Eu te amo

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Rain on

Eu observava Noto em mais uma de suas aulas de esgrima, ele levava jeito com as lâminas, mesmo tão novo. Seu corpo vinha se desenvolvendo rápido, pequenos músculos já se formavam sob suas vestes, seus braços longos o dava um alcance perigoso e suas pernas já eram ágeis o suficiente para surpreender um oponente, ele manejava sua primeira espada com maestria, parecia ser um com ela e isso apenas me fazia refletir sobre as memórias que Corvinus havia nos dado. Ele realmente seria um exímio soldado e esse seria seu destino, ele cumpriria isso em batalha. Quando crescesse, ele enfrentaria ordas, seria jogado de um campo a outro sob meu próprio comando e talvez na próxima centena de anos ele seria um dos meus fiéis comandantes. Eu tinha medo do seu futuro, temia não conseguir protegê-lo, quando por fim, seria ele a nos defender e se nos restava aceitar, aceitar que ele não seria uma criança eternamente, ao menos era o que me parecia. Ele ainda cresceria, amadureceria muito, eu podia sentir, eu sabia em algum lugar da minha alma que meu pequeno não fora feito para ser pequeno.

Enquanto eu ainda o observava mover-se com tamanha aptidão, senti um peso pousar sobre meu ombro de forma suave e ao me virar, deparo-me com um jovem corvo negro. Um corvo mensageiro.

Levei minha mão a ele, que delicadamente subiu em meus dedos, suas garras apertando-me com leveza. Ele carregava uma carta presa ao seu corpo e assim que a soltei, ele partiu em direção ao céu azul.

Antes de abrir, um sorriso já se formara em meus lábios. O selo do ghoul do Fogo guardava aquela mensagem e perdi a conta de quanto tempo fiquei apenas admirando sua marca, fantasiando com o que eu encontraria grafado em sua letra ao abrir, sabendo que ele me conquistaria a cada linha, a cada frase, pois eu sabia que ele dominava a arte das palavras, que as usava com uma precisão invejável ao mais sensível dos poetas de meu reino. Fire sabia encantar sem sequer estar presente e ele sabia disso, tão prepotente. Eu tinha pressa em abrir e reencontrá-lo, mas queria saborear aquela ânsia, aquela sensação que fazia meu cerne pulsar mais rápido, como se eu fosse uma criança descobrindo o mundo, me apaixonando pela primeira vez, aprontando sob a vista de Emeritus e Yeleni, me esgueirando pelos corredores na calada da noite. Aquilo fez com que eu me sentisse vivo e jovem. E livre. Aquele amor me fazia acreditar que eu podia ser livre, assim como ele o era. E a liberdade fora algo que eu desejara ao longo dos séculos, era algo que eu almejava com tanta veemência e agora eu a saboreava, mesmo que ainda estivesse preso ao nosso segredo, que eu queria não durasse mais que o necessário.

Enquanto ouvia o titilar do metal se chocando a minha frente e o arfar cansado de meu filho, finalmente quebrei o selo de cera e como eu poderia evitar ficar ruborizado logo na primeira linha?

"Para minha querida chuva (por vezes tempestade, por vezes calmaria)"

Tão poucas palavras e uma descrição tão precisa sobre meu ser, com um leve toque de possessividade que fazia totalmente seu estilo, ele fazia questão de deixar claro que eu era dele agora, assim como ele era meu, ao mesmo tempo que ele também fazia questão de deixar muito bem declarado que eu era dele unicamente por minha vontade, ele não me tinha como posse, me tinha como um tesouro, não me criaria em uma gaiola, não seria como fora com Air. Eu não seria exposto e acorrentado, eu seria admirado.

E sem vergonha alguma, ele relembrou-me de nossa noite por longos trechos, que de todas as formas não havia saído de minha mente. Eu admitia, não a ele, que se vangloriaria disso por toda eternidade, mas a mim mesmo, o que já não me era fácil, mas eu não me sentia tão confortável à séculos, estar em seus braços me fez esquecer do mundo, me fez esquecer quem eu era, quem nós éramos, me fez desejar a perpetuidade, me fez desejar ouvi-lo até o fim dos tempos, pois o que eu realmente sabia sobre aquele homem? Eu sempre tivera o pior pensamento sobre ele, sempre me deixei levar por uma rixa que parecia não ter fim, mas agora tudo o que eu queria era ouvir suas histórias, saber sobre sua vida, seus gostos, suas paixões. Sabia que amava a arte e a música em especial, sabia que tratava todos os seres com igualdade e até com afeto, ainda mais se fosse uma entidade de fogo, de quem se orgulhava intensamente. Sabia que Fire amava as festas e bons vinhos, que sua voz era uma das mais belas que já havia ouvido em uma canção, sabia que gostava da chuva, apesar de enfraquecê-lo e que ele sempre desejara saber nadar. Sabia que, apesar de todos os protocolos que nós Ghouls deveriamos seguir, ele ainda deixava sua pele despida ser banhada pelo sol em vários dias e que eventualmente era pego, o que ele de fato não se importava, não se sentia exposto e desprotegido, pois confiava nos seus de forma apreciável. Não que eu não confiasse nos meus, mas nós ainda tinhamos uma barreira de mestre e servos, tinhamos nossos lugares bem delimitados.

Waterdrop Firedrop (Rain x Sodo)Onde histórias criam vida. Descubra agora