Mais uma criança foi levada, no mesmo lugar em que estávamos e nós não percebemos. Isso me deixa indignado, por não ter conseguido evitar o rapto, e por não saber o que está acontecendo. Não saber se elas estão bem ou não.
— Então... — Luise põe o laptop sobre o sofá e olha para mim — Temos que vigiar uma criança?
— É tipo isso. — ponho a mão no queixo e penso — Sei que parece estranho, e vai ficar ainda mais.
— Muito bem... — ela suspira — Continue, por favor. — ela cruza as mãos no colo.
— Precisamos de uma criança que se encaixe no padrão das outras que desapareceram.
— Entendi, até agora são... — ela pega o laptop novamente abrindo um programa de anotações — De 4 até 9 anos... — ela digita — O que mais?
— São extrovertidas. Crianças tímidas não vão assim para o nada, normalmente ficam grudados na mãe ou pai, ou tutor.
— Faz sentido. Anotei. Tem dons.
— Sim, e não são qualquer dom. São dons realmente bons.
— Sim, sim.
— Imaginação fértil.
— E amigo imaginário.
— Isso.
— Tem mais alguma coisa?
— Hmmm... Temos que ver mais alguns casos. Mas acho que esses estão bons por enquanto.
— Então vamos lá: de 4 a 9 anos, extrovertidas, tem dons, imaginação fértil e amigo imaginário.
— Ah... — suspiro — Ainda é muito amplo. Mas acho que já ajuda muito.
— Achar uma criança com essas características...
— Achar o próximo alvo. Precisamos encontrar uma conexão forte entre esses casos... Pensar como a pessoa que está fazendo isso.
— Como eles ficam sabendo dessas crianças?
— Da mesma forma que nós, banco de dados sobre crianças assim. Talvez escolas, creches, hospitais?
— Ian. — Cloe desce as escadas com o cabelo totalmente seco e pijama de gatinho — Eu já estou indo pra cama.
— Tá certo, Cloe, já está tarde mesmo. Boa noite, Cloe.
— Boa noite, maninho! — ela me abraça com seus braços e deixa um beijo no meu rosto, deixo outro na sua testa — Boa noite, Luise.
— Boa noite, Cloe. — ela sorri e abre os braços, minha irmã a abraça e sobe as escadas.
— Nossa ela é a cara da mulher do quadro.
— Sim, é igualzinho a nossa mãe.
Dou um sorriso e olho para o relógio. Eu precisava levar ela pra casa antes que o Josh me desse bronca.
— Vou te levar pra casa.
— Tá bom.
Pego um casaco e a chave e vamos para a garagem. Dirigimos pela estrada a noite até a casa dela.
— Amanhã venho pra cá a tarde para planejar melhor, ok?
— Viu.
Volto para casa, guardo meu laptop e vou pra cama.
No dia seguinte. Levanto e vou preparar o café. Cloe demora pra levantar, mas como estamos nas férias, deixo ela dormir.
Pego o laptop e enquanto tomo café, analiso a lista de desaparecidos para encontrar o padrão. São as coisas que já foram anotadas ontem. Leio e releio.
— Bom dia! — dois braços me abraçam firma.
— Bom dia, Cloe. Achei que não fosse acordar mais!
—Ah... — ela sorri com olhos fechados — O sono me pegou.
— Sem a minha permissão? — brinco com ela.
— Sim, caí nos braços de Morfeu, e ele não quis me deixar sair. — ela usa um tom dramático e dou risada.
— Acho que terei de ter uma conversa com esse cara.
Rimos e ela prepara seu café.
— Ainda trabalhando?
— É, encontrando um padrão.
— Parece divertido.
— Só quando a gente acha.
— Tente imaginar uma linha... Não sei... — ela ri.
— Não é exatamente uma linha, é mais como várias informações e temos que achar as informações que se repetem... — tento explicar, ela acena com a cabeça com uma expressão séria.
— Não tenho certeza se entendi.
— Imagine o motivo pelo qual você escolhe seu xampu.
— Gosto do que tem cheiro de flores, que seja transparente, e tenha pedacinhos de flor na composição, que seja para cabelo liso...
— Viu só? — interrompo rindo antes que ela continue falando sobre xampus — Você tem um padrão para comprar xampu.
