Me perco em pensamentos. No sangue do acidente, nas fumaças. Me sinto afetado. Uma linha de raciocínio se liga a outra, e tudo leva a uma memória, e por mais que eu tente, não consigo sair dela. A do dia da morte dos meus pais. Tanto sangue... tanto sangue...
— Ian? Ian! — sinto a mão da Luise segurar meu ombro e balançar.
— Hum? — volto a realidade e olho para ela.
— Do nada você ficou parado e com um olhar vazio. — ela soa preocupada.
— Não foi nada demais. — suspiro e me ajeito na cadeira — Eu só... não sei, dormi acordado eu acho.
— Então tá.
— Então...? — olho novamente para as telas.
Percebo uma agitação muito diferente no canto e me aproximo para ver melhor. Mas por um segundo há um chuvisco na imagem e não vejo mais a agitação.
— Volta um pouquinho? — Luise também se aproximou.
Sinto o perfume dela e sem querer "querendo" acabo exalando. Limpo a garganta e volto o vídeo.
— Pode dar um zoom?
Aproximo a imagem e nos concentramos para conseguir ver. E lá está, antes da imagem ficar com chuvisco, podemos ver a silhueta de alguém e três outras silhuetas chegando perto. E pelo jeito que elas saem, na direção oposta às ambulâncias, tenho certeza de que se trata do sequestrador.
— Pegamos ele.
— Sim... — me ajeito na cadeira para evitar de me aproximar mais — A imagem não é tão boa, mas é o suficiente para obter dados.
— Então vamos começar. — ela soa determinada.
— Vamos. — pego meu laptop e então começamos as análises.Após um longo tempo analisando, temos mais ou menos ideia de como esse cara é e por onde ele pode ter ido.
— Tem como rastrear ele, né? — Luise pergunta.
— Vamos tentar.
Tentamos seguir eles pelas imagens e descobrimos o carro no qual eles entraram, e para onde foram. E após perder e achar eles nas imagens, vimos o carro sumir do nada em um beco fechado. Penso em tentar uma procura agora, mas já é muito tarde e não sei se quero fazer a filha do meu chefe passar por algum perigo.
— Então, vamos pegar esse cara! — Luise fala em um tom grave e surge ao meu lado com uma metralhadora nas mãos.
— Que é isso??? Onde você pegou esse troço!!!
Corro até ela e tiro a arma de suas mãos. Coloco em um canto.
— Meu brinquedo! — ela faz biquinho e eu reviro os olhos.
— Aquilo não é brinquedo, Valkíria! — dou uma bronca.
— Tá. — ela solta um riso que acaba me fazendo rir também.
— Olha, tá muito tarde... são... — olho para meu telefone — quase três horas da manhã-
— Isso não é nada. Eu vou com você. — ela fecha qualquer espaço para discussões — Não se preocupe comigo, Capenguinha.
— Tem razão. — suspiro e chego mais perto, por algum motivo sinto a necessidade de estar próximo a ela — Me desculpe.
— Você tirou meu brinquedo... não sei se posso... — reviro os olhos mais uma vez e ela solta uma gargalhada — Eu estou brincando com você!
— Vai ser muito cansativo... — aviso.
— Eu dou conta.
— Então, tudo bem.
Caminhamos em direção a garagem da agência e eu uso o meu cartão de acesso para poder entrar.
— Qual vamos pegar? — seus olhos vasculham o carros e motos pelo local.
— Que tal... — aponto para um carro que chamou minha atenção e chego perto dele.
— Esse? — ela mostra um certo desinteresse e me sinto desafiado.
— Só um minuto. — vou até o responsável e peço a chave do carro em específico. Aperto um botão e luzes roxas surgem no carro preto fosco — Viu só?
Vejo um pequeno sorriso brotar de seus lábios e um brilho no olhar.
— Nossa... — ela deixa escapar — Tá, eu admito que gostei dele. Posso dirigir?
— Na ida você dirige e na volta, sou eu, pode ser? — proponho.
— Aceito.
Entramos no carro e por dentro ele é ainda mais bonito. Quando Luise coloca a chave na ignição e gira o painel moderno todo no preto e roxo arranca suspiros meus e dela.
— Eu quero esse carro pra mim!
— Eu também quero. — solto uma risada.
Luise dá partida e apesar do motor de alta potência, quase não há barulhos nele.
— Esse carro é perfeito!
Saímos na estrada e andamos em direção ao beco que vimos nas imagens.
— Ah! Tô tão ansiosa...
— Entendo, foi muito tempo procurando e procurando...
— E agora pode ser que a gente ache eles.
— Sei como é a sensação.
— E esse carro é tão...
— Perfeito.
— Pra mim!
— Não vejo a hora de poder dirigir ele.
— Não sei se eu quero...
Olho para ela irritado, ela fecha o olho como se esperasse uma explosão da minha parte.
— Nós combinamos! — falo baixinho.
— Eu sei, mas...
— Você concordou. — continuo no tom baixo.
