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Demos voltas e mais voltas à procura de informações que nos levássemos para A Passeata do Amor, contudo, o pessoal sempre sabia dizer o ponto de chegada — um espaço enorme, numa das ruas principais —, mas nunca o ponto de partida.

Parece que todo ano o local mudava.

Depois de praticamente uma hora caminhando, exaustos e famintos, avistamos uma turma bem extensa, com carros buzinando,  e pessoas de preto, caminhando vagarosamente enquanto uma batida evangélica tocava bem distante.

  — Ali — apontei —, a bendita passeata.

  — Eles parecem tão mórbidos — Lucas comentou.

  — Talvez estejam cansados. Vamos acompanhar.

Ainda exaustos, nós caminhamos rumo à passeata por quase uma hora.

Foi quando atravessamos uma rua, e a música: "Segura na mão de Deus e vai.” começou a tocar, que me dei conta de que não estávamos indo à uma Passeata coisa nenhuma.

Estávamos indo a um enterro!

  — Eu tenho a leve impressão de que você errou o caminho, mas não tenho tanta certeza — Lucas zombou. — Você não confundiria uma passeata que celebra o amor com um cortejo rumo a um cemitério, não é?

Rolei os olhos.

  — Nem vou me dar ao trabalho de rebater. — e suspirei, frustrada. — Fala sério, caminhamos tanto pra nada!

Uma senhora bem simpática veio em nossa direção, tão logo iríamos fazendo o percurso de volta.

  — Obrigada por virem. Adolfo tinha muitos amigos. Tinha sim. Meu marido era um anjo. Vocês o conheceram?

  — Na verdade...

  — Sou tão grata — me interrompeu, segurando firme minhas mãos. — Esperem para a celebração. O último desejo de Adolfo era servir um banquete daqueles para quem viesse ao seu enterro.

Meu estômago roncou.

  — Éramos tão próximos — Lucas disse, fingindo comoção —, foi uma perda terrível.

  — Terrível — repeti. — Adolfo era um senhor super maneiro. E se eu o conheço bem, aposto que nesse banquete terá uma feijoada bem caprichada.

A mulher alargou o sorriso.

  — Veja só! É exatamente o que serviremos também.

Obrigada, Deus!

Comemos tanto.

Dona Ruth era tão gentil, ainda nos ofereceu comida para levarmos para uma viagem tão longa e cansativa rumo à cidade onde conhecemos seu Adolfo.

Pelo que todos contaram, era um senhor bem alegre, de bem com a vida, que exigiu uma grande festa em seu funeral.

Teve até cantor ao vivo durante o farto banquete.

  — Ele queria sair dessa vida em grande estilo — ela me contou, quando estávamos sozinhas na cozinha.

  — É uma maneira bem bonita de se despedir — falei num tom carinhoso.

  — É, é sim. — E fungou.

  — Como a senhora está lidando com tudo isso?

  — Estou bem. — Respondeu, depois de um suspiro. — Combinamos de nos encontrar em outra vida.

  — E a senhora tem certeza de que isso é possível?

  — Tenho — garantiu. — Cada um tem sua crença, e eu respeito. Mas, Larah, certo...?

Assenti.

  — Larah, se eu não me agarrasse à essa certeza, certamente estaria no fundo do poço agora. E de todos os lugares possíveis que eu pudesse estar, lá seria o último em que eu encontraria meu marido.

Aquiesci, emotiva, e voltei para a sala, deixando-a sozinha com a dorzinha insuportável da saudade.

Depois nos despedimos, com a promessa de que voltaríamos mais vezes — obviamente isso não aconteceria —, então pedi em silêncio que a crença de dona Ruth se tornasse real.

Algo me dizia que  ela encontraria seu Adolfo outra vez. Fosse em outra vida, outro plano, ou até mesmo dentro do seu coração.

Sentamos numa calçada qualquer, cansados. A culpa me atingiu em cheio, alojando-se em meu peito, me deixando sufocada.

Lá estava Lucas, ao meu lado, parando toda sua vida para me ajudar a encontrar um cara que não teve, em suas palavras, a decência de romper comigo.

Meus olhos marejaram, e eu segurei bem forte em meu pingente, misturando-o com o suor das minhas mãos.

  — Não chore — pediu —, ele não te merece.

  — Não tô chorando por causa de Ricardo — confessei. — Você é um cara legal, Lucas. Eu só, você sabe, eu...

  — Vem cá — e me abraçou —, se esse for o melhor pedido de desculpas que eu vou conseguir de você, então que faça isso bem perto de mim.

Solucei.

  — Eu não queria ter pensado aquilo de você — jurei.

  — Eu sei disso, mocinha.

  — Você é o cara mais bacana que eu já conheci.

  — Eu também sei disso — e riu, beijando o topo da minha cabeça.

  — Obrigada, mocinho.

  — Nós vamos achá-lo — prometeu —, e depois conversaremos melhor, eu e você. Combinado?

  — Combinado.

  — Agora enxugue essas lágrimas — ordenou —, temos um carro para recuperar.

Nos levantamos e seguimos adiante.

Não conseguimos acompanhar a Passeata, mas achamos o local do evento.

Estava lotado. Casais de todo tipo; homens com mulheres, mulheres com mulheres, homens com homens, trisais.

Tinha de tudo por lá.

Muita música também, conversas altas e bastante pegação.

  — Eles levam a sério a parada do amor — comentei e Lucas riu.

A fila foi andando e quando chegou nossa vez, a supervisora, que era Drag Queen, nos fez um bocado de perguntas, nas quais eu deixava Lucas responder pois estava extasiada com a magia do lugar.

  — Irão se apresentar para a última prova, meus queridos? — Inquiriu.

Não.

— Sim — Lucas respondeu tranquilamente — , nós iremos.

  — Então já sabem o que fazer — e sorriu, com diversão.

Lucas me encarou de cenho franzido.

“Para validar a participação, a supervisora precisa de uma prova.”

A voz de Annie reverberou em meus pensamentos, me fazendo estremecer por completo.

  — Que foi? — Lucas indagou.

  — Ela precisa de uma prova — contei em pânico —, ela precisa que você me beije.

O Noivo Sumiu - em busca de respostasOnde histórias criam vida. Descubra agora