Capítulo 24

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     James está beijando a minha irmã. O beijo dura apenas alguns segundos, mas na minha mente parece horas. A raiva que sinto desse cara agora, é tanta que não posso sequer sorrir. A vontade que tenho é de puxar ele pelo pescoço e afastar a boca imunda dele da boca da minha irmã.
     Cloe se afasta dele, suas bochechas estão tão vermelhas. Ela limpa a garganta e dá um passo para trás, colocando as mãos nas costas.
     — Tchau. — sua voz é doce, mas está baixa.
     — Tchau, Cloe.
     Me mantenho firme no lugar até que a minha irmã entra no carro. Meus olhos ficam fixos no cara à minha frente. Ele não está mais tão sorridente agora. Abro a porta do carro e entro ligando e dando partida. Cloe ainda parece um pouco pasma com o beijo.
      — Foi divertido, não acha? — tento deixar o clima mais leve, apesar de ainda não estar sorrindo.
     — Foi sim. Eu amei. Obrigada por concordar com um jantar.
     — Sem problemas.

     Chegamos em casa e cada um vai para seu quarto. Me sinto cansado, mas escovo os dentes e troco de roupa. Me deito e durmo profundamente. Acordo mais disposto e pensando na lista que vamos receber, como isso pode nos ajudar.
     Em alguns minutos preparo meu café e Cloe se junta a mim. Ela me olha de relance. 
     — A geleia de morango está acabando. — digo enquanto me sento com um prato com bacon — Temos que fazer as compras na sexta.
     — Você quer dizer, amanhã? — ela dá um sorriso brincalhão.
     — Sim. — sorrio de volta.
     — Quer que eu faça uma lista do que precisamos?
     — Isso ajudaria muito.
     — Sobre ontem... — ela começa, mas não quero ouvir sobre isso.
     — Você não tem do que se desculpar. — sorrio para ela — Ele é seu namorado.
     — Mas não era pra ser assim, não na sua frente.
     — Tá tudo bem. Namorados fazem isso, Cloe. — brinco.
     — Eu sei mas... — olho para minha irmã e entendo o que ela quer dizer — Não quero ser beijada na frente de pessoas. — ela parece chateada.
     — Pode ser força de hábito. Ele gosta tanto de você que não quer ficar longe.
     — Você acha?
     — Eu não sei, mas eu sei que você é adorável.
     — Obrigada, Ian.
     — Você pode falar com ele pra ir com calma. É uma relação a dois.
     Ela balança a cabeça e ouço o som da campainha. Levanto e dou um beijo na sua testa, em seguida vou em direção a porta.
Encontro minha parceira de missão com uma expressão irritada. Uma lufada de vento frio entra e me encolho.
      — Tá muito frio? — pergunto ao notar o casaco sobretudo.
      — Eu tô congelando! Parece até que a Karen resolveu mudar o clima.
      Ela entra e fecho a porta, fazendo o calor dentro de casa me aquecer de novo.
     — Ah... — ela suspira aliviada — Aqui dentro está tão quentinho tão ao contrário de lá fora.
     — O inverno está chegando. — franzo a sobrancelha.
     — Acho que tu quer dizer que o inferno está chegando.
     — Se o inferno for gelado.
     — Oi Cloe. — ela entra na cozinha e senta em um dos bancos perto do balcão.
     — Oi! — minha irmã acena.
     — Vou pegar minhas coisas. Já volto.
     Subo as escadas e pego a minha mochila, abro o armário e pego um casaco também, o frio parece que vai ser ainda mais intenso hoje. Volto para a cozinha onde a Cloe parece falar dos seus amados coreanos para a Luise.
     — Ah... O Joonkook é tão... — ela suspira.
     — Chato? — completo sua fala e ela faz uma careta.
     — Ele é lindo! — ela defende com um sorriso.
     — Acho que o James vai ficar com ciúmes. — Luise ri.
     — Eu também acho. — coloco a mochila sobre o balcão.
     — Nah. — ela faz um gesto com a mão.
     — Vamos? — pergunto.
     — Sim!! — as duas respondem ao mesmo tempo.

