02 - Indelével

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Kate Warren


Preferi não ver o que ele estava fazendo após voltar da sala do Doc. Era nítido que ele conhecia aquele lugar tanto quanto eu. Talvez até mais, até porque nunca saberia onde encontrar aquela maleta branca de primeiros socorros. Por isso coloquei um cigarro entre os dentes enquanto ele manipulava tudo aquilo. Eu ainda estava encostada no balcão, segurando um pano contra a ferida para estancar o sangue.

Ele tinha sua atenção completamente focada no que fazia, jogando álcool em uma bandeja de aço com a agulha dentro.

— Me empresta o isqueiro? — pediu, assim que eu o tirei o bolso. Também ofereci a caixinha de cigarros, mas ele não aceitou. 

O isqueiro era para atear fogo no álcool. Claro. E por isso me julgou.

Ele olhou para o cigarro na minha boca, o fogo iluminando a lateral do seu rosto quando as chamas se espalharam por toda bandeja, tremeluzindo e destacando ainda mais seus traços puramente masculino, principalmente aquela expressão de desprezo.

— Eu não fumo, é uma metáfora. Você coloca a coisa que mata entre os dentes, mas não dá a ela o poder de matá-la.

— Ah é? — desafiou, irônico.

— Claro que não. Pode devolver meu isqueiro?

Pude jurar que vi a sombra de um sorriso em seu semblante, desfazendo um pouco aquele ar de "não queria estar tocando em você, coisa rasgada."

Mas invés de simplesmente devolver, ele girou o polegar na pedra e trouxe o fogo até a ponta do cigarro preso em minha boca.

Traguei, puxando aquela primeira fumaça tóxica que preencheu meus pulmões e coloriu a bituca com laranja fúlgido. Ele ainda me olhava quando soltei a fumaça.

Coisa rasgada e fumante.

— Tá olhando o quê?

O fogo do meu lado se apagou, então ele voltou a manusear a agulha com um alicate fino, enquanto eu mantinha meus olhos fixos em seu olhar baixo. Seus traços... eram intrigantemente familiares. 

— O modo como alguém fuma diz muito sobre ela.

— Como é que é? — Ri sem vontade.

— Você não fuma por prazer — declarou, atento ao que estava fazendo. — Está nervosa, ou tem medo de agulhas?

Minha respiração ficou profunda. Encarei a bituca acesa entre meus dedos, com a pele exposta e a sensação familiar da fumaça dentro e ao redor, era um presságio. Eu nem percebi que tinha agido no automático.

Eu sabia que ia doer, e por isso estava fumando.

— Nenhum dos dois. — Levei o cigarro até a boca, um pouco mais hesitante do que antes, depois soprei a fumaça para o lado. — Conhece o Doc? 

Seus dedos finalmente tocaram minha pele, e foi inevitável, estremeci com o trauma.

— Conheço — respondeu simplesmente, buscando um frasco de líquido para limpar todo o excesso de sangue depois que tirei o pano.

— Ai! — A queimadura veio como um golpe. O líquido escorreu como se estivesse rasgando minha pele e a dor, por mais exagerado que pareça, foi dilacerante. — Porra!

Encontrei seus olhos nos meus por cima dos cílios. Ele esperou até que o choque diminuísse. Quando finalmente amainou, senti aqueles dedos ásperos tocarem minha pele novamente.

My Nemesis - Dark RomanceOnde histórias criam vida. Descubra agora