23

462 42 2
                                    

Anahi

— Doutor Özdemir, aqui é Anahi Puente. O senhor me acompanhou ao presídio na visita ao meu pai hoje mais cedo.

Senhorita Puente, é um prazer falarmos novamente.

Eu duvido que seja mesmo.

O homem estava vestido com um terno caríssimo e sapatos de qualidade também. Deve receber uma fortuna de Alfonso, se faz parte da banca de advogados dele, mas mesmo assim, acredito que seja de muito prestígio para ficar acompanhando jovens a presídios para visitar pais criminosos.

Eu nem sei se ele vai poder me ajudar, mas preciso ao menos tentar.

— Será que eu posso ir ao seu escritório? É um assunto muito sério.

Eu não tenho horário hoje, mas podemos nos encontrar no fim do expediente. Vou lhe passar o endereço do restaurante.

— Tudo bem. Muito obrigada.

Eu não tenho muito para pegar na casa. Além de um pouco mais de roupa, agora que terei mesmo um lar para morar no lugar do hotel, levarei alguns porta-retratos com fotos dos meus pais.

Os seguranças e o motorista que vieram comigo já estão lá fora e eu já me despedi dos empregados também, dizendo que a partir de amanhã, eles terão um novo patrão.

Olho mais uma vez para a casa que foi minha por um ano, mas muito além disso, olho as peças, caixinhas, livros, nossas memórias

Como pôde fazer isso conosco, pai? Com você mesmo, também?

Passei uma vida inteira ouvindo que nosso sobrenome é importante, sendo vigiada obsessivamente para não cometer qualquer deslize — daí minha inexperiência com homens — e agora o mundo, de um canto a outro, sabe que ele é um ladrão e fraudador.

Eu gostaria de dizer que tem o que merece, mas ainda não consigo desassociar o criminoso que fui visitar hoje do meu pai.

Saio da casa sem olhar para trás, mas antes de entrar no carro, vou na direção do jardim de inverno.

Abro a porta e inspiro o perfume das minhas flores.

Ando pelos corredores, observando as espécies que já conheço de cor e finalmente o que tenho segurado por dias explode como em uma enxurrada.

Eu não consigo parar de chorar, me sentindo mais sozinha do que nunca.

A família se desfez. Somos apenas eu e Hayden contando com a boa vontade de estranhos.

E agora, ainda há esse acordo com Alfonso, que se antes não me via com bons olhos, deve ter piorado muito a opinião a meu respeito.

Seco as lágrimas com um lencinho com meu monograma que pego dentro da bolsa. Antes de ir para a nova casa, que eu não faço ideia de onde seja, preciso me encontrar com o doutor Özdemir e para contratar o advogado, não posso ir parecendo uma louca.

Eu mandei uma mensagem para Alfonso como ele me pediu, informando o endereço onde meu irmão estava e outra para Hayden, para lhe avisar que fosse com os guarda-costas porque eu ainda demoraria um pouco a ir encontrá-lo.

Cerca de quarenta minutos depois, chego ao restaurante que combinamos. Após os pedidos, que apenas ele faz porque não sinto fome alguma, diz:

— Em que posso ajudá-la, senhorita Puente?

— Primeiro quero saber se leva a sério o sigilo entre cliente e advogado.

— Muito a sério. Sou um profissional de renome, senhorita.

O homem parece realmente ofendido, mas não posso arriscar.

— Eu preciso que resolva uma questão para mim. A minha pergunta foi porque sei que sua banca trabalha para o senhor Alfonso.

— Sim, para todos eles, de modo que se for alguma ação contra… — Ele parece sem jeito. — Bem, deve me perdoar, mas seria conflito de interesse.

— Não é. Eu só não quero que Alfonso saiba do que conversarmos aqui ou do desenvolvimento a partir dessa conversa.

— Bem, nesse caso, tem minha palavra.

— Eu preciso quitar uma dívida de jogo do meu irmão. O valor é um milhão de euros.

Ele estava para dar o primeiro gole no chá, mas depois do que eu falo, volta a apoiar a xícara no pires.

— Um milhão de euros?

— Sim. Meu irmão… ele foi enganado. Não enganado. Quero dizer… bem, o senhor viu onde meu pai está. Hayden foi levado a crer que se metendo em um cassino e fazendo apostas altas, ele poderia nos livrar da falência. Não sei se prestou atenção à minha conversa com meu pai hoje, mas não nos sobrou nada, nem mesmo a casa em que moramos.

— E então seu irmão se envolveu em jogatina.

— Eu não sei se é assim que se chama. O cassino que ele foi é legalizado. Eu pesquisei na internet.

— Tem certeza disso?

— Tenho, sim. Ele pertence ao senhor Berat Demirci.

— Na República Tcheca?

— Sim. Ele possui outros?

— Eu não tenho certeza se possui outros, mas tive conhecimento desse por causa de um cliente que o frequentava. Sim, ele é legítimo.

— Meu irmão foi convidado a esse cassino. Ele só tem dezoito anos, doutor Özdemir, e é muito ingênuo. O senhor Berat o incentivou a jogar por dias. Ele perdeu o controle.

— Apostar um milhão de euros é um pouco além de perder o controle, se me permite dizer, senhorita Puente.

— Sim, eu sei. Ele está muito arrependido. O fato é que consegui dinheiro para quitar essa dívida, mas tenho medo de fazê-lo da maneira errada. Sendo franca com o senhor, eu não confio em Berat Demirci, e como nem eu e nem Hayden somos experientes em negociação, temo que ele acabe ficando com o dinheiro e depois alegue que a dívida não foi paga.

— Eu entendo perfeitamente, senhorita.

O garçom chega com uma bandeja e serve um prato com os boreks que ele pediu. Eu espero que o homem se afaste antes de continuar.

— Eu quero quitar a dívida imediatamente, mas sem ter contato com o senhor Demirci. É possível?

— Já tem o total do dinheiro?

— Sim. Ele nos deu poucos dias para pagar ou colocaria meu irmão atrás das grades. Se ouviu a conversa toda, sabe que meu pai tentou fazer um arranjo para que eu me casasse com aquele homem. Pode ser que ele não queira receber a dívida para continuar nos chantageando.

— Não vai acontecer. Eu vou ajudá-la.

— Eu… — Deus, morro de vergonha de lhe perguntar isso. — Preciso saber quanto vai custar esse trabalho. Sei que o senhor é um advogado de renome e…

— Não se preocupe com isso. Farei pro bono. Tenho uma filha da sua idade. Eu não gosto da ideia de que alguém tentasse tirar vantagem dela. Vou providenciar tudo ainda essa noite e pela manhã já estarei em contato com o senhor Demirci. Vamos resolver essa questão o mais rápido possível.

O Acordo - FINALIZADAOnde histórias criam vida. Descubra agora