     Já no hospital, estaciono o carro enquanto a Luise verifica algo no telefone. Descemos e entramos pelas portas, em direção ao quarto de sempre.
     — Então a Larah disse que te daria a lista hoje? — Luise chega do banheiro já vestida. O jeito desleixado que a blusa está sobre a calça é clássico dela.
     — Exatamente.
     — Ela vai chegar aqui ou temos que procurar ela?
     — Acho que esperar.
     Ela senta no sofá no canto e mexe no celular.
     — Oi! Bom dia! — ela surge na porta com um largo sorriso.
     — Bom dia chefe. — Luise diz.
     — Oi. — digo gentilmente.
     — Como você está? — ela olha para mim incerta — Se recuperou bem?
     — Sim, sim. Eu estou bem. Na verdade já cicatrizou.
     — Que maravilha. Nossa equipe de química está melhor a cada dia. — ela parece orgulhosa mas ainda há uma incerteza em seu rosto, principalmente quando olha para a Luise.
     — É a pomada cicatrizante? — Luise pergunta — É fascinante como ela funciona.
     — É perfeita. — respondo — Sem marcas, sem dor.
     — É a evolução da medicina. Claro que só para a agência. — Larah acrescenta.
     — Claro. — sorrio esperando pela lista, como ela demora um pouco para perceber, Luise limpa a garganta.
      — Oh. A lista. — ela pega uma prancheta e dá uma olhada — Vou encaixar vocês dois com a Êda. Vocês poderão ler e decorar a lista, mas tem que ajudar ela com tudo. Ela vai dizer tudo o que vocês precisam fazer. A lista está com ela, e aliás, ela já está esperando por vocês.
     — Entendi. Obrigado.
     — Sem problemas. — ela sorri.
   
     — São os meus ajudantes? — a doutora Êda nos analisa.
     — Sim senhora! — Luise afirma.
     — Então podem começar tirando todas as mesas e cadeiras e colocando tudo na outra sala.
     Balançamos as nossas cabeças e olhamos para o tamanho da sala. A doutora vai em direção a porta, ela não ia fazer isso, ia?
      — Preciso fazer algumas coisas. Mas eu volto assim que puder, fiquem a vontade. — ela aponta para um laptop conectado a caixas de som — Mas sem bagunça. A sala só precisa ser varrida, vão encontrar tudo o que precisam aí. Tem também uma lista do que precisam fazer.
     Ela se retira antes mesmo que a gente possa responder.
     — Não acredito. — Luise está boquiaberta.
     — Melhor a gente começar...
     Luise olha ao redor e eu pego uma cadeira e encaixo com a outra.
      — Vamos ter que decorar? — Ela está com a lista da doutora Êda mas mãos.
     — Decorar primeiro e varrer depois? — sugiro.
     — Pode ser.
     — Ela escolheu um tema? — chego perto dela.
     — Não. Aqui diz pra colocar balões e decorações coloridas. — ela parece irritada.
     — Então vamos fazer isso. — vou até o laptop.
     Procuro pelo aplicativo do YouTube. Há diversos vídeos de desenhos para crianças. Pesquiso por ' Stress out ' de Twenty one Pilots. Luise olha para mim com a sobrancelha arqueada. Eu me ânimo e começo a juntar as cadeiras.
      No ritmo da música as cadeiras e mesas vão se acumulando no canto e o trabalho começa a fluir. Acabo me pegando dançando, Luise olha pra mim com cara de riso. Mas só me aproximo e pego suas mãos fazendo ela se juntar a mim. Ela parece não querer no início mas aos poucos a música contagia ela, que começa a dançar também.
      Quando a música termina e outra começa, retiramos as mesas que ainda estão no meio da sala. A porta está fechada, Luise deve ter fechado para ninguém ver a gente passar vergonha. Começa a tocar ' Sweet but psycho' de Ava Max e paro de dançar para observar minha colega. O jeito que o corpo dela se move, ela está de costas e não percebe. Ela se vira para mim e a música termina. Pegamos as últimas cadeiras e guardamos com as outras. Apanhamos as vassouras e ' Beautiful now' de Zedd começa é um pouco mais lenta, então começo a dançar lentamente, Luise olha pra mim surpresa. Continuo dançando e varrendo. Quando a música acelera nós nos animamos e varremos.
     — Tá tudo limpo agora. — desligo a música e olho em volta.
     — Agora é hora de decorar. — ela olha para o canto e caminha até o quartinho — Aqui tem o que precisamos.
      Vou até o quartinho e vejo ela com uma caixa grande cheia de papéis de vários tipo, e cores. Em outra há várias espécies de colas e barbante.
      — Já pensou em alguma coisa pra essa festa?
      — Hmm... Tô pensando. — seus olhos estão semicerrados.
      Começo a inspecionar o conteúdo da caixa. Tento pensar em algumas ideias de tema para a festa infantil. Começo a lembrar das festinhas que eu fazia para a Cloe. Tinha tema de princesas quando ela era novinha, tema de selva, e até de fundo do mar.
     — Selva? Fundo do mar? — sugiro pra ela.
     — Eu gostei.
     — Dá pra transformar a sala em uma mata ou em um aquário.— continuo — Vestir você de fada ou de sereia.
     — E você seria o fado ou tritão é isso?
     — Eu não vou me fantasiar.
     — E tu acha que eu vou?
     — Do que devemos decorar?
     — Eu gosto da ideia do fundo do mar.
     — Então... Peixes e polvos?
     — Cavalos-marinhos e lulas.
     — Água-vivas.
     — Vamos começar.
     — Vou imprimir algumas coisas. — vou até o laptop e acho alguns moldes na internet.
     Luise corta os papéis sem nem mesmo riscar. Em alguns segundos o papel está com formato de peixe.
     — Estou impressionado! — admiro o trabalho dela, ela sorri e continua cortando.
     Eu não estou tão surpreso, as três filhas Carter tem aptidão para arte. As três desenham bem, cada uma a sua maneira. E as três cortam bem, Maggie sabe cortar tecido, Luise sabe cortar papel, e a Karen sabe cortar comida.
     A impressora termina e eu começo a cortar os moldes. Vou até o laptop e ligo a música de novo. Luise me olha séria, aponta para mim e franze a sobrancelha, parece confirmar algo, em seguida ela vai até o laptop e troca a música. Ela coloca um rap mas está em um idioma latino que eu não entendo bem. Parece ser português, uma das línguas que não aprendi bem.
     — Quem é o cantor? — pergunto tentando decifrar alguma palavra.
     — Projota. — ela sorri, há um brilho no olhar.
     — Pro- tá legal, parece bom.
     Ela canta no ritmo da música e fico hipnotizado com os seus lábios se mexendo.
     — Ela não cansa, não cansa, não cansa jamais, ela dança, dança, dança demais... — sua voz acompanhar perfeitamente a voz do cantor.
     Volto a cortar os moldes e logo começo a montar também. Peixes e cavalos-marinhos de EVA e papel começam a surgir. Ela me mostra alguns dos seus, eu mostro alguns dos meus e vemos a ideia tomar forma. A música termina e ouvimos algumas batidas na porta, vou até ela e abro.
       — Vocês esqueceram de almoçar. — A doutora Êda mostra uma bandeja com um monte de sanduíches e dois copos de suco.
      — Não nos demos conta. — olho para o relógio vejo que já passa das duas da tarde.
      — Vocês trabalharam muito hoje. Comam e vão para casa. Terminaremos amanhã.
      Ela sai e deixa a bandeja com a gente. O cheiro dos sanduíches está ótimo, mas talvez seja porque estou com fome.
      — Vamos comer? — mostro para a Luise.
      — Não tô com muita fome. — olho sério para ela e semicerro os olhos — Mas acho que posso comer um. — semicerro ainda mais e suspiro — Ou dois. — ela acrescenta com um nervosismo falso.
     — Muito melhor.
     Não era só o cheiro, o sabor está ótimo. Luise consegue até comer dois, com muito esforço. Como todos da bandeja e então tomamos os sucos.
     — Vamos pra casa antes que a Larah apareça? — pergunto.
     — Vamos.
    
