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"Vou dar paz pro coração
Nessa solidão tá difícil viver
Vou sumir da sua vida
A única saída é ter que esquecer

Você, você
Você, você"

(Intérprete: Israel & Rodolffo)


*** 🍳 ***

Já são dez horas da noite e eu ainda não consegui sair de frente do portão de casa. A chuva cai torrencialmente e eu estou completamente molhado. Mas, não ligo.

Tô aqui, com a caixinha com as alianças no bolso, segurando um buquê de rosas vermelhas imenso e sem saber o que fazer ou pra onde ir. Me sinto perdido, como se tivesse levado uma facada nas costas.

Por que ela fez isso comigo, moço? A gente parecia que era feito um para o outro...

Éramos o casal sensação entre nossos amigos. Estávamos sempre juntos e felizes...bem, pelo menos é o que parecia.

Conheci Letícia na Europa. Ela fazia um mestrado em Moda em uma das melhores universidades de Paris e eu cursava gastronomia na mesma escola. Nos aproximamos durante uma festa promovida por outros alunos brasileiros e confesso: foi paixão à primeira vista.

No começo, tentei evitar todo e qualquer relacionamento, pois, estava focado em meus estudos. O meu sonho é virar chef de cozinha e voltar ao Brasil para ter o meu próprio restaurante com pratos típicos regionais.

Mas, a minha tentativa de evitar Letícia foi em vão...seus olhos grandes, seus cabelos dourados e sua boca carnuda me hipnotizaram e eu me vi envolvido totalmente por ela. Meus dias na Europa eram baseados em estudar pela manhã e a passar o resto da tarde e noite com ela. Levávamos praticamente uma vida de casados.

Nos formamos no mesmo ano e eu já estava decidido à voltar ao Brasil e ela não queria. Ainda aguentei mais seis meses em Paris, sem estudar e trabalhar, mas, já não dava mais.

- Precisamos voltar, Leti. - falei enquanto ela preguiçosamente lia um livro, deitada no sofá.

- Ah, moncherry...temos mesmo que sair daqui e voltar ao Brasil?

- Sim. E além do mais, não posso ficar tanto tempo assim sem trabalhar. O dinheiro está acabando.

- Peça ao seu pai !

Fiz uma careta.

- Letícia, você sabe que isso está fora de cogitação. Eu já sou um homem adulto e não quero ficar dependendo do dinheiro do meu pai para todo problema que eu me enfiar.

- Esse seu orgulho não te leva a nada, moncherry.

Com muito custo, consegui convencê-la e voltamos ao Brasil e fomos direto para a casa dos meus pais, em Goías. Meu pai é dono de uma gravadora, que gerencia carreiras de duplas sertanejas, além de possuir fazendas e outras fortunas. Minha mãe é professora, mas também vem de uma família abastada de Goiânia. Minha irmã mais nova mora em Brasília e é casada com um piloto de avião.

Ficamos uns dois meses em uma das casas do meu pai, em um distrito próximo à Goiania. Letícia não gostava muito de lá. Ela achava que era no meio do nada e segundo ela, morria de medo de alguma onça invadir a casa.

Na verdade, ela não estava acostumada com essa vida meio "rural". A família de Letícia era de Santa Catarina e ela amava praia e vida noturna...eu não gostava muito, mas, acabava indo à esses lugares com ela. Eu a amava e sentia que deveria fazer esses "pequenos" sacrifícios.

Depois desses dois meses, eu conversando com amigos meus e do meu pai, recebi a proposta de um investidor da Paraíba, para entrar em sociedade em um restaurante de alta gastronomia em Campina Grande.

Isso era maravilhoso ! Pois eu iria realizar o meu sonho por completo: ter o meu restaurante e apresentar pratos tradicionais à uma clientela que não estava acostumada. Seria um desafio que eu estava muito eufórico e seguro em topar.

Fiz todos os acertos, em relação à contratos, moradias e mudanças e estava tudo certo. Porém, só faltava resolver uma questão: Letícia.

Tive que usar todas as minhas estratégias de convencimento e depois de alguns dias acabei a convencendo. Com a promessa de que morariamos na casa que ela escolhesse e que pelo menos uma vez por mês, ela iria à Santa Catarina ver sua família, além de garantir à ela outros luxos e vontades.

Em três meses abri o restaurante e ele se tornou um sucesso e referência gastrônomica da cidade. Tudo deu tão certo, que críticos e revistas de gastronomia tem feito grandes avaliações e eu me tornei um dos chefs mais procurados pela alta sociedade campinense.

Já Letícia, vivia uma vida de princesa. As pessoas, sobretudo as mulheres da cidade, a tratavam muito bem e a tinha como referência de elegância . Elogiavam seus cabelos, suas roupas e vez ou outra, aparecia alguém copiando os trajes da minha garota. Letícia acabou abrindo um canal em mídia social, se tornando uma influencer bastante engajada.

Eu estava feliz e achava que Letícia também estava, apesar de ter notado um certo distanciamento dela comigo nas últimas semanas. Interpretei que deveria dar mais atenção à ela, já que o restaurante me consumia horas de trabalho, e mais...senti que era hora da gente formalizar nossa história.

Não queria demorar mais.

Sem marcar nada, comprei um par de alianças em ouro branco e um enorme buquê de rosas vermelhas. Não tinha mais como evitar: eu a pediria em casamento nesta noite.

Cheguei em nossa casa e percebi que ela estava no quarto. Fui sem fazer barulho e quando entrei, não pude acreditar. Letícia estava nua, com um outro homem na cama. Na nossa cama...

Eu estava um misto de rancor, tristeza e ódio. Pedia explicações, não acreditava que isso estava acontecendo. Foi quando Letícia se levantou e me olhou friamente,

- Rodolffo, cedo ou tarde você saberia. Não dá mais. Acabou !

- Letícia, eu..eu... - tentava organizar meus pensamentos - Eu vim aqui pra te pedir...pedir...

Ela olhou para o buquê de rosas e percebeu o que eu queria dizer e deu um sorrisinho debochado.

- Rodolffo, moncherry. Sinto muito...Mas, é isso que você está vendo - disse abrindo os braços.

- Letícia, por que está fazendo isso com a gente?

- Simples. Eu.não.te.amo.mais... - ela disse pausadamente e cada palavra foi entrando em minha cabeça e ardia como se fossem marteladas na minha mente, dei as costas e saí.

E é por isso que me encontro agora na frente da minha própria casa, mais de dez horas da noite, perdido, encharcado, com um buquê de rosas vermelhas na mão e uma caixa de alianças no bolso e sem saber o que fazer.

Tento sair desse meu estado de letargia e caminho sem rumo pela cidade. Quando percebo, estou na avenida perto do Açude Velho, próximo às muretas.

Fico vendo as águas do açude batendo nas pedras e me concentro no barulho que elas fazem, que se confundem com o som incessante da chuva.

- O que eu vou fazer agora, Letícia ? - perguntei baixinho deixando as lágrimas caírem pelo meu rosto.

Ainda segurando o enorme buquê, tirei a caixa de alianças do bolso. Abri, olhei o modelo que escolhi pra nós...o rancor novamente tomou conta de mim.

- Quer saber ? Eu VOU te esquecer. Essa é a minha única alternativa - falei jogando as alianças na água.

A arte do encontroOnde histórias criam vida. Descubra agora