— É que ele é um carro tão legal de dirigir...
— Eu vou morder você, se não me deixar dirigir! — ameaço.
— Você não pode, eu estou dirigindo agora. — ela dá um sorriso atrevido.
— Sem problemas, eu sou um cara paciente.
— É mas... — ela diminui a velocidade — Eu posso demorar muito pra chegar...
— Luise!
— Tá bom! Tá bom! — ela volta a velocidade de antes e faz o famoso biquinho.
Suspiro e balanço a cabeça rindo.
— Temos que pensar em uma forma de entrar. — pego meu laptop.
— Eu tenho uma forma.
— E qual seria?
— Você não me disse que é um cara paciente? — ela dá um sorriso travesso — Seja paciente e espere até o momento certo.
— E quando será o momento certo? — gesticulo com as mãos.
— Você é um Capenguinha esperto, você saberá.
Depois de um tempo dirigindo, chegamos perto do beco misterioso, pegamos um par de armas cada um, caminhamos um pouco e lá está.
– Parece um beco normal. – ela sussurra telepaticamente para mim.
Balanço a cabeça e dou de ombros perguntando sobre o plano. Ela sinaliza com as mãos para que eu espere.
Me pergunto quando vou aprender que tenho que medir certinho o tipo de coisa que devo dizer para essa mulher, a memória dela para essas coisas é comparável a do seu pai!
– Vem comigo. – ela me chama com as mãos e a sigo.
Paralelo ao momento de tensão de estar em uma missão, meus olhos focam na silhueta da Luise. Preciso balançar a cabeça para voltar a me concentrar.
Ela me guia até a parede do beco e me chama com a mão novamente. Olho para ela intrigado, qual é o plano? O que eu devo fazer?
– Só vai. – ela sussurra para mim.
Ainda intrigado, estendo a minha mão e toco a parede que não passa de uma espécie de cortina ilusória.
— Fomos tapeados! — ela sussurra segurando o riso.
Quando vejo seu rosto ficar vermelho, fico desesperado que uma crise de risos comece. Luise respira e olha para o céu, mas quando volta a olhar para mim, ela não consegue segurar e simplesmente cai na gargalhada. Na hora do susto seguro seu braço e a arrasto para longe do beco. Abro a porta do carro e a coloco lá no banco detrás, entrando logo em seguida.
Após uma série de gargalhadas ininterruptas, ela respira cansada e se senta no banco com as mãos na barriga.
— O que deu em você? — pergunto olhando ao redor.
— Eu olhei para você e não aguentei. — ela limpa as lágrimas.
— Podemos ir agora?
— Sim. — ela solta um riso e fico assustado, mas ela suspira parecendo recuperada.
Após essa crise de risos voltamos para a parede. Como já percebemos que ela é falsa, entramos de vez. Do outro lado, há um corredor largo e escuro, mas não o suficiente para não enxergar. Há algumas portas que devem pertencer aos prédios locais. O lugar é silencioso e não há sinais de que há pessoas por perto.
— Acho que é um túnel. — digo em voz baixa para a Luise.
Continuamos seguindo pelo túnel que vai ficando mais escuro ao longo dele. Depois de certo tempo a luz começa a voltar e há uma nova parede falsa. Paramos e observamos. Seria horrível entrar em uma reunião dos inimigos. Como tudo continua em silêncio nós atravessamos. O que vemos é a saída em outro beco também aparentemente fechado.
Bingo!
Já sabemos como ele consegue escapar tão facilmente.
— Melhor a gente voltar. — ela propõe e concordo.
Começamos a andar na direção que viemos e então ouvimos um barulho de carro e uma luz começa a surgir. Puxo a Luise para perto de uma das lixeiras e nós nos escondemos atrás dela.
O carro passa e olho com atende até decorar a placa e o modelo do carro. Olho para o lado e percebo que minha parceira faz o mesmo.
— Vamos logo...
Levantamos e caminhamos próximo as portas, caso outro carro apareça. Por sorte, chegamos ao carro sem nenhum problema adicional.
Antes que a minha querida parceira de missão possa fazer alguma gracinha, entro no lado do motorista. Sorrio para ela de forma triunfante e recebo um olhar de falso desdém.
— Descobrimos algo muito interessante.
— Deve ter outros lugares assim por aí.
— Temos que descobrir cada um.
— Não podemos só andar por aí né?
— Levantaria suspeitas.
— No que tá pensando?
— Em irmos de outra forma, mas temos trabalho daqui a pouco.
Os primeiros raios de sol tocam o carro.
— Esqueci que temos que trabalhar... — Luise demonstra desânimo — Mas podemos pedir folga, não é?
— Podemos sim.
Pego meu telefone no porta-luvas e digito uma mensagem para a Larah.
— Pega o meu também?
Me inclino e pego o telefone dela.
— Obrigada.
— Vamos voltar para a agência.
Quando chegamos, deixamos o carro no estacionamento e nos despedimos daquela perfeição de quatro rodas. Vamos até outra sala de tecnologias e entramos a procura do objeto que acho que será muito útil nessa missão.
