Capítulo 11

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      Mais uma criança foi levada, no mesmo lugar em que estávamos e nós não percebemos. Isso me deixa indignado, por não ter conseguido evitar o rapto, e por não saber o que está acontecendo. Não saber se elas estão bem ou não.

     — Então... — Luise põe o laptop sobre o sofá e olha para mim — Temos que vigiar uma criança?
    — É tipo isso. — ponho a mão no queixo e penso — Sei que parece estranho, e vai ficar ainda mais.
    — Muito bem... — ela suspira — Continue, por favor. — ela cruza as mãos no colo.
    — Precisamos de uma criança que se encaixe no padrão das outras que desapareceram.
    — Entendi, até agora são... — ela pega o laptop novamente abrindo um programa de anotações — De 4 até 9 anos... — ela digita — O que mais?
    — São extrovertidas. Crianças tímidas não vão assim para o nada, normalmente ficam grudados na mãe ou pai, ou tutor.
    — Faz sentido. Anotei. Tem dons.
    — Sim, e não são qualquer dom. São dons realmente bons.
    — Sim, sim.
    — Imaginação fértil.
    — E amigo imaginário.
    — Isso.
    — Tem mais alguma coisa?
    — Hmmm... Temos que ver mais alguns casos. Mas acho que esses estão bons por enquanto.
    — Então vamos lá: de 4 a 9 anos, extrovertidas, tem dons, imaginação fértil e amigo imaginário.
    — Ah... — suspiro — Ainda é muito amplo. Mas acho que já ajuda muito.
    — Achar uma criança com essas características...
    — Achar o próximo alvo. Precisamos encontrar uma conexão forte entre esses casos... Pensar como a pessoa que está fazendo isso.
    — Como eles ficam sabendo dessas crianças?
    — Da mesma forma que nós, banco de dados sobre crianças assim. Talvez escolas, creches,  hospitais?
   — Ian. — Cloe desce as escadas com o cabelo totalmente seco e pijama de gatinho — Eu já estou indo pra cama.
    — Tá certo, Cloe, já está tarde mesmo. Boa noite, Cloe.
    — Boa noite, maninho! — ela me abraça com seus braços e deixa um beijo no meu rosto, deixo outro na sua testa — Boa noite, Luise.
    — Boa noite, Cloe. — ela sorri e abre os braços, minha irmã a abraça e sobe as escadas.
    — Nossa ela é a cara da mulher do quadro.
    — Sim, é igualzinho a nossa mãe.
    Dou um sorriso e olho para o relógio. Eu precisava levar ela pra casa antes que o Josh me desse bronca.
     — Vou te levar pra casa.
     — Tá bom.
     Pego um casaco e a chave e vamos para a garagem. Dirigimos pela estrada a noite até a casa dela.
     — Amanhã venho pra cá a tarde para planejar melhor, ok?
     — Viu.
     Volto para casa, guardo meu laptop e vou pra cama.
 
     No dia seguinte. Levanto e vou preparar o café. Cloe demora pra levantar, mas como estamos nas  férias, deixo ela dormir.
     Pego o laptop e enquanto tomo café, analiso a lista de desaparecidos para encontrar o padrão. São as coisas que já foram anotadas ontem. Leio e releio.
     — Bom dia! — dois braços me abraçam firma.
     — Bom dia, Cloe. Achei que não fosse acordar mais!
     —Ah... — ela sorri com olhos fechados — O sono me pegou.
     — Sem a minha permissão? — brinco com ela.
     — Sim, caí nos braços de Morfeu, e ele não quis me deixar sair. — ela usa um tom dramático e dou risada.
     — Acho que terei de ter uma conversa com esse cara.
     Rimos e ela prepara seu café.
     — Ainda trabalhando?
     — É, encontrando um padrão.
     — Parece divertido.
     — Só quando a gente acha.
     — Tente imaginar uma linha... Não sei... — ela ri.
     — Não é exatamente uma linha, é mais como várias informações e temos que achar as informações que se repetem... — tento explicar, ela acena com a cabeça com uma expressão séria.
     — Não tenho certeza se entendi.
     — Imagine o motivo pelo qual você escolhe seu xampu.
     — Gosto do que tem cheiro de flores, que seja transparente, e tenha pedacinhos de flor na composição, que seja para cabelo liso...
     — Viu só? — interrompo rindo antes que ela continue falando sobre xampus — Você tem um padrão para comprar xampu.
     — Aaaaah entendi agora.
     — Tenho que achar isso... — faço um movimento com as mão — Nisso aqui. — aponto para o laptop.
     — Boa sorte, maninho.
     — Sua vez de fazer a faxina da casa.
     — Aaaaah... — ela faz cara de cansaço e levanta sorrindo — Tá bom, eu vou...
     Permaneço na cozinha pensado... Revendo a lista. E então percebo. A chave era o amigo imaginário. Todas as crianças que desapareceram foram atrás de algo ou alguém que está invisível.
    