     Deixo Luise em casa e na volta ligo para Cloe.
     — Oi. — a voz dela ressoa no carro.
     — Tá em casa? — faço uma curva para a direita.
     — Tô sim. — ouço barulho de mastigação.
     — Eu saí mais cedo do trabalho, quer fazer as compras agora? — o sinal fecha e espero alguns pedestres atravessarem.
     — Pode ser, já tenho a lista mesmo. Vou te esperar aqui fora.
     — Ok.
     Desligo o celular e volto a dirigir. Quando chego na frente de casa encontro a Cloe acenando pra mim na calçada. Paro e ela olha para os dois lados antes de contornar o carro e entrar.
     — Vamos lá. — ela parece animada.
     — Como estão sendo as aulas? — começo a dirigir em direção ao mercado.
     — Incríveis! Eu adoro pintar, é libertador.
     — Vou querer um.
     — O que quer que eu pinte?
     — Algo que eu goste.
     — Uma mulher sensual?
     — O quê? Nada disso! — brigo com ela, que língua mais afiada — De onde você tirou isso.
     — Mas você adora mulheres assim.
     Balanço a cabeça e dou risada do comentário da minha irmã.
     — Faz parecer que sou um... Não sei...
     — De boa, eu te amo mesmo assim, irmãozinho.
     — Que bom pra mim. — ironizo — Não vai ganhar doces. — completo.
     Ela olha pra mim com surpresa e sorriso. Estaciono o carro e saímos. Pegamos um carrinho e Cloe começa a ler a lista. Estava faltando muitas coisas.
      — Ainda tem absorvente em casa? — pergunto a ela, Cloe me dá um olhar mortal e reviro os olhos.
      Mesmo que ela já esteja grande ainda tem vergonha. Eu meio que tive de criar ela, então o assunto menstruação deixou de ser um tabu para mim.
     — Ainda tem. — ela sussurra.
     Pego mais alguns e coloco no carrinho. Ela me olha confusa e pego mais alguns produtos de limpeza que precisava também.
     — É melhor ter a mais, nunca se sabe. — pisco pra ela, que sorri em resposta.
     Ao pegar os absorventes lembro também de quando ela costuma ficar deprimida durante alguns dias e na seção de doces pego alguns caixas de bombom.
      Termino de pegar tudo e vamos para a parte de comidas frescas, como frutas e legumes, quando o carrinho está cheio, vamos até o caixa e passo o cartão. Levamos o carrinho até o estacionamento e arrumamos tudo no banco de trás. Deixamos o carrinho no supermercado e voltamos para casa.
      — Você é o melhor irmão do mundo, sabia? — ela me abraça na entrada.
      Bagunço o cabelo dela fazendo com que vai tudo para frente. Ela ri e guardamos todas as compras.
      Durante a noite, assisto um filme com a minha irmã. Tomo alguns goles de refrigerante e como pipoca.
     — Por que as pessoas nos filmes de terror são tão burras? — ela parece revoltada.
     — Não haveria filme se alguém não fizesse cagada. — digo enquanto leio a lista de crianças.
      Tenho que decorar cada nome e poder, talvez eu ou a Luise encontre alguma para podermos analisar. Está tudo tão quieto e ficar parado não ajuda. Temos que nos antecipar.
       O filme termina e minha irmã já tá sonolenta. Ela resmunga um boa noite e vai para o quarto dela já eu vou para o meu, mas continuo lendo a lista. Adormeço e sonho com crianças dançando ao som do Pro alguma coisa da Luise. É incrível como no sonho, parece que eu entendo o idioma.