— UM INSETO??? — Luise grita ao abrir a caixa.
— Calma, são falsos. — tento acalmar ela — Vamos usar estes daqui que são menores. — pego uma caixa e uma pinça e mostro outros muito menores.
— Mosquitos? — ela me olha incrédula.
— Pequenos robôs. — com a pinça mostro a ela.
— É sério? Mosquitos robôs?! — ela solta uma gargalhada.
— E o melhor, eles realmente mordem.
— Não... — ela diz em meio ao riso.
— Sim, perfeito para conseguir DNA de maneira fácil e prático.
— Eu não acredito nisso.
Guardo a caixa com cuidado e pego outra com outros tipos de inseto.
— Moscas, Ian?
— Já viu como é difícil pegar uma mosca?
— Moscas...?
— E esta daqui é...
— Uma mosca varejeira... — seu rosto faz expressão de nojo.
— Exato, e ela pode deixar rastreadores.
— Que são os ovos... — ela simula um vômito.
— Isso mesmo. — pego outra caixa um pouco maior — E se você quiser assustar a Karen algum dia. — abro a caixa que contém aranhas — Olhe o tamanho das patas
— Argh! Isso aí é se eu quiser matar ela de susto você quer dizer.
— É.
— Talvez um dia, deixe aí.
— Sabia que ia gostar.
— Shiu!
— Tudo bem... Normalmente as pessoas não desconfiam dos insetos, eles são perfeitos para isso.
— Vamos deixar eles de câmera por aí? — ela chega mais perto para ver.
— Mais ou menos, nós vamos procurar outros becos e entradas falsas com eles.
— Entendi... Mas ainda é engraçado.
— É sim. — coloco a caixa de volta no lugar — Qual você vai escolher?
— Hmm deixa eu ver melhor — Luise se aproxima e começa a olhar cada inseto, para alguns ela faz cara de nojo e para outros, ela franze a sobrancelha intrigada — Vou querer este aqui.
A minha parceira aponta para um mosquito e ri.
— Boa escolha. — sorrio para ela.
— E ele ainda morde...
Depois de escolher os insetos, vamos para a parte de configurar para que cada um possa usar os seus. Obviamente pegamos extras para o caso de um dos pequenos serem esmagados ou algo do tipo.
Quando terminamos, uso algumas setas e comandos no teclado para mostrar como ele funciona. Meu pequeno robô voa e pousa na mesa.
— Apesar de estranho e nojento, é um pouquinho legal.
— Só um pouquinho?
— Como vamos levar eles até lá?
— Precisamos pensar...
— Eles podem voar até lá...?
— Até podem, mas gastaria muita energia.
— Ahm... — ela olha ao redor — Talvez...
— Que tal a gente comer algo?
— Não tô com fome.
— Você não come nada a horas se o Josh souber...
Ela solta o ar pela boca, um pouco irritada, mas concorda. Nós nos levantamos e andamos para fora da sala.
— Não fique assim. — eu digo.
— Hum.
Na lanchonete da agência, pedimos comida e nos sentamos em uma mesa.
— Se comer tudo, te dou algo bom.
— O que?
— Você só vai saber se comer tudo.
Uma das poucas formas de convencer essa mulher a se alimentar direito é assim, contar para seu pai também ajuda, mas não posso usar essa carta o tempo todo. Tão ao contrário da sua irmã mais velha Karen, no "se você comer tudo-" ela já teria terminado e pediria por mais.
— Não foi tão ruim, né? — pergunto quando terminamos o café da manhã.
— Foi. — ela continua com sua expressão de falsa irritação — Cadê meu "algo bom"?
— Um minuto.
Vou até o atendente e peço a bebida favorita dela.
— Todinho!!! — ela exclama feliz e caio na gargalhada.
Esqueci que Todinho e batata frita são moedas de troca com essa garota.
Depois do café voltamos a sala e ao dilema de como levar os insetos para a cidade.
— Pelo correios? — ela dá mais uma sugestão.
— Não sei, poderiam ser esmagados. — respondo.
— Ônibus? — ela parece cansada — Sei lá, a gente entrega ao motorista e deixa rodando, quando chegar em um beco pedimos pra descer!
— Não é uma ideia ruim.
— O que? — ela ri surpresa — Era sarcasmo!!
— Mas eu gostei.
— Não acredito que você levou a sério.
— Levei sim. Vamos colocar no ônibus e controlar daqui.
Luise ainda ri do fato de eu ter aprovado a ideia. Talvez foi o cansaço, ou o sono, mas acabamos por começar a por em prática.
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Muito bom, amigo
Fiksi IlmiahLuise e Ian sempre foram bons amigos. Nada mais que isso. Após relacionamentos fracassados, ele busca apenas boas noites, e Luise sequer procura alguém. Mas um bom amigo é para todas as horas, não é mesmo? Este livro está conectado com: Não quero ni...