiente. E agora, depois de tantos séculos e acusações, era a vez de Fire voltar ao Reino da Água.

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-Papai!

Noto tentou se levantar, mas foi segurado por Fire antes que desabasse novamente. Ele o abraçou o tirando daquele tanque de água tão frio, aquecendo seu corpo em seus braços, enquanto deixava seu rosto afundar nos cabelos, agora curtos e molhados, do menor, que o abraçava de volta com seus bracinhos fracos.

-Vem, Fire, me deixe vesti-lo.

Com uma macia toalha, Water tomou Noto para si, secando-o com carinho, olhando para sua cria com tanto amor que não parecia real que haviam finalmente superado aquele inferno, enquanto Fire o ajudava, secando os cabelos brancos com suas mãos quentes, o sorriso deles uns para os outros era imenso, estavam felizes, estavam aliviados que o pesadelo havia acabado, estavam enfim juntos.

-Está com fome, meu amor?

-Muita, og vany!

Com muita calma, eles caminharam até um pequeno salão, onde um banquete já havia sido servido e, ainda no colo de Water, Noto se alimentou devagar, ainda com muita dificuldade, pois por praticamente um mês, seu corpo não recebia comida ou liquido direito, sua recuperação não seria fácil, mas ele sabia, não estava mais sozinho, seus pais estavam ali, os dois e eles haviam lutado por ele e ao lembrar, Noto deixou lágrimas e vapor escorrerem por seu rosto enquanto mastigava, mas nenhum dos ghouls o questionou ou o repreendeu, eles sentiam, eles sentiam o mesmo que ele, todo pavor e terror havia assombrado os dois desde que chegaram, Water usou de todo conhecimento e de tudo que tinha para salvar o filho, mas cada dia era mais pesado que o anterior, eles tinham medo, Noto podia estar vivo, mas não tinham certeza se tornaria a acordar e mesmo que acordasse, ainda teriam uma batalha pela frente, pois tudo o que ele passou traria consequências, traumas, dores, ele ainda não estava curado por completo e talvez nunca estivesse.

-Precisa comer devagar, minha gotinha flamejante!- insistia Fire acariciando seus cabelos, o ajudando.- Podemos ficar aqui o tempo que precisar!

Nesse momento, Noto encarou o pai, seus olhos marejados, a boca tremula enquanto segurava o pão, sentindo a mão quente de Fire no alto de sua cabeça.

-Ela... E-la tirou meus chifrinhos!

Dizendo isso, o choro se tornou incontrolável e ele acabava se afogando ao tentar comer nesse estado, mas não parava, suas mãozinhas cheias, ele sentia que precisava de energia, ele era uma forja vazia agora e precisava ser alimentado se queria seu vapor de volta e ele queria, ele não poderia existir se não pudesse controlar sua função e ele não conseguia agora e isso o partia.

-Sei que conseguiremos consertar seus chifres, meu pequeno. Water é o melhor curandeiro do mundo, sabia? É possível, não é?

-Nós precisariamos dos chifres dele... Feito dele...

Fire o encarou por um segundo e suspirou conformado, levando a mão ao próprio chifre negro e, antes que qualquer um pudesse impedi-lo, ele o partiu.

-Papai!

-Não é vergonha nenhuma não ter seus chifrinhos, mai rivat, e se alguém disser que é, precisará enfrentar a mim, certo? Mas creio que você pode refazer os chifres dele a partir do meu, não?

Water assentiu, admirado pelo devoção de Fire pelo filho, por sequer titubear em se por em perigo no Castelo de Ar, contra sua própria família e agora, abrir mão de algo tão honroso quanto um de seus chifres unicamente para ver o filho sorrir. Fire era um dos seres mais maravilhosos que Water havia conhecido nos milênios que sua vida se entendera. Agora ele podia ver, podia ver a beleza daquele elemental que antes evitava constantemente, podia perceber o que Ery havia visto nele, o porque os espíritos de fogo o amavam e o idolatravam mais do que a um mestre, como ele havia conquistado Ersa e todo o Orvalho. Fire era uma canção de amor, de força, de paixão e fúria, sem medo, sem fingimentos, tão fiel ao próprio cerne, tão dedicado aos seus, ele era uma canção cálida, desejosa, viciante, tudo nele era, era impossível não se atrair por ele e sua crença, sua forma de ver o mundo e isso tirou as palavras do Water Ghoul por um tempo.

A refeição seguiu apenas com conversas gentis ao espírito do vapor, que ia ficando a vontade, finalmente relaxando, até por fim, dormir em uma colherada e outra.

-Ele ainda está exausto, precisa descansar para recuperar as energias aos poucos.

Fire o pegou, acomodando em seus braços, enquanto Water pegava o chifre quebrado.

-Ele ainda vai levar um tempo para sentir-se pronto novamente, mas tanto a memória, quanto a capacidade cognitiva parecem intactas. Vou começar a trabalhar nisso agora mesmo, estarei na estufa, caso precisem de mim.

Fire saiu cantarolando, em direção ao quarto de Noto, enquanto Water seguia para os andares de cima. Não seria tão difícil restaurar os chifres, uma vez que eram carne da mesma carne, seria um trabalho relativamente simples, mas muito significativo para o garoto, que agora ainda se sentia tão abalado e deslocado no mundo.

O Senhor das Águas espalhou seus instrumentos pela mesa e por horas recriou aquelas peças, usando também do próprio sangue para alterar a cor, para novamente um azul como um mar calmo, ele estava tão imerso em sua tarefa, que não percebeu o outro se aproximando de si, deixando seu rosto repousar em seu ombro, os longos cabelos loiros espalhados, seu hálito quente em seu ouvido.

-Você é realmente um artesão de carne.

-Desde... bem, desde Ery, eu me esforcei muito para isso, não perder mais ninguém pela minha incapacidade. Vou conseguir restaurar os chifres dele e ainda o seu novamente, um pouco mais curto, mas será quase imperceptível.

-Apenas faça o que for melhor para o nosso filho, chuvinha.

Sem parar de trabalhar, unicamente para manter seu olhar afastado dos olhos de mel de Fire, tão próximos aos seus, Water falou:

-Obrigado por ter me defendido de minha filha... Eu não teria conseguido fazer algo contra ela, afinal.

-Não poderia deixar Noto te perder, ele ficaria triste.

O perfume do Fire Ghoul o inebriava, sua concentração sendo quebrada, suas peles se tocando..

-E você? Ficaria?

Fire pôs-se ereto novamente, deixando suas mão passear gentil pelo pescoço do ghoul a sua frente, sentindo-o se arrepiar sob sua palma.

-Eu também, chuvinha. Eu também.

Waterdrop Firedrop (Rain x Sodo)Onde histórias criam vida. Descubra agora