Sra.Duck

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Com o vento frio batendo em seu rosto, o casaco já não fazia mais efeito. Desde que se deparou com os rapazes tem sentido os tremores nos dedos.

O calor proporcionado pelo tecido interno de veludo foi se perdendo conforme a realidade batia em sua cara.

Não sabia como seria recebida em casa, se era uma boa ideia voltar. Aquilo era tudo o que restava.

Mas, de qualquer forma, estava sozinha.

Essa sensação a acompanhou até parar na porta de casa. As pernas compridas e esguias sobem as pequenas escadas da entrada, fazendo com que a madeira ranja pela pressão dos pés, tamanho 45.

A porta de madeira adotara um tom escuro pela falta de iluminação. Ambas as lâmpadas ‒ uma de cada lado da entrada ‒ permaneciam apagadas desde que caiu do telhado.

Desde que saiu de casa com medo de que Seung esbarrasse com...Esse treco que havia virado.

Uma fenda se formou entre suas sobrancelhas, resultando em rugas na testa. Esse treco não era lá a melhor forma de se chamar alguém.

Mas sequer sabia quem era ele. Quem era ela agora.

E, no fundo, Cora temia se apegar a ele caso desse um nome. Era como se, ao nomeá-lo, estivesse normalizando a situação e permitindo que fosse uma parte de si.

O que, definitivamente, não era. Tudo não passava de um estresse pós-Christa! A irmã costumava ter esse efeito nas pessoas.

Deixar elas estressadas, preocupadas e pensando em mil formas de acidentes que ela podera ter se envolvido durante míseros minutos de silêncio.

Tomando fôlego em um pedido silencioso por coragem, ajeitou as mangas do casaco aveludado.

Ergueu o punho, prestes a bater ‒ no entanto, ‒ hesitou.

Não havia ninguém em casa. Sabia disso, mas por um lado...

Não estava preparada para encarar eles, muito menos desse jeito. Aí sim, não encararia eles mesmo.

A mão fechada estava erguida, congelada a um suspiro da porta sombria. Olhar cada detalhe maciço daquela madeira estava começando a dar virtigem.

Engoliu uma, duas, até três.

O bastante para bater na porta, o mesmo número de vezes que engolira saliva.

As batidas ecoaram em sua mente, estava em uma caverna silenciosa e, pode jurar, que todos da vizinhança conseguiram escutá-las.

A casa estava vazia. O que suspeitava desde o início.

Cora permitiu que um suspiro aliviado lhe escapasse. Seu peito cedeu a tranqüilidade momentânea, antes de ter um sobressalto.

Se a casa estava vazia.

A chave não estava com Cora...

Ela interrompeu o pensamento, avançando na direção da tartaruga amassada de cerâmica que havia feito no fundamental.

Sua cabeça estava tão fina quanto o pescoço de uma girafa e, seu casco, esmagado como uma panqueca por uma força misteriosa.

O tempo. O tempo fez aquilo com seu pobre bichinho ‒ em homenagem a semana da natureza e contra a extinção das tartarugas.

Ela ergueu a pequena, esperando encontrar o objeto metálico. Seus dedos escorregavam pela umidade do material.

‒ Duvido que se Christa tivesse feito uma dessas estaria nesse estado ‒ resmungou para si mesma, suspeitando de que os pais tivessem deixado a tartaruga do lado de fora no dia das tralhas.

Aquele sapato vermelho [✔] - ATUALIZADAOnde histórias criam vida. Descubra agora