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Almoçamos um pacote de bolachas aparentemente vencidas acompanhado de dois litros de refrigerante Dolly, pois era o que nosso baixo orçamento permitia.

— Pelo amor de Deus, me diga que você está brincando — Lucas pediu, rindo, enquanto dirigia, todo sossegado.

Fazia mais de uma hora que tinha assumido a direção, depois de acordar dum sono aparentemente tranquilo e bem pesado — tive que cutucá-lo diversas vezes para que ele, enfim, despertasse.

  — Tô falando sério! — Protestei.—Todo mundo têm sua alma-gêmea, está predestinado à ela. Então o destino irá uni-los, e eles serão felizes. É a lei da vida.

Ele coçou a cabeça, meio incrédulo, como se eu tivesse dito que, sei lá, a terra era mesmo plana ou algo do tipo.

  — Larah — começou, todo cauteloso —, as coisas não são tão fáceis e simples assim.

  — Eu sei que não — rebati —, mas se houver amor, Lucas...

  — O amor é algo irrelevante em um relacionamento.

  — Como é? — Perguntei, ofendida. — Você ouviu o que disse? Lucas, quando amamos alguém, respeitamos, lutamos, fazemos de tudo pra dar certo. O amor sempre vai ser o ingrediente principal. Pra tudo.

   — É bonito na teoria, mocinha — ele disse —, mas a vida real é bem cruel às vezes. Nem tudo é resolvido com amor. Existem coisas que esse sentimento, por maior que seja, não consegue curar.

  — Por exemplo...?

Lucas soltou um suspiro.

  — Certo. Existe um casal, que está perdidamente apaixonado. Paixão, não sei se sabe, dura cerca de dois anos. Então...

  — Não estamos falando de paixão — contestei.

  — Eu estou falando de paixão.

  — Mas eu estou falando de amor — Retruquei.

  — Jesus, você vai deixar eu falar?

— Eu tô deixando — me defendi.

  — Não, não está. Você está me interrompendo.

  — Claro. Você fugiu do tema! É contra a regra fugir do tema. Nunca fez Enem não?

Lucas soltou uma de suas gargalhadas, as lindas covinhas se afundaram, fazendo tudo em mim se agitar por dentro.

   — Prossiga — pedi, ignorando toda essa bagunça que acontecia desde que Lucas cruzou meu caminho.

   — Você vai me interromper? — Quiser saber.

  — Estou só expressando minha opinião — argumentei.

  — Então  prometa que vai expressar sua bendita opinião quando eu terminar minha história.

Rolei os olhos.

  — Combinado, senhor Lucas-sabe-tudo. E quando você terminar com essa sua história, que não deve ter pé nem cabeça, vai ter que ouvir a minha.

  — Eu ouço — garantiu —, mas te coloco pra fora do carro se falar muita baboseira.

Acabei rindo.

— Então — soltou outro suspiro —, como eu estava dizendo, antes de alguém me interromper, esse casal, um homem e uma mulher para ser exato, estavam, a princípio, perdidamente loucos de paixão. Tudo era perfeito. Porém, eles queriam coisas diferentes, desde o início. Enquanto um quer casar na igreja, constituir uma família e ter filhos, o outro estava a fim de diversão de curtir a vida em baladas, encher a cara e...

  — Com certeza é a mulher quem quer construir uma família — opinei.

Lucas me lançou um olhar reprovador.

  — Foi mal — me desculpei —, não vou te interromper mais. Juro.

Ele aquiesceu. E sorriu.

  — Dessa vez passa. Contrariando sua opinião, mocinha, é justamente o oposto. O homem quer algo sério, pensa no futuro, deseja filhos. A mulher está mais focada no trabalho, na sua liberdade, alega não ter nascido pra isso. E nenhum dos dois estãoerrados por pensar assim, só que não dá pra insistir numa relação quando há tanto embate. Opostos se atraem, mas não se aturam. A gente aprende isso na marra. Então, em nome desse amor que você tanto defende, os dois seguem adiante. Não se casam na igreja, porque ela não quis. Adiam os planos de terem filhos, porque ela não está pronta, sexo somente com camisinha. Ele tenta, a todo custo, salvar uma relação que desde o início estava fadada ao fracasso. Num belo dia, chegando em casa com um buquê de flores, depois de terem brigado feio, veio a lição. Encontrou sua esposa na cama, transando com o melhor amigo dele.

  — Meu Deus! — Tapei a boca.— Eles terminaram depois disso?

— Não — e riu, irônico —, ele resolveu perdoar. Até que a menstruação dela atrasou um mês. Depois outro. E mais outro.

  — Ela estava...?

  — Sim, grávida. E não era do cara a quem jurou amor, do cara que sempre lhe pediu um filho, do cara que, a pedido dela, nunca a levou para a cama sem usar preservativo.

Fiquei em silêncio por alguns segundos, meio que digerindo toda aquela informação.

  — E é isso, Larah. O amor é um jogo, onde um dos parceiros irá trapacear em algum momento.

  — Era você? O tal cara? — Perguntei, curiosa, e bem chocada para ser sincera.

  — Não — ele respondeu, sério —, foi um primo meu. Sua vez, mocinha. Conta aí sua grande teoria.

  — Tá — comecei —, primeiro eu quero dizer que essa história é muito diferente dos livros que eu costumo ler.

Lucas riu alto.

  — Só você, Larah. Só você. — disse, ainda rindo. — Quer dizer que esse papo todo de alma-gêmea e amores eternos é baseado em livros melosos de ficção?

Foi a minha vez de suspirar.

  — Eu não sou burra, Lucas. Eu sei que a vida real é diferente. Mas eu queria viver um romance digno de livro, queria que Ricardo ao menos se parecesse com um mocinho de um, que me amasse acima de tudo — um nó tapou minha garganta —, mas, às vezes eu acho que se fosse eu quem tivesse sumido, ele daria graças a Deus.

  — Então ele é louco! — Exclamou, ofendido.

  — Vai ver ele esteja certo.

Lucas me encarou, havia uma espécie de adoração incrustrada em seus lindos olhos azuis.

  — Não — discordou —, não está. Porque mesmo sendo teimosa pra cacete, bastante tagarela e um perigo iminente no trânsito, você ainda é a mulher mais extraordinária e incrível que eu conheci, Larah.

Com a mão livre, acariciou meu cabelo.

  — E a mais linda também — acrescentou, a fala carinhosa.

Meu coração bateu forte dentro do peito, lágrimas empoçaram meus olhos, e eu o agradeci, bem baixinho.

Sempre tive uma vontade insana de beijar Lucas, foi assim desde a primeira vez que o vi, naquela boate. Mas agora, eu queria, mais do que tudo, abraçá-lo bem forte.

  — Você só tá dizendo isso pra puxar meu saco — zombei, tentando dissipar toda a emoção que se alojou em meu peito.

  — Mas é claro — sorriu, divertido —, você tem uma arma.

O Noivo Sumiu - em busca de respostasOnde histórias criam vida. Descubra agora