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Anahi

— A senhora entendeu que não tenho qualquer experiência como vendedora, né? — pergunto lentamente em inglês para que não restem dúvidas entre nós porque minha pronúncia em turco não é lá grande coisa.

— Entendi, sim, meu bem. Eu compreendo inglês melhor do que falo. Você tem um diferencial, entretanto: ama flores e conhece sobre elas.

— A minha preocupação é não saber dar explicações tão bem no seu idioma.

— Por incrível que pareça, a maior parte dos nossos clientes é estrangeira. Muitos locais não entram na minha loja por eu não usar o hijab.

Na Turquia, ao contrário de boa parte dos países de maioria muçulmana, o lenço que as  mulheres usam para cobrir os cabelos não é obrigatório, mas alguns cidadãos mais extremistas não encaram com bons olhos essa “liberdade” de escolha.

Apesar de ateu, Alfonso tem me explicado muito sobre a religião da mãe, Zehra. Ela não é radical, mas tem fé.

— Então é uma sorte a minha que Istambul seja tão cosmopolita. — Sorrio. — Acho que tendo com quem conversar em turco, aos poucos aumentarei meu vocabulário.

Ela acena com a cabeça, concordando. É metade americana e metade turca, talvez por isso esteja tão feliz por me contratar. Disse que gosta de treinar o inglês, e com os clientes, é necessário o uso apenas de frases curtas.

— Quando pode começar?

— Quando a senhora quiser.

— E essa tontura que me disse que sentiu antes de entrar?

— Deve ser o calor, senhora Polat.

— Tudo bem. Algumas vezes precisarei que abra a loja para mim, isso será possível?

— Sim, claro.

Eu não acredito que consegui. Estou me sentindo poderosa, com três metros de altura.

No meio da despedida, sinto que ela olha por cima do meu ombro e quando viro para trás, não consigo acreditar que Alfonso está parado na calçada, em frente à loja.

Eu imaginei que os guarda-costas contariam a ele que me senti mal, mas nunca pensei que ele viria até aqui por causa de uma simples tontura.

— Ele é… huh… um amigo — falo.

Ela sorri como se não acreditasse e querendo evitar perguntas, eu combino de chegar no horário no dia seguinte: às oito da manhã.

Para estar na loja a essa hora, terei que acordar bem cedo. Se dormir na casa de Alfonso, principalmente. Eu ando para a saída e ele está me esperando com a porta da loja aberta. Coloca a mão na parte baixa das minhas costas e me dá um beijo casto na testa, quase não encostando os lábios na minha pele. Embora não seja mais proibido e Alfonso não siga a religião, ele me disse que segue respeitando os costumes da maior parte de seu povo.

— O que veio fazer aqui?

O motorista está à nossa espera.

— Você andou por um quilômetro nesse calor e sentiu-se mal — diz, depois que nós dois entramos no banco de trás do carro. — Parece irritado e quando continua, as palavras são lançadas como dardos. — Se queria flores, era só ter pedido para um dos guarda-costas comprar para você.

Ele diz isso com o mesmo tom que falava comigo antigamente: uma mistura de condescendência e desprezo, como se minha única preocupação na vida fossem futilidades.

Eu estava muito empolgada para contar a ele sobre o emprego, mas mudo de ideia.

Ao invés de corrigi-lo, eu implico ainda mais.

O Acordo - FINALIZADAOnde histórias criam vida. Descubra agora