Dói

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ATUALMENTE

Cora!

O grito rompeu a barreira do som, ecoando por todo quarto.

Ela sobressaltou, tomando um susto.

Em um golpe de cotovelo fatal, o perfume desliza pela penteadeira graciosamente ‒ sobrevoando e aterrissando de forma menos graciosa possível ‒, no tapete.

Todo o momento passou em câmera lenta, enquanto o coração da garota retumbava freneticamente em seus ouvidos.

Quando ela enfim teve uma reação, o conteúdo já se derramara por toda pelugem, deixando um rastro de frescor, salpicado com noites de verão.

‒ Droga de gravidade ‒ praguejou, praticamente se jogando de joelhos para limpar a bagunça.

Seus dedos buscaram a tampa ‒ agora do outro lado do cômodo ‒, girando no frasco algumas vezes.

Sentiu o peso do vidro púrpura na palma da mão e, em contragosto, soltou um suspiro.

O nariz coçou uma, duas até que, na terceira vez, lágrimas vieram aos seus olhos.

Definitivamente não era uma simples alergia.

Como a irmã irá reagir quando contar que havia conseguido estragar o seu presente?

Ah, é mesmo.

Ela não estava lá para gritar com ela e falar que ela é uma desastrada que não cuida das próprias coisas.

Cora fungou.

Quando deu por si, estava abraçando o que havia sobrado da fragrância, pressionando o frasco contra o peito.

Era ridículo.

Ela era ridícula.

Sabia disso.

Em todos os seus vinte dois anos, desejou a cada satélite que confundia com uma estrela, que tivesse o sofá só para ela, os livros, o resto de refrigerante da geladeira...

E, agora que ela havia partido, tudo se tornou tão...Monótono.

Por que, de repente, caiu na rotina? Por que as noites mal dormidas viraram horas, depois dias e, logo, semanas?

‒ Eu amaldiçôo todo programa estudantil da frança! ‒ esbravejou, sentindo uma pressão estranha no peito ao forçar a voz. Reduziu a voz a um sussurro: ‒ Você sequer está aqui para roncar no meu ouvido. Então por que...Por que eu não consigo dormir?!

Com um ar dramático, Cora se jogou contra o tapete, deixando que o cheiro perfumado invadisse suas vias respiratórias e a sufocasse.

O punho fechado bateu incontáveis vezes contra o chão de madeira. Jurou escutar seu nome novamente, mas lembrou que ninguém deveria estar em casa.

E Christa não estava aqui para chamá-la aos berros, como era costumeiro.

Eles não tinham o direito de tirar isso dela. Pegar uma irmã e botá-la a um oceano de distância? Essa é a espécie de operação cupido mais doentia de todas.

O quão desumano a vida podia ser? Quem faria suas redações, as equações insuportáveis de cálculo...

Quem a ensinaria quantas vezes fosse preciso, como amarrar o cadarço? Mesmo que ela já saiba.

‒ Esses franceses fedidos! ‒ empertigou as costas, sentando-se em cima das pernas. Cerrou os punhos enquanto cuspia as palavras ‒ Que eles enfiem as baguetes bem no meio do...

Aquele sapato vermelho [✔] - ATUALIZADAOnde histórias criam vida. Descubra agora