08

474 39 0
                                    

Alfonso

Não é o que ele diz, mas sua expressão, o que me faz perceber que não vou gostar do que ouvirei.

— Eu não entendi.

Ele me encara por alguns segundos sem dizer.

— O que está acontecendo, Cenk?

— Você sabia que Jim e Halil eram amigos?

— Não. Sei que já foram sócios no passado.

— Foi muito mais do que uma mera sociedade. A vinda em definitivo de Puente para a Turquia, de acordo com o que descobri, se deu por conta da amizade que os dois tiveram, mas se minha desconfiança estiver certa, também porque ele sabia que, aqui, os filhos estariam seguros caso lhe acontecesse alguma coisa.

Dou um sorriso sem humor.

— Não consigo imaginá-lo sendo tão altruísta. O homem não parece pensar em alguém além de si mesmo. Acabou de dizer que ele pode imputar responsabilidade sobre os próprios crimes ao filho.

— Não é questão dele ser altruísta e sim porque para ele o nome da família é tudo. Se for preso, caberá a Hayden dar continuidade aos negócios.

— Impossível. Ele é só um garoto. E mesmo que não fosse, Anahi tem mais fibra em uma unha da mão do que o irmão caçula no corpo todo.

Anahi? — Ele sorri. — Eu achei que a detestasse.

— Ela é jovem demais para ser tratada por senhorita Puente.

— Não tem nada a ver com a idade e sim com o fato de que nunca quis estreitar laços com Jim ou os filhos dele.

— E por que deveria? Halil foi apenas um sócio de Jim, até onde eu sabia. A nossa família não teria razões para se relacionar com o bastardo.

Ele dá de ombros.

— Sobre a questão da gestão das empresas de Puente, ainda que Anahi fosse capaz de assumir os negócios, não foi criada para isso. Pelo que pude perceber, não tem qualquer interesse que não sejam oferecer recepções e assistir desfiles de moda.

— Sim, eu sei. O que não estou entendendo é por que o destino dos filhos de Puente, se a prisão de Jim for confirmada, tem a ver conosco.

— Porque Halil deixou um documento determinando que olhássemos por eles, até que o mais novo faça vinte e cinco anos.

— O quê? São sete anos tomando sob nossa responsabilidade os filhos daquele corrupto safado!

Ele não fala nada e minha irritação aumenta porque sei que já tomou uma decisão. Se há algo a ser dito sobre nós é que nunca damos as costas a uma obrigação, por mais indigesta que ela seja.

— Por que eu não soube disso até agora?

— Eu não falei com nenhum de vocês porque não achei necessário. Apenas Emir tinha conhecimento, inicialmente. Eu também só fui informado há poucos dias pelo nosso irmão, porque como os rumores da prisão iminente de Jim cresceram, ele quis me avisar.

— Vai se tornar tutor dos dois?

— Não. Nada nem perto disso. Eu vou providenciar o necessário para que não sejam enganados se o pai for mesmo preso. Dois jovens de vinte e dezoito anos respectivamente seriam alvo fácil de advogados e gestores desonestos.

— Eles não têm mais nem metade dos bens que possuíam quando Halil era vivo.

— Muito menos do que isso, na verdade. Vivem de aparência há anos. E ainda assim, boa parte será objeto de análise do sistema judicial. É provável que, no fim, eles percam até a roupa do corpo.

— Meu desprezo por Jim só aumenta.

— O de todos nós, mas no momento, eu estou pouco me fodendo para o destino do patriarca. A única preocupação é cumprir a promessa que Halil fez.

— Uma promessa por escrito?

— Sim. Claro que se fôssemos levar a questão à justiça, legalmente não temos obrigação alguma, afinal, quem assumiu a responsabilidade foi nosso padrasto, mas não se trata disso e sabe muito bem. É sobre honra e manter a palavra empenhada.

Eu me levanto e sirvo para nós dois uma dose de Raki. Não tenho por hábito ingerir álcool antes do jantar, mas preciso de algo para anestesiar a irritação.

Volto a me sentar.

— Eu não quero ter nada a ver com isso.

— Qual é o seu problema com os Puente, irmão?

— Nenhum. Eu só não quero contato com eles.

— Nossa ajuda será quase clínica. Não há razão para um envolvimento a um nível pessoal, embora eu pensei que fosse o mais disposto a apoiá-los.

— E por que haveria de ser?

— Porque de todos nós é o que mais conhece a cultura americana.

Eu fiz doutorado na WUM, uma das mais prestigiadas universidades americanas e morei em Boston por vários anos. Todos os meus irmãos estudaram no país em algum momento, mas fui aquele que passou mais tempo por lá.

— Eu não tenho nada contra o país. Não tem a ver com os Estados Unidos em si, mas porque não quero me envolver em qualquer nível com aquela gente.

Aquela gente ou especificamente com a menina?

— O que Qasim já foi lhe falar?

Ele sorri.

— Apenas que você dançou com a filha de Puente há algumas semanas.

— Eu a ajudei. Tirei-a para dançar porque ela parecia desconfortável nos braços de Berat Demirci.

Ao ouvir o nome do nosso compatriota, Cenk faz uma expressão de desgosto.

— Parece que ele e o pai de Anahi têm negócios em comum também.

— Sim. Eles têm, o que demonstra que Jim Puente não é apenas desonesto, mas estúpido — falo.

Ele se levanta e eu espelho seu movimento. Aproxima-se e me beija antes de se encaminhar para a porta.

— Não se preocupe tanto. Como eu lhe disse antes, nossa ajuda será meramente burocrática. Se tivermos mesmo que olhar pelos irmãos, provavelmente apenas eu os verei uma ou duas vezes no mês. Caso o pai vá preso em seu país natal, é certo que os filhos desejarão retornar aos Estados Unidos também, mas talvez não seja possível.

— O que isso significa?

— Uma coisa de cada vez, Alfonso. Eu ainda estou investigando e apenas quando tiver certeza, falarei a respeito.

Ele fecha a porta ao sair, mas ainda assim continuo parado no mesmo lugar, a mente processando todas as informações que acabo de receber.

Por fim, decido mandar uma mensagem para meu irmão Zehab, convidando-o para um hammam.

Eu preciso relaxar. Tenso como estou, não há a menor chance de conseguir dormir.

O Acordo - FINALIZADAOnde histórias criam vida. Descubra agora