Capítulo 29

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      Me perco em pensamentos. No sangue do acidente, nas fumaças. Me sinto afetado. Uma linha de raciocínio se liga a outra, e tudo leva a uma memória, e por mais que eu tente, não consigo sair dela. A do dia da morte dos meus pais. Tanto sangue... tanto sangue...

     — Ian? Ian! — sinto a mão da Luise segurar meu ombro e balançar.
      — Hum? — volto a realidade e olho para ela.
     — Do nada você ficou parado e com um olhar vazio. — ela soa preocupada.
      — Não foi nada demais. — suspiro e me ajeito na cadeira — Eu só... não sei, dormi acordado eu acho.
      — Então tá.
      — Então...? — olho novamente para as telas.
      Percebo uma agitação muito  diferente no canto e me aproximo para ver melhor. Mas por um segundo há um chuvisco na imagem e não vejo mais a agitação.
     — Volta um pouquinho? — Luise também se aproximou.
     Sinto o perfume dela e sem querer "querendo" acabo exalando. Limpo a garganta e volto o vídeo.
     — Pode dar um zoom?
     Aproximo a imagem e nos concentramos para conseguir ver. E lá está, antes da imagem ficar com chuvisco, podemos ver a silhueta de alguém e três outras silhuetas chegando perto. E pelo jeito que elas saem, na direção oposta às ambulâncias, tenho certeza de que se trata do sequestrador.
      — Pegamos ele.
      — Sim... — me ajeito na cadeira para evitar de me aproximar mais — A imagem não é tão boa, mas é o suficiente para obter dados.
      — Então vamos começar. — ela soa determinada.
      — Vamos. — pego meu laptop e então começamos as análises.

      Após um longo tempo analisando, temos mais ou menos ideia de como esse cara é e por onde ele pode ter ido.
     — Tem como rastrear ele, né? — Luise pergunta.
     — Vamos tentar.
     Tentamos seguir eles pelas imagens e descobrimos o carro no qual eles entraram, e para onde foram. E após perder e achar eles nas imagens, vimos o carro sumir do nada em um beco fechado. Penso em tentar uma procura agora, mas já é muito tarde e não sei se quero fazer a filha do meu chefe passar por algum perigo.
      — Então, vamos pegar esse cara! — Luise fala em um tom grave e surge ao meu lado com uma metralhadora nas mãos.
     — Que é isso??? Onde você pegou esse troço!!!
     Corro até ela e tiro a arma de suas mãos. Coloco em um canto.
     — Meu brinquedo! — ela faz biquinho e eu reviro os olhos.
     — Aquilo não é brinquedo, Valkíria! — dou uma bronca.
     — Tá. — ela solta um riso que acaba me fazendo rir também.
     — Olha, tá muito tarde... são... — olho para meu telefone — quase três horas da manhã-
     — Isso não é nada. Eu vou com você. — ela fecha qualquer espaço para discussões — Não se preocupe comigo, Capenguinha.
     — Tem razão. — suspiro e chego mais perto, por algum motivo sinto a necessidade de estar próximo a ela — Me desculpe.
     — Você tirou meu brinquedo... não sei se posso... — reviro os olhos mais uma vez e ela solta uma gargalhada — Eu estou brincando com você!
      — Vai ser muito cansativo... — aviso.
      — Eu dou conta.
      — Então, tudo bem.
     Caminhamos em direção a garagem da agência e eu uso o meu cartão de acesso  para poder entrar.
      — Qual vamos pegar? — seus olhos vasculham o carros e motos pelo local.
      — Que tal... — aponto para um carro que chamou minha atenção e chego perto dele.
      — Esse? — ela mostra um certo desinteresse e me sinto desafiado.
      — Só um minuto. — vou até o responsável e peço a chave do carro em específico. Aperto um botão e luzes roxas surgem no carro preto fosco — Viu só?
      Vejo um pequeno sorriso brotar de seus lábios e um brilho no olhar.
      — Nossa... — ela deixa escapar — Tá, eu admito que gostei dele. Posso dirigir?
     — Na ida você dirige e na volta, sou eu, pode ser? — proponho.
     — Aceito.
     Entramos no carro e por dentro ele é ainda mais bonito. Quando Luise coloca a chave na ignição e gira o painel moderno todo no preto e roxo arranca suspiros meus e dela.
      — Eu quero esse carro pra mim!
      — Eu também quero. — solto uma risada.
     Luise dá partida e apesar do motor de alta potência, quase não há barulhos nele.
     — Esse carro é perfeito!
     Saímos na estrada e andamos em direção ao beco que vimos nas imagens.
     — Ah! Tô tão ansiosa...
     — Entendo, foi muito tempo procurando e procurando...
     — E agora pode ser que a gente ache eles.
     — Sei como é a sensação.
     — E esse carro é tão...
     — Perfeito.
     — Pra mim!
     — Não vejo a hora de poder dirigir ele.
     — Não sei se eu quero...
     Olho para ela irritado, ela fecha o olho como se esperasse uma explosão da minha parte.
     — Nós combinamos! — falo baixinho.
     — Eu sei, mas...
     — Você concordou. — continuo no tom baixo.
     — É que ele é um carro tão legal de dirigir...
     — Eu vou morder você, se não me deixar dirigir! — ameaço.
     — Você não pode, eu estou dirigindo agora. — ela dá um sorriso atrevido.
     — Sem problemas, eu sou um cara paciente.
     — É mas... — ela diminui a velocidade — Eu posso demorar muito pra chegar...
     — Luise!
     — Tá bom! Tá bom! — ela volta a velocidade de antes e faz o famoso biquinho.
     Suspiro e balanço a cabeça rindo.
     — Temos que pensar em uma forma de entrar. — pego meu laptop.
     — Eu tenho uma forma.
     — E qual seria?
     — Você não me disse que é um cara paciente? — ela dá um sorriso travesso — Seja paciente e espere até o momento certo.
     — E quando será o momento certo? — gesticulo com as mãos.
     — Você é um Capenguinha esperto, você saberá.
    
