Bem vindo

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Meu corpo insistia em querer despertar, mas eu me recusava a ceder, pois cada vez que eu abria meus olhos, tudo que existia era um pesadelo sem fim, não havia paz ou trégua, apenas tortura, fome e desespero, então eu me escondia no fundo do meu cerne, mergulhando em um rio de lava, me perguntando porque eu ainda desejava tanto manter minha forma física, quando eu poderia apenas sumir no vapor...

Mas algo prosseguia me chamando, sussurrando meu nome, exigindo minha presença naquele mundo e por fim, cedi, sem saber porque, apenas cedi, mas percebi que eu já devia estar morto, pois o lugar que se abriu para mim era totalmente diferente daquela terrível cela, o teto era de vidro e o céu lá fora parecia tão lindo, um pouco nublado, com a chuva do papai, mas o sol também estava lá, com o calorzinho do papai, mas minha visão estava um pouco turva, tudo parecia se mover um pouquinho, balançava e aquilo me trazia calma aconchego e então, eu dormi novamente.

-Você acha que um dia nossa gotinha vai acordar?

Eu era a gotinha dos papais e aquela parecia a voz do papai, tão baixinha, tão triste, eu não gostava de ver meu papai triste!

-Eu tenho certeza que vai, confie em mim, ele vai voltar.

Eu queria gritar que eu estava ali, que não precisavam chorar, eu estava ali, mas o breu me tomou para si novamente antes que eu visse o mundo.

As vezes, eu ouvia vozes, as vezes apenas a chuva caindo, as vezes eu podia jurar que ouvia um pássaro, mas não os mesmos que vinham me visitar no cárcere, era um diferente e as vezes, quando eu piscava, ele estava lá, me encarando antes de eu dormir novamente.

O tempo passou a parecer uma eternidade e eu me sentia tão leve, tudo e nada existia, parecia um bom lugar, mas eu estava sozinho e eu não queria ficar sozinho, a solidão nunca me agradou, então eu percebi que eu precisava nadar naquele mar escuro, porque se aquilo era água, então papai estava por perto, não estava? Então eu nadei, mesmo que eu não parecesse sair do lugar naquela infinidade, ainda assim eu nadei e meu corpo não se cansava mesmo depois de horas, dias, anos, séculos, claro, não havia corpo, não havia nada além daquele vazio e eu não sabia o que eu era agora, mas continuei nadando, eu sentia Rain, então eu seguia, exatamente como ele me ensinou, mexia os bracinhos e as pernas, ao menos eu imaginava isso, já que não havia nada em mim, eu era apenas um luzinha, um bolinha de vapor difusa, mas ainda assim eu nadava, com todas as minhas forças, mesmo depois de milênios e eras, eu continuei e continuei. Um dia, eu ouvi uma voz me chamando, "meu príncipe", ela dizia, "meu floquinho", ela repetia, e eu me sentia quentinho de novo, mesmo sem conhecer a voz, mesmo parecendo que eu o conhecia a vida toda. Não muito depois, eu ouvi Yeleni, e me senti cuidado e desde aquele dia, cada vez mais vozes gentis pareciam existir naquele mar, mas papai Water e papai Fire eram quem mais apareciam, eles me chamavam, suas vozes pareciam carinho e proteção e a cada dia, eu via uma estrela chegando mais próxima de mim ou será que era eu que chegava mais a próximo a ela? Ela crescia lentamente, mas depois de tanto tempo, eu já não tinha pressa, então eu nadava sem nunca parar, olhando ela e depois de alguns anos, aquela imensidão se tornou mais luz do que sombras e eu não estava mais sozinho e quando eu finalmente a toquei, pois agora eu tinha uma mãozinha novamente, o ar me invadiu de repente, como em uma única lufada, me preenchendo por completo e meus olhos se abriram e eu descobri que o teto de vidro era real e chovia forte lá fora, mas luz me incomodou, era forte demais para mim que fiquei na escuridão por tanto tempo, mas eu não queria parar de olhar, haviam florzinhas ali e plantas grandes, um jardim inteiro dentro de aquela estufa - agora eu percebia que era uma estufa- e eu entendi também porque a minha visão parecia tão estranha, eu estava na água, dentro dela, de verdade. Sentei-me com dificuldade, meu corpo não parecia saber como me obedecer, sentia a água escorrer por mim, senti frio. Não era apenas uma estufa, haviam estantes com livros e tantos objetos que eu não conhecia, mas eu sabia que eram do papai, era um lugar do Rain, ninguém precisava me dizer, era o reino da Água, eu sentia tão claro quanto a água que me banhava. Não consegui sustentar meu corpo e cai debruçado na lateral, meu corpo estava mole, mas eu sorri, era a Água do papai e era a voz do papai que agora falava alto e eu o vi correr para mim, com seus cabelos de noite e um expressão cansada, ele se ajoelhou ao meu lado enquanto gritava algo para alguém que não pude ver, seus olhos me lembraram o mar que me protegeu durante toda essa viagem e quando ele me abraçou, eu me senti vivo, vivo de verdade, me senti amado, me senti eu, eu tinha forma novamente, eu tinha função novamente.

-Bem vindo de volta, mai ob rivat!

Ele chorava e então eu percebi que eu também, meu corpo voltou a ter água para chorar, mas não era mais de medo, era de alívio, depois de tanto tempo, finalmente alívio.

-Onde está o papai Fire?

Minha voz saiu estranha, talvez eu tenha esquecido como a usar, minha garganta não parecia pronta, mas não importava, eu queria o papai.

-Meu pequeno...

-Cadê o papai? Ele foi me buscar... Eu vi o papai...

-Seu pai já está vindo, minha gotinha, ele pressentiu a sua volta.

E pela porta, eu não precisava ver para saber.

Fire havia chegado.

Waterdrop Firedrop (Rain x Sodo)Onde histórias criam vida. Descubra agora