— Aaaaah entendi agora.
— Tenho que achar isso... — faço um movimento com as mão — Nisso aqui. — aponto para o laptop.
— Boa sorte, maninho.
— Sua vez de fazer a faxina da casa.
— Aaaaah... — ela faz cara de cansaço e levanta sorrindo — Tá bom, eu vou...
Permaneço na cozinha pensado... Revendo a lista. E então percebo. A chave era o amigo imaginário. Todas as crianças que desapareceram foram atrás de algo ou alguém que está invisível.
Preparo um arroz colorido com verduras e legumes, tempero bem e deixo cozinhando. Então é isso... O amigo imaginário... Seria alguém realmente invisível? Uma pessoa real? Começo a cortar o frango e o tempero também. Unto a forma e coloco pra assar. Não acho que seja alguém com invisibilidade, a não ser que ele possa controlar a invisibilidade. Cloe aparece com balde e esfregão na mão.
— Pra cadeira. — ela diz.
— Tô cozinhando.
— É rapidinho, vai, senta aí e depois você desce.
Sento na cadeira e espero a Cloe terminar. Ela era péssima pra cozinhar mas sabia deixar tudo arrumado.
— Prontinho. — levanto e ela levanta a mão — Espera, me dá seu calçado.
Tiro meu calçado e entrego pra ela. O chão está frio e molhado. Volto para o fogão e continuo a pensar e cozinhar.
Quando o almoço está pronto, Cloe e eu comemos. Então vou para meu quarto pegar o laptop, me preparo para ir pra casa da Luise.
— Ian!
— No meu quarto.
— Vou sair um pouco, tudo bem? Você já está saindo também né?
— Sim, sim, vou na casa do Josh.
— Me dá carona?
— De graça, não.
— O quê?
— Pra onde você vai?
— Biblioteca central.
— Tô indo daqui a pouco.
— Ok.
Ela sai em disparada e vai para o quarto dela. Fico pensando, por que de repente surgiu o interesse de ir a biblioteca. Nas férias. Ela tá fazendo algum tipo de curso e não me contou? Ela pode ler pelo laptop. Será um garoto? Sinto minha pressão baixar só de pensar. Uma biblioteca silenciosa, minha irmã e algum cara, filho da mãe, que se sentam juntos e se beijam... Dou um murro na cama só de imaginar isso.
— Tá tudo bem? — ela aparece na porta do quarto.
— Desculpe se te assustei — dou um sorriso — É o trabalho.
— Atah!
Ela sai e respiro fundo. Resolvo tomar um banho e trocar de roupa. Já pronto desço as escadas e espero a Cloe na sala.
— Ah, você já está aqui!
— Vamos?
Minha irmã estava maquiada de novo e bem arrumada. Sinto um frio no meu corpo. Dirijo até a biblioteca e vou para a casa do Josh. Chegando lá, Luise abre a porta pra mim e nos dirigimos para a sala.
— Amigo imaginário. — digo antes de nos sentarmos.
— Oi?
— Todas as crianças vão atrás de algo ou alguém que parece muito real para elas.
— Hmmm faz sentido! Então, só temos que encontrar uma criança que tenha esse amiguinho.
— Isso.
— Como vamos fazer isso?
Paramos para pensar. A gente precisa de uma forma de entrar em contato com essas crianças para descobrir qual é o próximo alvo e encontrar a raiz do problema.
— E se... — Luise começa e olho pra ela — E se a gente tentar em hospitais ou creches...
— Creche não...
Ela me olha com as sobrancelhas franzidas.
— Imagine um monte de crianças, gritando e brincando, chamando por você, mordendo o coleguinha...
— Já entendi! — ela me interrompe — Hospital! A gente vai para um hospital!
— Pois é. — sorrio.
— Então, um hospital que atenda crianças especiais?
— Tem um da agência.
— Que legal.
— Mas é bem privado. Tem mais psicólogos, é quando a mãe não entende o que acontece com filho e chega lá pedindo socorro.
— Interessante. — ela bate de leve o dedo no queixo — É uma boa ideia, para qual vamos?
Faço uma pesquisa no laptop, e encontro o hospital.
— É aqui. — mostro para ela.
