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Anahi

Tento controlar o tremor no meu corpo, mas não consigo, então continuo me movimentando dentro da biblioteca para me acalmar.

Eu não quero acreditar no que acabo de encontrar, apesar de ter certeza de que não há engano algum.

Eu li duas vezes.
Nós estamos falidos.

E não apenas isso, porque não é o fato de perdermos tudo o que me assusta e sim porque se o que li naquele documento for válido, um dos principais homens da minha vida pode ir para a prisão.

Olho a hora no relógio de ouro, um pouco grande demais para o meu pulso, mas que eu adoro porque pertenceu à minha mãe, e vejo que falta pouco tempo para as convidadas chegarem. Mulheres de empresários americanos e ingleses que vivem na Turquia também, e com quem meu pai diz que precisa manter boas relações.

Para quê? De que adiantará agora todas as recepções que oferecemos ao longo dos anos em nossas casas, nosso sobrenome tradicional e a boa educação dos Puente? Em pouco tempo talvez tenhamos a história da família arrastada na lama.

Eu duvido que essas pessoas continuem querendo interagir conosco quando as notícias explodirem em jornais do mundo todo.

Ainda que sem qualquer vontade de socializar, nunca fujo das minhas obrigações, então, depois de conferir a aparência no pequeno lavabo do corredor longo e escuro da nossa casa em Istambul, eu me preparo para enfrentar o chá da tarde que ofereço todas as quinta-feiras.

Uma hora e meia depois, eu não consigo mais mexer um músculo facial de tantos sorrisos falsos que dei.

Depois que comemos, viemos dar uma caminhada pelo meu jardim de inverno e foi o único momento da tarde em que consegui relaxar. Estar em meios às flores acalma meu coração.

Eu estou mentalmente exausta de tentar conversar como se nada tivesse acontecido, quando minha mente está a milhas de distância, pensando no que farei caso a prisão dos dois seja decretada.

— Eu adorei sua estufa — uma das senhoras diz.

— Obrigada. Acho que herdei a “mão verde” da minha mãe.

— Sim, não tenho dúvidas. Eu sou incapaz de cuidar de um jardim. Prefiro pagar alguém para fazer isso por mim.

Apesar dos elogios que fez às plantas, eu percebo que há uma crítica velada em sua declaração.

Normalmente, eu deixaria passar. Não há sentido entrar em uma discussão com alguém que é um nada em minha vida, mas hoje, talvez pela incerteza de como será daqui para frente o único universo que conheci, eu me sinto ferver.

— Mas então, qual seria a graça? — pergunto.

Todas elas sorriem, condescendentes e a mulher continua:

— Não venha me dizer que se sente feliz sujando as unhas em um jardim. Para isso existem os empregados.

Eu nem sei o que detesto mais. Se é ela dizer a palavra “empregado” com tanta superioridade, ou o fato de achar que me conhece, que sabe quem sou ou como me sinto.

— Na verdade, eu trocaria a maioria dos programas para os quais sou convidada por uma tarde com uma tesoura de poda e fertilizantes.

Ela não parece perceber a ironia com que falo.

— É um excelente passatempo enquanto não se casa.

E lá vamos nós. Não é a primeira vez que me dizem algo assim, mas é a primeira em que sinto vontade de virar as costas e deixá-las falando sozinhas.

— Não é um passatempo para mim. De fato, tenho a intenção de abrir uma floricultura.

O olhar de espanto da mulher me traz satisfação, mas em seguida eu me arrependo por ter sido impulsiva. Era um segredo guardado à sete-chaves. Eu só pretendia falar sobre isso com meu pai depois que meu irmão tivesse decidido que rumo daria na vida.

— Não pode estar falando sério. Pensa em se tornar uma... trabalhadora? Dona de uma lojinha?

— Uma empresária, como seu esposo e o meu pai, senhora Greenwell.

Ela me dá um sorriso de pena, como se tivesse acabado de ter certeza que enlouqueci.

— Não diga bobagens, minha filha. Mulheres nunca poderão se iguais aos homens à frente dos negócios. Se quer um conselho, esvazie sua mente desses pensamentos tolos. Correndo o risco de ser rude, eu duvido que Jim vá permitir uma insanidade dessas.

Deus, onde está Hayden que não chega? Ele sempre me salva em situações assim, mas hoje isso está passando dos limites.

Logo em seguida, eu me sinto egoísta por usar meu irmão mais novo, seja em que sentido for. Ele está em idade de aproveitar a vida e geralmente o faz quando nosso pai está viajando, como agora.

Ao contrário de mim, que apesar de não ser tão fluente no idioma, adoro a Turquia, Hayden sonha em voltar para os Estados Unidos, e isso me faz lembrar dos documentos que encontrei hoje mais cedo.

Eu sei que a senhora Greenwell e as outras continuam tagarelando, mas aceno com a cabeça sem prestar qualquer atenção até que a voz da nossa governanta chama meu nome.

—  … deseja vê-la, senhorita Puente.

Eu não ouvi a quem a mulher se referiu porque estava completamente alheia ao mundo e preocupada com o futuro da minha família.

— Mande entrar — digo, sem fazer ideia de quem se trata.

Cerca de dois minutos depois, vejo as bochechas da senhora Greenwell ficarem vermelhas, enquanto olha por cima do meu ombro, sorrindo.

— Senhor Demirci, que prazer revê-lo!

Sinto meu estômago revirar.
O que esse homem está fazendo aqui?

Eu giro o corpo tão lentamente quanto possível, querendo que não seja verdade, mas quando me deparo com os olhos de um castanho claro, preciso usar toda a minha capacidade de não demonstrar desgosto.

Ainda assim, não me movo, o que como dona da casa seria esperado, até que a senhora Greenwell diz:

— Não seja rude, Anahi. Vá receber seu convidado.

Ando como se houvesse bolas de chumbo presas aos meus pés. Eu detesto esse homem. A partir do momento em que fomos apresentados, eu não me senti confortável em sua presença.

A náusea aumenta enquanto o observo pegar a mão que lhe estendi e levá-la aos lábios.

— Anahi, eu achei que seu pai havia lhe avisado que eu viria, mas por sua expressão de surpresa, percebo que não.

Para alguém desatento, seu tom parece amistoso, mas eu noto a raiva por detrás. Como se falasse de algo que desconheço.

— Não, ele não disse nada. Eu estou com convidadas, como pode ver, senhor Demirci — respondo, jogando a boa educação para o inferno.

— Na verdade, já estamos de saída, meu bem — a senhora Greenwell avisa e meu mal-estar aumenta.

A última coisa que desejo é ficar a sós com ele.

O Acordo - FINALIZADAOnde histórias criam vida. Descubra agora