     Preparo um arroz colorido com verduras e legumes, tempero bem e deixo cozinhando. Então é isso... O amigo imaginário... Seria alguém realmente invisível? Uma pessoa real? Começo a cortar o frango e o tempero também. Unto a forma e coloco pra assar. Não acho que seja alguém com invisibilidade, a não ser que ele possa controlar a invisibilidade. Cloe aparece com balde e esfregão na mão.
      — Pra cadeira. — ela diz.
      — Tô cozinhando.
      — É rapidinho, vai, senta aí e depois você desce.
      Sento na cadeira e espero a Cloe terminar. Ela era péssima pra cozinhar mas sabia deixar tudo arrumado.
     — Prontinho. — levanto e ela levanta a mão — Espera, me dá seu calçado.
     Tiro meu calçado e entrego pra ela. O chão está frio e molhado. Volto para o fogão e continuo a pensar e cozinhar.
      Quando o almoço está pronto, Cloe e eu comemos. Então vou para meu quarto pegar o laptop, me preparo para ir pra casa da Luise.
      — Ian!
      — No meu quarto.
      — Vou sair um pouco, tudo bem? Você já está saindo também né?
      — Sim, sim, vou na casa do Josh.
      — Me dá carona?
      — De graça, não.
      — O quê?
      — Pra onde você vai?
      — Biblioteca central.
      — Tô indo daqui a pouco.
      — Ok.
      Ela sai em disparada e vai para o quarto dela. Fico pensando, por que de repente surgiu o interesse de ir a biblioteca. Nas férias. Ela tá fazendo algum tipo de curso e não me contou? Ela pode ler pelo laptop. Será um garoto? Sinto minha pressão baixar só de pensar. Uma biblioteca silenciosa, minha irmã e algum cara, filho da mãe, que se sentam juntos e se beijam... Dou um murro na cama só de imaginar isso.
      — Tá tudo bem? — ela aparece na porta do quarto.
      — Desculpe se te assustei — dou um sorriso — É o trabalho.
      — Atah!
      Ela sai e respiro fundo. Resolvo tomar um banho e trocar de roupa. Já pronto desço as escadas e espero a Cloe na sala.
      — Ah, você já está aqui!
      — Vamos?
      Minha irmã estava maquiada de novo e bem arrumada. Sinto um frio no meu corpo. Dirijo até a biblioteca e vou para a casa do Josh. Chegando lá, Luise abre a porta pra mim e nos dirigimos para a sala.
      — Amigo imaginário. — digo antes de nos sentarmos.
      — Oi?
      — Todas as crianças vão atrás de algo ou alguém que parece muito real para elas.
      — Hmmm faz sentido! Então, só temos que encontrar uma criança que tenha esse amiguinho.
      — Isso.
      — Como vamos fazer isso?
      Paramos para pensar. A gente precisa de uma forma de entrar em contato com essas crianças para descobrir qual é o próximo alvo e encontrar a raiz do problema.

