Sentimentos

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Noto se recuperava a cada dia, a alegria de ter seus chifres de volta era imensurável, ele sorria e agradecia a cada segundo, sempre com suas mãozinhas neles, como se tivesse medo que pudessem cair, ele sentia-se apresentável ao mundo novamente, mas os ghouls sabiam que precisavam conversar com ele a qualquer momento, precisavam entender tudo o que aconteceu, como aconteceu e, além do seu corpo, precisavam tratar de sua mente, pois era tão claro quanto a lua e o sol acima deles que Noto não estava realmente bem, podia sorrir e brincar com eles, mas sozinho, ele se entristecia e fechava-se, quando se distraia, seu sorriso se perdia em meio a pensamentos não verbalizados, sua mente viajando em lugares distantes e ambos os ghoul sentiam, lugares perigosos, lugares sem volta.

-Não quero que ele precise reviver esse trauma tão cedo, mas precisamos intervir, antes que isso se enraize nele de forma que não conseguimos mais podar.

Fire ouvia Water preocupado, ele também queria que Noto fosse curado por completo, mas tinha medo de tocar no assunto, ele não sabia como lidar com essa situação, preferia enfrentar todo o exército do ar novamente a ter que tratar com sentimentos, era algo muito confuso e intenso para ele, mal sabia como compreender os próprios, que tomavam rumos cada vez mais complicados e incompreensíveis.

-Só me ajude a dar apoio ao nosso filho, eu posso conduzir isso, Fire, espíritos de Água costumam ter um pouco mais de jeito para isso. Pode confiar em mim ao menos nessa ocasião?

Aquele pedindo vinha se repetindo e cada vez mais Fire tinha dificuldade em recusar. Depois de todos os acontecimentos, confiar naquele Ghoul vinha se tornando inevitável, ele havia cumprido cada uma de suas promessas e mais uma vez Fire percebia como seus sentimentos eram caóticos, sempre ardentes, sempre mutáveis, sempre flamejando de formas diferentes, como uma fogueira crepitando incerta.

-Queria tanto que meu filho tivesse uma infância tranquila, que fosse feliz, aproveitasse algumas centenas de anos, porque sabemos, Rain, com a guerra tão próxima, ele vai acabar crescendo tão rápido, será obrigado, não há espaço para crianças em uma guerra...

-Por isso devemos fazer desse momento, algo único e especial para ele. Sei dos nossos atritos, mas vamos pôr ele como nossa prioridade agora, como deveria ter sido desde o início.

A conversa ocorria no alto da torre mais alta do palácio, ambos tinham perdido a conta de quantas vezes haviam se encontrado ali nas últimas semanas, parecia um refúgio, um campo de paz entre eles, onde eles esqueciam quem eram, o passado, as brigas, ali se permitiam se reconhecer, conversar com calma, abertos um para o outro e isso ocorreu de forma natural, não havia sido previsto e a cada dia, passavam mais tempo ali, vendo o sol nascer, a lua surgir, o tempo passar. A busca por Noto os aproximou, não era algo que poderiam voltar atrás, assim como aquele beijo que, apesar de nenhum admitir, pensavam sobre.

-Amanhã, chuvinha, amanhã sentaremos com ele. Estaremos em suas mãos. Não nos deixe cair.

Rain virou o rosto, com medo que o outro o visse ruborescer, ele, sempre tão imponente, sentia-se tímido com aquele ghoul, naquele lugar, sentia-se leve e jovem, talvez até tolo, mesmo com tudo que ainda acontecia. Era bom ter alguém como ele próprio ao seu lado, mesmo que fosse o Fire Ghoul, ainda assim era alguém que o entendia, que sabia das dores de sua função.

A aurora surgiu brilhante, Noto pouco dormia, e nas primeiras luzes, já podia ser encontrado nas cozinhas, onde era paparicado por vários espíritos, que o alimentavam com as mais diversas guloseimas, enquanto ele cantarolava de boca cheia. Ele gostava dali, era mais quente do que no restante do palácio, ninguém lhe perguntava nada, apenas o mimavam, quase disputavam por quem lhe daria o melhor prato. Ele amava poder estar com seus pais, mas aqueles olhos preocupados a todo segundo o torturavam, ele sentia-se sempre em constante vigia, como se pudesse quebrar a qualquer instante. Ele ainda tinha medo de admitir que fugiu de bom grado, que foi sua decisão ir com Cumulus, tinha medo de admitir seus sentimentos conflitantes, sobre ainda sentir-se um peso, ainda mais agora, em que todos os olhos se voltavam para ele, com pena. Ele se sintia minúsculo, como uma pequena gota em um grande oceano, como uma fagulha em um incêndio. Ele aceitava que era amado pelos pais, mas isso não mudava o que pensava sobre si, não mudava tudo que tinha ouvido de Air e que para ele parecia tão real, fazia tanto sentido.

Waterdrop Firedrop (Rain x Sodo)Onde histórias criam vida. Descubra agora