     No dia seguinte, Luise e eu somos recrutados pela doutora Êda até a sala dela. Todas as mesas já estão arrumadas, nossos peixes estão no mesmo lugar mas algumas caixas novas estão por perto.
      — Achei que poderiam querer luzes — Êda nos mostra alguns pisca-piscas e luzes — Há dias bombas para encher balões e mais adereços que possam precisar. Ainda vou estar ocupada, mas se precisarem de algo que não esteja aqui, mandem uma mensagem. Ok?
      — Tudo bem.
      Ela se retira e voltamos ao trabalho. Vou até o laptop e uso o histórico para colocar a mesma música que a Luise pôs ontem.
      — Gostou, não foi? — ela dá um sorriso travesso.
      — Gostei. — retribuo o sorriso — Ainda não sei cantar. Mas gostei.
      — Você não sabe falar português? — suas sobrancelhas arqueiam ao ver os estilos das luzes.
     — Não muito bem, mas ainda tenho que aprender. Mas é um idioma um pouco difícil.
     — Não é muito.
     — Mas eu gosto do sotaque dos nativos falando inglês. É bem fofo na verdade.
     — Você já viu?
     — Sim. Alguns países da Europa e África falam. Eu devia aprender, mas acabei ficando em outros idiomas.
     — América do Sul também, no Brasil. — ela acrescenta.
     — Eu acho o português do Brasil sexy.
     — Ah é? — ela franze a sobrancelha.
     — É.
     — Vamos começar a montar a decoração?
     Balanço a cabeça confirmando e pegamos as coisas. Ao som de várias músicas, nós colamos tudo e arrumamos as mesas. Enchemos balões e colocamos em vários lugares. Construimos algumas estruturas com isopor e logo, vemos que já passou da hora de comer, de novo.
     — Vamos almoçar, depois terminamos? — sugiro e minha parceira balança a cabeça.
      Pegamos nosso almoço e voltamos para a sala da doutora Êda. Sentamos das cadeiras infantis e comemos tudo. Logo voltamos ao trabalho.
     — Ufa. Acho que já tá bom . — Luise se afasta para olhar uma parede.
     — Também acho. Amanhã temos duas festas pra ir.
     — Verdade. — ela aperta os lábios, pensativa — Awn mas ficou tudo tão fofinho. — seus olhos brilham.
     — Tenho que admitir que ficou muito bom. — e ficou mesmo.
    — Nós arrasamos.
    — Agora vamos, eu tô exausto. Já estou brilhando de tanta purpurina. — resmungo.
    — Tá brilhando mesmo! — ela gargalha e saímos da sala em direção aos banheiros — Isso vai dar um pouquinho de trabalho pra tirar. — ela aconselha.
     — Talvez eu precise de ajuda. — olho pra ela com um sorriso malicioso.
     — Quer ajuda? — ela sorri de volta.
     — Quero. — minha voz soa mais grave que o normal.
     — Vou ver se acho alguém pra te ajudar. — ela brinca e eu vou para o banheiro masculino.
     Ouço a risada dela e também dou risada. Mas no fundo, por um segundo, me imaginei no banheiro com ela.
   
   
     
    
    
    
   
     
    
    

Muito bom, amigoOnde histórias criam vida. Descubra agora