Seja sincero (consigo)

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Rain on

Deixei que Fire conversasse com Noto, algo me dizia que ele saberia o que fazer, o que falar, de alguma forma ele sempre sabia.

"Seja responsável por seus desejos ou não deseje"

Aquilo não saia de minha cabeça, o que ele queria afirmar com aquilo? Eu não estava me escondendo, a menos que o estivesse fazendo também de mim mesmo. Eu estava? Sinceramente, eu já não sabia.

Fui à sala de música, onde havia muito mais livros sobre ela do que ela em si. Eu sabia tocar alguns instrumentos que adornavam a parede, mas não era tão adepto dela como Fire era. Música era sentimentos e talvez eu não soubesse lidar com eles, em nenhuma de suas traduções.

Sentei-me ao velho piano negro, havia anos que não o tocava, sequer fazia ideia se eu ainda sabia como fazê-lo, mas lembrava de, a alguns dias atrás, ter ouvido sua melodia ressoando pelos corredores e ao espiar a sala, Fire sentava-se com Noto ao seu lado, ensinando-lhe as notas, convidando-o a tocar junto e mesmo as canções simples tornaram-se magnificas.

Deixei soar o primeiro acorde, encarando o teto cor de marfim, vazio. Como por milagre, meus dedos encontraram alguns caminhos e eu apenas os deixei seguir e antes que eu me desse conta, o lugar mergulhava em um soneto triste e cruel, sobre algum amor perdido.

-Essa sala é muito escura para os instrumentos, Water. Úmida também.

A voz vinha as minhas costas, da entrada e eu certamente não estava pronto para olhá-lo. Eu ainda sentia seus lábios nos meus, sua voz ecoando em minha mente.

"Talvez eu apenas seja fiel aos meus sentimentos, não os afogo em poesia vazia".

E era exatamente isso que eu fazia agora, eu afogava cada sentimento que ousava surgir em meu cerne em uma cantiga vazia, que não fazia sentido nem mesmo para mim. Nunca faria, não podia fazer.

-Não quer falar sobre o que aconteceu?

-Noto levará um tempo para decidir-se, tão jovem e já tendo que escolher, não devemos apressá-lo...

-Rain- ele me interrompeu- Você sabe exatamente a que me refiro.

Minha canção seguia preenchendo o espaço, percebi que tinha medo do silêncio e do que minha mente faria nele.

-Não sei se saberia dizer.

Ouvi seus passos se aproximando e eu ainda temia olhar.

-Diga-me que não sente nada, Rain.

Seu respiração quente estava em meu pescoço mais uma vez, esse era um péssimo hábito do Senhor do Fogo, como eu detestava aquilo... Eu certamente detestava.

-Podemos enfim termos cessado nossas desavenças, Fire Ghoul, mas isso não lhe dá o direito de brincar comigo dessa forma.

-Você correspondeu, Rain e não apenas aquele beijo, você tem correspondido a mim a todo momento.

Um acorde agressivo o fez sobressaltar-se em um leve pulo, mas ainda seguia colado as minhas costas. O que ele tanto queria?

-Você acha que eu gostaria de sentir o que estou sentindo, Ghoul? - ele continuou, sua voz baixa, quase em uma súplica- Acha que eu gosto do meu cerne ouriçado por ti? Como acha que me sinto depois de tudo? Então, Water, eu que vos peço, não brinque comigo, não invoque minhas chamas se não tem intenção de se queimar nelas.

Ele afastou-se e, pela primeira vez em toda minha vida, senti frio.

-Sodo...

Enfrentei todos meus monstros e finalmente me virei, mas era sua vez de estar de costas para mim, indo para a porta. O que eu poderia fazer? Ele era o impulsivo, não eu e eu tinha muito a pensar sobre o redemoinho de emoções que se formavam dentro de mim. Então eu não entendi quando meu corpo se levantou e correu atrás dele, quando segurei seu braço, fazendo-o parar e finalmente me olhar.