      — E se... — Luise começa e olho pra ela — E se a gente tentar em hospitais ou creches...
      — Creche não...
      Ela me olha com as sobrancelhas franzidas.
      — Imagine um monte de crianças, gritando e brincando, chamando por você, mordendo o coleguinha...
     — Já entendi! — ela me interrompe — Hospital! A gente vai para um hospital!
     — Pois é. — sorrio.
     — Então, um hospital que atenda crianças especiais?
     — Tem um da agência.
     — Que legal.
     — Mas é bem privado. Tem mais  psicólogos, é quando a mãe não entende o que acontece com filho e chega lá pedindo socorro.
     — Interessante. — ela bate de leve o dedo no queixo — É uma boa ideia, para qual vamos?
     Faço uma pesquisa no laptop, e encontro o hospital.
     — É aqui. — mostro para ela.
     — Entendi, então temos que fingir ser médicos? Enfermeiros...
     — Enfermeiro é melhor, já que ficam sempre com a crianças, e é mais fácil de interpretar. Aprendizes ou algo assim. Tem que ser um papel pequeno e imperceptível.
     — Como fazemos isso? Um cadastro?
     — Vamos começar com um currículo, temos que fazer uma entrevista e conseguir a vaga.
     — É sério?
     — Tem que ser assim, claro que não vai ter uma entrevista de verdade, mas é importante que a gente tenha um história bem contada.
      — E com muitos detalhes.
      — Isso.
      — Que tal... Eu faço seu currículo e você faz o meu?
      — Vai ser legal.
      Enquanto escrevemos Luise solta umas risadinhas, a sensação é que ela está aprontando.
      — Qual o seu nome completo, Ian?
      — Você não sabe?
      — Não. — ela gargalha.
      — Ian Stormn White.
      — Gostei.
      — Vamos usar nomes reais?
      — Não, só queria saber mesmo.
      Após um tempo, os currículos estão prontos. Enviamos para o hospital e esperamos a resposta. Como parte da história eles mandam mensagem dizendo pra irmos em uma entrevista no dia seguinte.
      — Já tô indo pra casa.
      — Tá bom, vou te acompanhar até a porta.
      — Amanhã vamos a nossa entrevista, não podemos nos atrasar.
      — Sem problemas.
      — Te pego amanhã, uma hora antes.
      — Viu.
      No carro, ligo para Cloe perguntando se ela já estava em casa ou se ainda estava na biblioteca. Ela não atende, então suponho que ela esteja a caminho de casa.
     Ao chegar, ouço a música alta de k-poper tocando. Bato na porta, talvez esteja tomando banho. Entro no meu quarto e fecho a porta. Tomo um banho e quando saio dou de cara com ela cantando.
     — Aaah você chegou! — ela desliga a música.
     — Acabei de chegar, o que quer pedir hoje para o jantar?
     — Pizza!
    
     No dia seguinte, já no final do almoço, vou para meu quarto me preparar para a falsa entrevista.
     — Vai sair de novo é?
     — Sim, maninha. — afago seu cabelo.
     — Como você vai dessa vez? — ela se senta na minha cama.
     — Entrevista de emprego.
     — O que você já escolheu?
     Mostro a ela, a camisa social branca, uma calça jeans azul escura e tênis básico preto.
     — Eu gostei.
     Vou no banheiro, tomo banho e me visto. Ao sair minha irmã balança a cabeça, coloco uma camiseta de manga longa sobre a social.
      — Vou sair agora ok?
      — Tudo bem, mais tarde vou a um parque.
      — Está bem, tchau.
      — Tchauzinho.
      Ao chegar na casa da Luise, mando uma mensagem avisando que já tinha chegado. Ela abre a porta e mais uma vez me surpreendo com sua escolha de roupas. Saltos pretos, calça social preta, blusa social branca, ela segura o blazer na mão. Aquilo tudo era tão sexy que senti um calor subir no meu rosto.
      — Caprichou, hein? — digo pra ela.
      — Obrigada. — ela dá um sorriso tímido — Vamos?
      — Claro.
     Chegamos no local e entramos, falamos com a secretária e ela nos mostra onde ficar. Esperamos ser chamados.
      — Que tipo de perguntas vão fazer pra gente? — Luise sussurra.
      — Qual seu sorvete favorito, coisas assim. Fique tranquila. É por mera formalidade, nós já entramos.
      — Ainda assim é assustador estar aqui. — ela ri e concordo. Apesar de ser tudo um "faz de conta" uma entrevista de emprego dá medo e ansiedade.
      — Você vai gostar deles.
      — Luise Carter.
      — Pode ir.
      — Já?
      — Boa sorte. — brinco.
      — Obrigada. — ela sorri.
     
      Ela caminha para a sala de entrevista. Respiro fundo segurando o currículo que até então eu não tinha lido. Sei que cada coisa é importante, mas me sinto satisfeito em finalmente poder fazer algo de verdade.
  
     
 
     
  

Muito bom, amigoOnde histórias criam vida. Descubra agora