Enchanté

9 4 0
                                    

‒ Quando os calcei fui tomada por uma tontura. Uma onda de ressaca sem ter bebido nada e depois me perdi nos gominhos...

Atordoada, fechou os olhos alguns segundos. Nossa! Mais que gominhos.

Quase os tocava por cima da blusa, mas segurou a vontade, disfarçando com as mãos nervosas na nuca.

Foi quando Christa atropelou o monologo e toda história, desde a lanchonete, seu namorado atendente, a Nirvin, uma pintura...

Enfim, ela apenas interrompeu antes que algum coordenador geral tentasse abrir a porta e se deparasse com uma mulher em um homem.

Sozinhos. Dentro do banheiro.

No mínimo suspeito, não?

‒ Tem algo que preciso te contar sobre esses sapatos ‒ disse, por fim.

Conrad parou na hora e, com um peso estranho abaixo do peito, percebeu que talvez não estivesse preparado para escutá-la.

O olhar castanho ameno deu lugar a um silêncio desconfortável. Christa pensava em como começar a falar sem que a irmã entrasse em crise.

As chances de tudo desmoronar eram maiores, considerando que Cora tinha um pé grande, ombros largos e altura dos armários dos corredores.

Em hipótese alguma Christa poderia deixar ela surtada.

‒ Eles viviam comigo, acho que você se lembra da vez que nem queria tomar banho...

‒ Para não tirar as meias e perder o calor "acochegado" dele ‒ Conrad interrompeu, enfatizando entre aspas o apelido carinhoso dado pela Christa mais nova ‒ Não esqueça quando esqueceu ele na mala do carro e você ameaçou jogar todos os meus sapatos pela janela.

Christa forçou um sorriso, demonstrando lembrar claramente da situação. Foi difícil disfarçar o incômodo.

‒ Primeiro, ameacei jogá-los na máquina de lavar na centrifugação. Não sou amadora para jogar uma coisa que me incrimine na rua. E segundo... ‒ cada palavra era um movimento de dedos, antes um, agora dois. Algo em Conrad dizia que a mais velha não tinha dedos o suficiente para listar todos os eventos da infância ‒ Quer me deixar terminar? Não sei se percebeu, mas não saímos do banheiro feminino e você, irmãzinha, tem um pênis.

Aproximou-se, dando batidinhas na lateral do rosto de Conrad.

Ele abaixou um pouco a cabeça, ameaçando encostar as sobrancelhas pelo gesto. Sentiu como se fosse um cachorrinho, apenas faltou ser chamado de bonzinho.

Mesmo com sua altura, era incapaz de parecer o irmão mais velho. Cora não sabia explicar, mas nunca se sentiria a verdadeira mais velha, porque Christa sabia fazer isso muito bem ‒ era estranho justamente por ela ser a pessoa menos indicada para o trabalho.

Nunca se sentiria mais velho. Talvez, depois de tanto tempo, esteja cansado de precisar agir como um.

‒ Eu sinto muito! Devo ter errado em não ter exorcizado eles ou queimado, mas não consegui contar...

Conrad piscou, pegando a conversa pelo final.

Sua consciência ficou longe sem que percebesse. Agora estava lidando com uma Christa ofegante e falante, indo de um lado para o outro.

‒ Vou te perdoar se contar tudo ‒ cortou, tentando recuperar o contexto e o sentido por trás da conversa.

‒ Desde o inicio? De novo? ‒ indagou, sem entender muito bem. Conrad, por sua vez, assentiu silenciosamente ‒ Beleza, cola aqui em mim.

Aquele sapato vermelho [✔] - ATUALIZADAOnde histórias criam vida. Descubra agora