    
     Depois de um tempo dirigindo, chegamos perto do beco misterioso, pegamos um par de armas cada um,  caminhamos um pouco e lá está.
      Parece um beco normal. – ela sussurra telepaticamente para mim.
      Balanço a cabeça e dou de ombros perguntando sobre o plano. Ela sinaliza com as mãos para que eu espere.
      Me pergunto quando vou aprender que tenho que medir certinho o tipo de coisa que devo dizer para essa mulher, a memória dela para essas coisas é comparável a do seu pai!
      – Vem comigo. – ela me chama com as mãos e a sigo.
      Paralelo ao momento de tensão de estar em uma missão, meus olhos focam na silhueta da Luise. Preciso balançar a cabeça para voltar a me concentrar.
      Ela me guia até a parede do beco e me chama com a mão novamente. Olho para ela intrigado, qual é o plano? O que eu devo fazer?
     – Só vai. – ela sussurra para mim.
     Ainda intrigado, estendo  a minha mão e toco a parede que não passa de uma espécie de cortina ilusória.
     — Fomos tapeados!  — ela sussurra segurando o riso.
     Quando vejo seu rosto ficar vermelho, fico desesperado que uma crise de risos comece. Luise respira e olha para o céu, mas quando volta a olhar para mim, ela não consegue segurar e simplesmente cai na gargalhada. Na hora do susto seguro seu braço e a arrasto para longe do beco. Abro a porta do carro e a coloco lá no banco detrás, entrando logo em seguida.
     Após uma série de gargalhadas ininterruptas, ela respira cansada e se senta no banco com as mãos na barriga.
      — O que deu em você? — pergunto olhando ao redor.
      — Eu olhei para você e não aguentei. — ela limpa as lágrimas.
      — Podemos ir agora?
      — Sim. — ela solta um riso e fico assustado, mas ela suspira parecendo recuperada.
     Após essa crise de risos voltamos para a parede. Como já percebemos que ela é falsa, entramos de vez. Do outro lado, há um corredor largo e escuro, mas não o suficiente para não enxergar. Há algumas portas que devem pertencer aos prédios locais. O lugar é silencioso e não há sinais de que há pessoas por perto.
      — Acho que é um túnel. — digo em voz baixa para a Luise.
      Continuamos seguindo pelo túnel que vai ficando mais escuro ao longo dele. Depois de certo tempo a luz começa a voltar e há uma nova parede falsa. Paramos e observamos. Seria horrível entrar em uma reunião dos inimigos. Como tudo continua em silêncio nós atravessamos. O que vemos é a saída em outro beco também aparentemente fechado.
      Bingo!
      Já sabemos como ele consegue escapar tão facilmente.
      — Melhor a gente voltar. — ela propõe e concordo.
      Começamos a andar na direção que viemos e então ouvimos um barulho de carro e uma luz começa a surgir. Puxo a Luise para perto de uma das lixeiras e nós nos escondemos atrás dela.
      O carro passa e olho com atende até decorar a placa e o modelo do carro. Olho para o lado e percebo que minha parceira faz o mesmo.
      — Vamos logo...
      Levantamos e caminhamos próximo as portas, caso outro carro apareça. Por sorte, chegamos ao carro sem nenhum problema adicional.
       Antes que a minha querida parceira de missão possa fazer alguma gracinha, entro no lado do motorista. Sorrio para ela de forma triunfante e recebo um olhar de falso desdém.
     — Descobrimos algo muito interessante.
     — Deve ter outros lugares assim por aí.
     — Temos que descobrir cada um.
     — Não podemos só andar por aí né?
     — Levantaria suspeitas.
     — No que tá pensando?
     — Em irmos de outra forma, mas temos trabalho daqui a pouco.
     Os primeiros raios de sol tocam o carro.
      — Esqueci que temos que trabalhar... — Luise demonstra desânimo — Mas podemos pedir folga, não é?
      — Podemos sim.
      Pego meu telefone no porta-luvas e digito uma mensagem para a Larah.
     — Pega o meu também?
     Me inclino e pego o telefone dela.
     — Obrigada.
     — Vamos voltar para a agência.
     
