Quando fedeu de vez

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‒ Cora! ‒ a voz desesperada da irmã a puxou de volta para a realidade ‒ É melhor você olhar para frente!

Assim que a cabeça se virou para Christa, percebeu que sua gargalhada foi tempo o suficiente para perder a concentração e desencontrar a mão da irmã.

Os próximos segundos rápidos transpassaram os olhos de Cora em um flash. Sem perceber, seu braço estava leve.

O que indicava que Christa caminhara em direção ao chão, apenas restando quatro degraus.

A mais nova esticou o braço em uma falha tentativa de agarrar ‒ no mínimo ‒ parte da gola da blusa. No entanto, o máximo que sentiu foi o vento do corpo de Christa, passando reto pelo seu.

Se bem que, passando reto, seria um termo um tanto quanto errado nesse caso. Christa caira menos reta que uma vara torta de árvore.

Por isso era difícil dizer se ela encontraria logo o chão de frente OU ‒ com contribuição da gravidade ‒ rolaria pelo menos uma vez antes de encontrar terra firme.

A essa altura seus pais não estavam muito diferentes de Cora, os olhos fixos no desastre ambulante que era sua filha recém operada.

Cora permanecia atenta também, fora os dedos na frente do seu rosto, possibilitando que ela vislumbre fragmentos de cores apenas pelas frestas.

Por instantes pensou ter sido sua culpa, começaram a rir e...

‒ Você não perde mesmo uma agarrada de bola ‒ o tom divertido de Seung lhe despertou.

O que foi bom, já que a frase a distanciou do sentimento culposo que ameaçava se entranhar em seu interior.

A mais nova enrugou a testa, pensativa.

Havia três corpos presentes na sala, fora ela e, obviamente, Christa. Recordava-se de um Seung estático, como que se agradecesse internamente por não estar perto o suficiente para ser a ponte de pouso.

Mas o cheiro vibrante de produtos de limpeza lhe subiu a narina, interrompendo qualquer dúvida de quem fosse.

‒ Bela aterrissagem ‒ ele disse.

O grande ponto de interrogação tomou forma de Yun Junni, conforme as mãos se afastaram dos olhos e revelaram a cena ideal de um quadro europeu.

Seus pais tão unidos, incorporando um biscoitinho chinês engraçado. As bocas travadas e abertas ‒ em estado de choque total.

Seung processando tudo com os braços cruzados e olhar injetado. Não julgava a cena porque estava focado em não soltar uma gargalhada.

E bem no centro de tudo, estavam eles. Era como a Lua em volta de constelações, iluminação própria que ofuscava qualquer planeta.

Os olhos de Christa estavam arregalados e Junni replicava o semblante surpreso. O castanho forte dele imergia no atônito amarronzado dela, prendendo-a naquele estado.

Vagarosamente a atenção do rapaz recaiu para os lábios finos macios. A medida que percorria o vale rosado, firmava mais os dedos nas costas de Christa.

Cora sentiu tanto alívio ao vê-los ali, enfim. Um na frente do outro.

Aguardava aquele momento durante suas férias inteiras, cada natal sem eles, cada momento em que poderiam estar fazendo qualquer coisa. Juntos.

Estava escrito nas estrelas.

Um pouco clichê, certo?

Mas que se dane.

Uma Orsini que tinha direito ao clichê e de tê-lo como resumo da sua vida, era a mais velha. Sofrera demais, mas no mar de sofrimento sempre existiria um bote salva-vidas.

Aquele sapato vermelho [✔] - ATUALIZADAOnde histórias criam vida. Descubra agora