03 - Hospedeiro

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Kate Warren 


E foi pensando nas linhas escuras desenhadas no dorso das suas mãos machucadas que deixei o café transbordar na manhã seguinte.

— Porra! — Me assustei com o líquido quente queimando meus dedos.

Cada movimento que me lembrava do corte na minha costela, era como alimento para uma ira de revolta por saber como o conquistei.

Pela manhã, só se ouviam alguns sons de pássaros e uma ventania típica dessa cidade, que fazia as madeiras antigas da casa rangerem. Era cedo demais para qualquer coisa, mas a dor pulsante no corte da minha costela mal me deixou dormir.

O corpo febril poderia ser sinal de inflamação, mas em uma coisa o maldito estava certo, o pronto socorro mais próximo ficava a quarenta minutos do bar, e ainda mais longe da antiga residência da minha avó.

O estoque de remédios tinha uma explicação. Lá encontrei o antitérmico necessário e, por precaução, um anti-inflamatório, além dos antibióticos. Não era uma simples maleta, Nona tinha uma dispensa de primeiros socorros. Gaze, álcool, linha de sutura, torniquete, instrumentos cirúrgicos e os famosos curativos estampados, que em minha memória afetiva, eram usados nos nossos ralados quando vínhamos passar o fim de semana.

Não era uma surpresa, na verdade, uma viúva sozinha no casarão mais afastado da cidade teve que aprender a se cuidar sozinha. Nona, quando saiu da Itália com os militares, ficou em bases de enfermaria no atendimento aos feridos, portanto ela não era uma pessoa sensível a pequenos resfriados. Quem sabe o que ela realmente já viu?

Soube de uma vez que foi picada por uma cobra peçonhenta aqui mesmo, e ela só nos contou depois de semanas, quando o ferimento já não passava de duas manchas paralelas, e seus piores dias com o veneno no corpo ganhou uma narrativa hilária das alucinações que tinha.

– Foi uma experiência transcendental – Ela dizia. E falava a mesma coisa quando fumava algumas porcarias.

Lembro que meu pai enlouqueceu, pois ela não procurou por nenhum médico, mas hoje eu a entendo. Se me disserem que posso fazer um pedido a uma estrela cadente, eu obviamente optarei pela explicação lógica de que aquilo é só um asteroide invadindo nossa camada de atmosfera. Duas coisas totalmente diferentes, mas o que eu quero dizer é, por que delegar algo quando eu sei o que fazer?

Caso algum fragmento invada nosso sistema agora, meu trabalho é prever sua rota e diagnosticar sua origem, enviando um relatório para a base, antes que atinjam nossos satélites.

É isso que vou fazer quando o setor militar no observatório estiver pronto. Até lá, eu precisava cuidar do meu machucado para não infeccionar.

Ontem mesmo, quando cheguei molhada, tremendo de frio e latejando de dor com a roupa ensanguentada, tomei um banho demorado e eu mesma tentei fazer um curativo, xingando mentalmente aquele cara de todos os nomes possíveis.

Eu também xinguei o que causou o corte.

Mas nada superava a raiva que eu estava sentindo por ter sido usada como uma minhoca no anzol ou um pedaço de queijo em uma ratoeira. Nem mesmo o fato de que ele fez um bom trabalho com a linha de sutura em minha pele. De qualquer forma, minha cicatrização era horrível, então isso não importa.

O simples ato de dirigir estava me rendendo caretas em todas as curvas, sempre que precisava girar o volante, e, consequentemente, repuxar o ferimento. Odiei cada maldito minuto que levei para chegar ao bar naquela noite. Estacionei no canteiro de sempre, e joguei minha bolsa no ombro, seguindo pelo chão de concreto, avistando o estacionamento no terreno ao lado completamente lotado de carros e motos.

My Nemesis - Dark RomanceOnde histórias criam vida. Descubra agora