     Quando chegamos, deixamos o carro no estacionamento e nos despedimos daquela perfeição de quatro rodas. Vamos até outra sala de tecnologias e entramos a procura do objeto que acho que será muito útil nessa missão.
     — UM INSETO??? — Luise grita ao abrir a caixa.
     — Calma, são falsos. — tento acalmar ela — Vamos usar estes daqui que são menores. — pego uma caixa e uma pinça e mostro outros muito menores.
     — Mosquitos? — ela me olha incrédula.
     — Pequenos robôs. — com a pinça mostro a ela.
     — É sério? Mosquitos robôs?! — ela solta uma gargalhada.
     — E o melhor, eles realmente mordem.
     — Não... — ela diz em meio ao riso.
     — Sim, perfeito para conseguir DNA de maneira fácil e prático.
     — Eu não acredito nisso.
     Guardo a caixa com cuidado e pego outra com outros tipos de inseto.
     — Moscas, Ian?
     — Já viu como é difícil pegar uma mosca?
     — Moscas...?
     — E esta daqui é...
     — Uma mosca varejeira... — seu rosto faz expressão de nojo.
     — Exato, e ela pode deixar rastreadores.
     — Que são os ovos... — ela simula um vômito.
     — Isso mesmo. — pego outra caixa um pouco maior — E se você quiser assustar a Karen algum dia. — abro a caixa que contém aranhas — Olhe o tamanho das patas
     — Argh! Isso aí é se eu quiser matar ela de susto você quer dizer.
     — É.
     — Talvez um dia, deixe aí.
     — Sabia que ia gostar.
     — Shiu!
     — Tudo bem... Normalmente as pessoas não desconfiam dos insetos, eles são perfeitos para isso.
     — Vamos deixar eles de câmera por aí? — ela chega mais perto para ver.
     — Mais ou menos, nós vamos procurar outros becos e entradas falsas com eles.
     — Entendi... Mas ainda é engraçado.
     — É sim. — coloco a caixa de volta no lugar — Qual você vai escolher?
     — Hmm deixa eu ver melhor — Luise se aproxima e começa a olhar cada inseto, para alguns ela faz cara de nojo e para outros, ela franze a sobrancelha intrigada — Vou querer este aqui.
     A minha parceira aponta para um mosquito e ri.
     — Boa escolha. — sorrio para ela.
     — E ele ainda morde...
     Depois de escolher os insetos, vamos para a parte de configurar para que cada um possa usar os seus. Obviamente pegamos extras  para o caso de um dos pequenos serem esmagados ou algo do tipo.
     Quando terminamos, uso algumas setas e comandos no teclado para mostrar como ele funciona. Meu pequeno robô voa e pousa na mesa.
     — Apesar de estranho e nojento, é um pouquinho legal.
     — Só um pouquinho?
     — Como vamos levar eles até lá?
     — Precisamos pensar...
     — Eles podem voar até lá...?
     — Até podem, mas gastaria muita energia.
     — Ahm... — ela olha ao redor — Talvez...
     — Que tal a gente comer algo?
     — Não tô com fome.
     — Você não come nada a horas se o Josh souber...
     Ela solta o ar pela boca, um pouco irritada, mas concorda. Nós nos levantamos e andamos para fora da sala.
     — Não fique assim. — eu digo.
     — Hum.
    
     Na lanchonete da agência, pedimos comida e nos sentamos em uma mesa.
     — Se comer tudo, te dou algo bom.
     — O que?
     — Você só vai saber se comer tudo.
     Uma das poucas formas de convencer essa mulher a se alimentar direito é assim, contar para seu pai também ajuda, mas não posso usar essa carta o tempo todo. Tão ao contrário da sua irmã mais velha Karen, no "se você comer tudo-" ela já teria terminado e pediria por mais.
      — Não foi tão ruim, né? — pergunto quando terminamos o café da manhã.
      — Foi. — ela continua com sua expressão de falsa irritação — Cadê meu "algo bom"?
     — Um minuto.
     Vou até o atendente e peço a bebida favorita dela.
      — Todinho!!! — ela exclama feliz e caio na gargalhada.
     Esqueci que Todinho e batata frita são moedas de troca com essa garota.
    
      Depois do café voltamos a sala e ao dilema de como levar os insetos para a cidade.
      — Pelo correios? — ela dá mais uma sugestão.
      — Não sei, poderiam ser esmagados. — respondo.
      — Ônibus? — ela parece cansada — Sei lá, a gente entrega ao motorista e deixa rodando, quando chegar em um beco pedimos pra descer!
      — Não é uma ideia ruim.
      — O que? — ela ri surpresa — Era sarcasmo!!
      — Mas eu gostei.
      — Não acredito que você levou a sério.
      — Levei sim. Vamos colocar no ônibus e controlar daqui.
     
     Luise ainda ri do fato de eu ter aprovado a ideia. Talvez foi o cansaço, ou o sono, mas acabamos por começar a por em prática.

     
    
     
    
    
     
    
     

Muito bom, amigoOnde histórias criam vida. Descubra agora