— Entendi, então temos que fingir ser médicos? Enfermeiros...
— Enfermeiro é melhor, já que ficam sempre com a crianças, e é mais fácil de interpretar. Aprendizes ou algo assim. Tem que ser um papel pequeno e imperceptível.
— Como fazemos isso? Um cadastro?
— Vamos começar com um currículo, temos que fazer uma entrevista e conseguir a vaga.
— É sério?
— Tem que ser assim, claro que não vai ter uma entrevista de verdade, mas é importante que a gente tenha um história bem contada.
— E com muitos detalhes.
— Isso.
— Que tal... Eu faço seu currículo e você faz o meu?
— Vai ser legal.
Enquanto escrevemos Luise solta umas risadinhas, a sensação é que ela está aprontando.
— Qual o seu nome completo, Ian?
— Você não sabe?
— Não. — ela gargalha.
— Ian Stormn White.
— Gostei.
— Vamos usar nomes reais?
— Não, só queria saber mesmo.
Após um tempo, os currículos estão prontos. Enviamos para o hospital e esperamos a resposta. Como parte da história eles mandam mensagem dizendo pra irmos em uma entrevista no dia seguinte.
— Já tô indo pra casa.
— Tá bom, vou te acompanhar até a porta.
— Amanhã vamos a nossa entrevista, não podemos nos atrasar.
— Sem problemas.
— Te pego amanhã, uma hora antes.
— Viu.
No carro, ligo para Cloe perguntando se ela já estava em casa ou se ainda estava na biblioteca. Ela não atende, então suponho que ela esteja a caminho de casa.
Ao chegar, ouço a música alta de k-poper tocando. Bato na porta, talvez esteja tomando banho. Entro no meu quarto e fecho a porta. Tomo um banho e quando saio dou de cara com ela cantando.
— Aaah você chegou! — ela desliga a música.
— Acabei de chegar, o que quer pedir hoje para o jantar?
— Pizza!
No dia seguinte, já no final do almoço, vou para meu quarto me preparar para a falsa entrevista.
— Vai sair de novo é?
— Sim, maninha. — afago seu cabelo.
— Como você vai dessa vez? — ela se senta na minha cama.
— Entrevista de emprego.
— O que você já escolheu?
Mostro a ela, a camisa social branca, uma calça jeans azul escura e tênis básico preto.
— Eu gostei.
Vou no banheiro, tomo banho e me visto. Ao sair minha irmã balança a cabeça, coloco uma camiseta de manga longa sobre a social.
— Vou sair agora ok?
— Tudo bem, mais tarde vou a um parque.
— Está bem, tchau.
— Tchauzinho.
Ao chegar na casa da Luise, mando uma mensagem avisando que já tinha chegado. Ela abre a porta e mais uma vez me surpreendo com sua escolha de roupas. Saltos pretos, calça social preta, blusa social branca, ela segura o blazer na mão. Aquilo tudo era tão sexy que senti um calor subir no meu rosto.
— Caprichou, hein? — digo pra ela.
— Obrigada. — ela dá um sorriso tímido — Vamos?
— Claro.
Chegamos no local e entramos, falamos com a secretária e ela nos mostra onde ficar. Esperamos ser chamados.
— Que tipo de perguntas vão fazer pra gente? — Luise sussurra.
— Qual seu sorvete favorito, coisas assim. Fique tranquila. É por mera formalidade, nós já entramos.
— Ainda assim é assustador estar aqui. — ela ri e concordo. Apesar de ser tudo um "faz de conta" uma entrevista de emprego dá medo e ansiedade.
— Você vai gostar deles.
— Luise Carter.
— Pode ir.
— Já?
— Boa sorte. — brinco.
— Obrigada. — ela sorri.
Ela caminha para a sala de entrevista. Respiro fundo segurando o currículo que até então eu não tinha lido. Sei que cada coisa é importante, mas me sinto satisfeito em finalmente poder fazer algo de verdade.
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Muito bom, amigo
Science FictionLuise e Ian sempre foram bons amigos. Nada mais que isso. Após relacionamentos fracassados, ele busca apenas boas noites, e Luise sequer procura alguém. Mas um bom amigo é para todas as horas, não é mesmo? Este livro está conectado com: Não quero ni...