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Eu lia um livro na sala enquanto papai preparava o café da manhã. Era um romance de época, desses de banca, que ganhei da Madá quando atingi a maioridade e podia ler cenas de sexo.

Madá.

Ela nem me respondeu ainda, decidi respeitar seu tempo. A coisa deve ter sido feia, nunca presenciei uma briga dela e de papai, os dois sempre foram tão amorosos um com o outro.

  — Tudo pronto, boneca.

  — Oba. Valeu. Eu juro que faço o almoço.

  — Isso é um tipo de punição?

Eu ri.

  — Ei, eu sei fazer um arroz.

  — Larah, eu amo você mais que a mim, mas vamos combinar que você é uma péssima cozinheira.

  — E em quê eu sou boa, hein? Em fugir com um desconhecido atrás de um noivo que sumiu? — Zombei.

Ele virou para trás.

  — Você será uma boa advogada.

Segurei em meu pingente.

Esperava que, com tudo que disse lá na igreja, quando Ricardo desapareceu, papai entendesse que eu não tinha a menor vocação para direito.

Eu fui presa, caramba.

  — Por que Madá foi embora? — Perguntei, tão logo nos sentamos à mesa.

Papai olhou para o café, pensativo.

  — Eu fui um idiota. Pus a culpa nela quando você foi fugiu. Passaram os dias e ela começou a me evitar. Até na cama.

Tossi, constrangida.

  — Por favor, papai, não me dê esses detalhes. Na minha cabeça meu irmão foi encomendado pela cegonha.

Papai riu.

  — E aí, o quê rolou em seguida? — Eu quis saber, bebendo um gole do suco.

— Eu questionei e ela disse que não suportava nem olhar na minha cara mais. Que estava enjoada do meu cheiro, da minha voz, e até da maneira como eu, hã... Da minha performance na...

  — Entendi, papai. — Eu o cortei, toda corada. — Não complete a frase.

Papai assentiu.

  — E ela decidiu ir embora assim, duma hora pra outra?

  — Não exatamente. Mas aquilo foi o fim pra mim. Acabou comigo. E eu disse que se ela não estava mais satisfeita, que pegasse as coisas e fosse embora.

  — O senhor a expulsou? — Indaguei, perplexa.

  — Sim.

  — Mas é a Madá.

  — Não a minha.

Segurei em sua mão, lhe dando apoio. Papai estava sofrendo. Gustavo estava sofrendo. Eu estava sofrendo.

E muito.

Lembro que acordei aos prantos essa manhã, apertei o travesseiro com força, tentando dizimar a dor que sentia sempre que os olhos azuis de Lucas vinham em minha mente.

Praticamente toda hora.

Ao me levantar, jurei que não ficaria mais chorando pelos cantos, porque eu ainda podia, queria, e iria fazer algo por ele.

Por tudo que meu mocinho passou naquela maldita cama de hospital.

Por todo seu sofrimento.

Por quase perder sua vida devido a um bombom envenenado.

Pelo amor imensurável que sinto por esse homem.

Por tudo isso junto, eu lutaria.

Não para tê-lo de volta.

Mas para algo ainda maior que isso.

Justiça.

Alguém bateu na porta e eu fui atender. Do lado de fora estava Ricardo, o olhar cansado, cabelos desgrenhados e não tão bem vestido como de costume.

  — O que você quer? Me pedir em casamento?

  — Eu ainda te devo explicações. Serei breve e nem faço questão de entrar.

  — Eu não ia te convidar.

Ricardo riu.

  — Foi essa sua língua afiada e sua maneira de sempre falar o que pensa que me fez te escolher.

Permaneci quieta.

  — Você mencionou uma carta ontem.

  — Sim. Ângela me entregou uma.

  — Aquela era para o Beto.

  — Eu sei.

  — Essa era pra você. Quando Beto e eu — baixou o tom de voz —... voltamos pra valer.

  — Você sente vergonha do seu romance com o Beto, Ricardo?

Ele baixou a cabeça.

  — Sinto. Não deveria, mas sinto.

  — Eu nem sei o que dizer.

  — Tudo bem. Só quero que leia essa carta. Não peço que me perdoe, mas aqui está tudo. Tudo o que eu não consegui te dizer durante esses seis anos.

Peguei o envelope lacrado.

Ricardo me olhou, como se fosse a última vez, e foi embora.

Não nos despedimos.

Já não precisava mais, acho que nosso adeus aconteceu há muito tempo e eu nem reparei.

Dizem que o amor é cego. Discordo, o amor puro e verdadeiro nos faz enxergar e ver a vida de um jeito mais leve. A venda que nos tapa o olhos vem quando nós vivemos em função de outra pessoa.

Como eu vivi.

Soltei um suspiro, entrei e fui direto para o quarto, nem terminei de comer.

Me deitei na cama, e comecei a folhear os papeis que, dessa vez, foram destinados a mim.

O Noivo Sumiu - em busca de respostasOnde histórias criam vida. Descubra agora