Cachorro louco

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Notando a confusão que se passava na cabeça da garota, observou o sentimento conflitante transpassar pelo semblante delicado.

As linhas do maxilar se firmaram, enquanto sondava um ponto ao longe, fugindo de seu rosto. Tudo era tão absurdo...

Antes que percebesse, caminhou na direção de Cora a passos fugazes, parando em sua frente. Sua face não mostrava o que pretendia, mas no instante em que ela se voltou para ele, seus ombros foram tomados por um calor familiar.

Era reconfortante e tinha cheiro de canela, baunilha e açúcar mascavo. Semelhante ao de uma fragrância natalina.

‒ Antes, melhor você se cobrir. Pode acabar ficando doente e... ‒ disse com falsa concentração estampada, enquanto ajeitava o pedaço grande de pano ao redor do corpo. Puxou as duas pontas, tampando por completo a visão de seu busto ‒ Não consigo me concentrar com você assim.

Os olhos dele subiram ao terminar a frase. Mais sérios do que de costume.

Deparou-se com uma Cora estática. Nem fora um trabalho enrolar ela no cobertor, estava com os pés grudados no chão frio.

Começava a sentir seus dedinhos se aquecerem pelo contato com o pano, envolta pelo tecido felpudo avermelhado, com alguns flocos de neve bordados.

‒ Onde você o arrumou? ‒ indagou trêmula, referindo-se ao objeto responsável por esquentá-la ‒ Esse lençol é bem velho.

De tudo que acontecera, cogitou soar patético perguntar sobre isso agora. Como se nada tivesse importância até ali, não sendo o suficiente para fazê-la falar.

No entanto era totalmente o contrário. Aconteceu tantas coisas importantes que sequer tinha uma reação para todas.

Ignorou o pensamento, junto da consciência que gritava por atenção.

Enquanto no outro corpo ela ficou estranhamente quieta, aqui adotou uma postura desesperada. Ganhou voz e exigia ser ouvida.

‒ No mesmo lugar de onde você tirou os tênis velhos ‒ enfatizou, sabendo o que acontecera. Antes de se virar, soltou um pequeno Tsc desdenhoso ‒ Acho que é meio deprimente esconder o cobertor de Christa em baixo da cama. Até para você.

Finalizou por cima do ombro. No seguinte se jogou na cama e nos travesseiros de Cora, encostando contra o acolchoado da cabeceira.

Quando ele se afastou, sentiu a brisa de antes subir pelas suas pernas. Os pelos eriçaram, resultando no recolher de seus ombros.

O cobertor sob eles seguiu o movimento, abaixando-se. Ela se sentia um rolinho primavera, adormecido fora do fogo e ‒ momentos após ficar pronto ‒ morno e molenga.

‒ Está esperando um convite? ‒ inclinou a cabeça para o lado, subindo o canto da boca repleto de segundas intenções.

Ele tinha primeiras, segundas e até terceiras. Cora sabia que o rapaz não se esforçava para esconder essas coisas na sua frente.

A mão deu batidinhas descontraídas no colchão, convidando-a para se aproximar.

Desse jeito nem parecia que se tratava de sua cama. Convenhamos que, após esse contato, aquela zona sagrada de sono se tornou território de Seung Ho.

Um campo minado. Um passo em falso e explodiria em pedacinhos.

‒ Em minha defesa, esse é o cobertor do último natal de Christa com a família ‒ andou como um patinho manco, mantendo-se encolhida e segurando o tecido para lhe dar forças ‒ Nem a mamãe Noel tricotaria um desses. Estou sendo sufocada por uma nuvem.

Aquele sapato vermelho [✔] - ATUALIZADAOnde histórias criam vida. Descubra agora