Aqueles malditos olhos de mel, brilhando como o sol de verão, tão sérios, como se carregassem a verdade do mundo dentro de si.

-Estou sendo apenas uma diversão para você, Water?

-Não, mas tenho medo do que sinto. Tenho medo do amor.

Confessar aquilo fez meu cerne saltar, como se eu fosse um infante revelando alguma travessura, temendo a punição.

-O que tanto temes, Água? Acha que é fácil para mim estar apaixonado por aquele que por tantos séculos odiei? Então o que você tem a temer?

Apaixonado? Fire estava se declarando? Minha respiração perdeu o compasso, senti que podia começar a suar, quase sentia meus ossos tremerem, perdendo a força e soltando seu braço.

-Temo ama-lo profundamente e me manter a distância. Temo ama-lo e sermos incompatíveis, Temo ama-lo e feri-lo por ser quem sou. Temo ama-lo e parti-lo mais uma vez. Temo ama-lo e perder meu próprio rumo, como foi com Air. Temo o amor.

Agora aqueles olhos pareciam que viam minha alma, parecia que podiam me engolir a qualquer segundo e não tive força para mantê-lo, me obrigando a desviar o olhar.

-Eu não sou Air e eu não tenho medo de você, mesmo que, admito, tenha medo de feri-lo e isso me confunde, mas tem sido tão doloroso tentar manter isso dentro de mim, como se fosse um crime hediondo. Dia após dia, Rain, tenho tentado sufocar essa fagulha antes que virasse um incêndio, mas já é tarde! Fui conflagrado por completo e você atiça-me, você parece zombar do que sinto, brincando comigo, dando-me esperança, olhando-me como se me amasse, como se pudesse ser meu, dando-me o mundo, apenas para afastar-me quando dou um passo a frente!

Aquilo me atingiu como uma tempestade. Eu estava certo de que conseguia disfarçar meus sentimentos por ele, que conseguia ocultar o afeto que se tornava maior a cada lua, que conseguia fingir não ansiar por sua vinda à torre todas as manhãs ou fingir que não amava o tom de sua voz quando cantava. Pensava que camuflava meu olhar quando o sol tocava-lhe a face ou quando sorria, um sorriso que parecia capaz de evitar todas as rebeliões do mundo. Eu acreditava que não deixava claro que meu ser se agitava sempre que ele me tocava ou que meu cerne chocava-se contra meu peito quando ele pronunciava meu nome.

-Nós não podemos, Fire, somos ghouls, nunca poderemos estar juntos...

-Estamos vivos, Rain! Isso nos basta! Isso é tudo que importa!

Eu sentia uma fina lágrima correr por meu rosto, logo aparada por seus dedos negros, seus lábios tocaram meus olhos, enquanto segurava minha face. O que eu deveria fazer? Eu deveria negar-lhe e sair dali? Devia expulsá-lo e assim me livrar da tentação? Então por que agora eu tomei seus lábios nos meus? Por que deixei minha língua explorar seu cerne? Minhas mãos já em sua cintura fina, seu corpo em clara combustão, eu, que tanto temia, agora o puxava para mim, seus braços sobre meus ombros. Pela primeira vez, me permiti sentir seu gosto de verdade e quem diria que o Fogo era doce? Quem diria que as chamas eram gentis?

Sua mão em meu cabelo, acariciando minha nuca e eu quase podia acreditar que ele estava na ponta dos pés, me fazendo sorrir no meio do beijo. Meu mundo girava velozmente, eu não queria sair dali, mas não queria admitir que estava cedendo, mas de repente eu entendi o quanto eu precisava daquilo, o quanto eu havia desejado aquilo, o quanto eu estava reprimindo aquilo.

-Estamos vivos, Rain...

Sua testa estava grudada à minha seus lábios tão próximos ao meu enquanto recuperavamos o fôlego, suas mãos nas minhas.

-Estamos vivos, Sodo... e juntos.

Waterdrop Firedrop (Rain x Sodo)Onde histórias criam vida. Descubra agora