Coração falante

6 4 0
                                    

‒ É bom ver um rosto conhecido ‒ apoiou os cotovelos na mesa redonda, ajeitando os ombros. Ao sentar, não conteve o sorriso.

Não queria contê-lo e não via motivos para isso. A garota o deixava parecendo um idiota, uma parede, alguém que não pensava ou não tinha um cérebro decente para isso.

Os dedos que seguravam as abas abertas do livro se apertaram contra a capa. Por cima do objeto lançou uma olhada analítica.

Conrad não se ofendeu com a alta probabilidade de não ser reconhecido. Até sentia um alívio pela idéia.

A primeira vez que se conheceram não era digna de qualquer enredo de filme da sessão da tarde ‒ daqueles açucarados, com diálogos previsíveis e mergulhados no mais puro clichê.

As íris claras encontraram seu olhar. Um breve reconhecimento transpassou pelo rosto, tão breve que no segundo seguinte um V surgiu em sua testa.

‒ Está interrompendo a minha leitura ‒ soltou em um murmúrio desgostado, desviando para as palavras das folhas.

Conrad imitou a expressão inconscientemente, meio confuso. Não havia o que interpretar além do que foi dito.

Era um simples e direto "Não me perturbe, estou fazendo coisas mais importantes do que olhar para a sua cara, panaca"

Balançou a cabeça, não se dando por vencido.

Decidiu ignorar a pontada no peito, imaginando serem apenas gases. Buscou forças, afastando o sentimento de hesitação da velha Cora.

Tudo que seu coração precisa te falar. Bastante profundo ‒ leu em voz alta, assobiando com um leve tom de impressionado ‒ É sobre um coração falante ou está mais para um doador e um recebedor, onde um abandonou a namorada e o outro vive maravilhosamente com a esposa?

Dessa vez a garota nem se deu ao trabalho de interromper o que quer que estivesse lendo. Nessa hora o título rosado pareceu rir da cara de Conrad.

Ele era a maior piada dentro daquela cantina. E olha que, ali, também estava Ryan Bishop ‒ conhecido como fornicador de salada de maionese.

Ano passado foi pego enfiando toda quantidade acessível dentro de sua boca. Conrad ainda tinha pesadelo com as folhas voando e os cantos das bochechas esbranquiçadas e engorduradas.

‒ É bem mais do que um clichê que Hollywood pega, amassa e transforma em lucros de milhares de dólares ‒ respondeu com o mesmo tom cético de uma especialista.

Soou natural e...Uma parte de Conrad se manifestou.

Poderia ficar excitado com a inteligência de alguém? Porque, até onde sua masculinidade indicava, apenas babydolls azuis e um certo amigo tinham o poder de deixá-lo nesse estado.

‒ Parece ter uma ótima proposta ‒ rolou a língua na bochecha, buscando formas de elogiar um livro que nunca tinha lido. Estava enlouquecendo ‒ Estilo autoajuda ou algo mais sobre conhecimento...

‒ Tudo bem, o que você quer comigo? ‒ finalmente abaixou o livro, deixando exposto seu cruzar de sobrancelhas e um nariz enrugado ‒ Ninguém faz um interrogatório e sai por aí interrompendo leituras sem motivo, eu suponho.

Conteve os dedos de massagear a região tensa do nariz, tamborilando a mesa ritmicamente.

O seu estresse apenas lhe dava uma sensação inexplicável de prazer. Quanto mais implicasse, mais gostava das reações que recebia de Monet.

Ele preferiu nada dizer, perdendo-se um pouco nos traços leves e femininos. Os lábios eram de um nude, distinto do rosado anterior.

Arquejou as sobrancelhas, aguardando como uma criança esperando o sorvete ficar pronto, caindo deliciosamente na casquinha.

Aquele sapato vermelho [✔] - ATUALIZADAOnde histórias criam vida. Descubra agora