Acordei numa baita duma ressaca.
O quarto girava, minha cabeça doía, meu estômago embrulhava de enjoo e eu me sentia zonza, fraca e moralmente humilhada.
Abrir os olhos exigiu de mim um esforço hercúleo, mas consegui fazer isso mesmo assim.
Me arrependi de imediato.
Lá estava Lucas, sentado na beirada da cama, sorrindo, todo contente.
Como ele podia sorrir depois de eu ter vomitado em cima dele?
Como ele ainda podia me olhar daquele jeito depois de tudo?
— Bom dia — saudou, energético.
— Só se for pra você — resmunguei —, se o fim do mundo for parecido com isso aqui, então estamos ferrados.
— Faz muito tempo que teve uma ressaca?
— Eu tinha 18 anos. Um ano depois de ter conhecido Ricardo. Brigamos feio e eu fui cair na farra com Linda e Bela, então passei a noite fora e quando cheguei, pela manhã, papai me esperava na sala. Ao invés de me dar sermão, me abraçou bem forte e chorou. Eu nunca o tinha visto chorar desde a morte da mamãe. Então jurei que não faria mais aquilo.
— Mas estava na listinha de desejos — Lucas observou —, por que colocou lá?
— Porque, quando Ricardo me pediu um tempo ano passado, eu percebi que estava me anulando pelos outros. Que já não era mais eu. Aí criei essa listinha, com coisas que eu gostaria de fazer.
— Realizou alguma?
Sorri.
— Bom, eu caí na noitada. Isso conta.
Lucas riu, mas ficou sério em seguida, então segurou firme minha mão.
— Os protestos acabaram, a estrada está liberada. Vamos seguir adiante ou voltaremos para casa?
— Voltaremos para casa.
Ele suspirou, aliviado.
— Antes de tudo, há coisas que quero te contar. Mas o que acha de comer algo?
Fiz cara de nojo.
— Não desce nada.
— O que seria bom pra uma ressaca?
— Uma coisa melequenta que minha amiga jura que é gostoso. Ela chama de mingau de cachorro.— Minha mãe fazia — Lucas disse —, a gente chama de mingau d’água. Espera, eu vou fazer pra você.
— Não precisa ter esse trabalho todo.
— Claro que precisa — ele rebateu —, não quero correr o risco de ser todo vomitado quando for te beijar de novo.
Eu fiquei envergonhada, meu coração bateu forte e minhas bochechas arderam.
A parte mais sensível do meu corpo ficou molhada, e, se não fosse todos esses sintomas chatos duma ressaca insuportável, eu me atiraria em Lucas e realizaria um dos desejos mais aguardados da minha listinha.
— Vai — ordenei, ruborizada —, vai fazer esse mingau de cachorro. Arrume suas malas, mocinho, voltaremos ainda hoje.
Lucas aquiesceu e saiu, emotivo.
Só que mais de uma hora se passou e nada de ele voltar.
Alguns detalhes que, não sei por qual motivo eu deixei passar , vieram em minha mente.
Lucas mencionou meu sobrenome, na apresentação da última prova, lá na Passeata. Mas eu nunca me apresentei a ele como Larah Alves.
E ontem, na balada, ele falou o nome do papai. Eu nunca falei o nome do papai durante esse tempo todo.
Ou falei?
Não, não. Eu tinha certeza que não.
Achando tudo isso muito estranho, me levantei, escovei meus dentes e saí do quarto.
A voz de Lucas, vindo do quarto dele, me fez ir até lá. A porta estava entreaberta e ele zanzava de um lado para o outro, agoniado.
— Eu juro que ela está bem — disse ao telefone. — Ela sou eu? — Voltaremos hoje, Gustavo. Ela quer ir.
Guga?
Desde quando Lucas conhece Gustavo?
Desde quando eu conheço Lucas?
As lágrimas ensoparam meus olhos, o enjoo aumentou e eu me senti sufocada demais.
Enganada demais.— É, eu sei que o combinado era levar a Larah antes, mas, olha, aconteceram alguns contratempos. Tá tudo certo agora, cara. Confia em mim.
— Pra quê? — Perguntei, invadindo os quarto, o celular de Lucas caiu no chão — Pra quê meu irmão vai confiar num cara que é um tremendo mentiroso?
— Larah — se aproximou, eu me afastei.
— Fica longe — ordenei, ríspida.
— Eu posso explicar.
Ri, sarcástica.
— É o que todos dizem, não é? Aprontam, mentem, traem nossa confiança e depois juram que tem alguma explicação pra tudo aquilo.
— Não diz isso — suplicou, aflito —, há uma explicação, acredite em mim.
Mais passos para trás, lágrimas descendo, um aperto chato no peito.
— Eu acreditei, Lucas! — Berrei. — Acreditei em príncipes encantados, contos de fadas e em um cara que estava ao meu lado me ajudando quando na verdade ele só estava cumprindo uma merda de dever.
— Não foi isso, mocinha.
— Pare de me chamar assim — implorei, aos prantos.
— Não chora. Não por mim.
Me recompus.
— Vem cá, seu nome é Lucas mesmo? — Perguntei com ironia. — Você é uma espécie de detetive? Minha família te pagou pra você cuidar da irresponsável e ingênua Larah?
— Não é isso. Vamos conversar um pouco — desesperado, fez menção de vir até mim, mas se conteve. — Vamos voltar pra casa.
— Vai embora, Lucas. Eu não preciso mais de uma babá. Meu destino nunca deveria ter cruzado o seu.
E corri.
Ele veio atrás e segurou em meu braço.
— Pensei que você fosse diferente — confessei —, mas você é igual a todos os caras que mentiram pra mim.
— Por favor. Por tudo que passamos juntos.
— Não — me soltei e dei as costas.
— Larah — ele chamou, amedrontado. — Me perdoa.
Olhei para trás e enxuguei o rosto.
— De todos os caras no mundo, Lucas, você era o último que eu não imaginava que me pediria esse tipo de perdão.
E entrei.
Lucas bateu na porta algumas vezes, implorando que eu abrisse, mas eu ignorei, afundei as mãos nos cabelos e, silenciosamente, tornei a chorar.
Me sentia cansada de tantas mentiras.
Se eu tivesse o poder de voltar no tempo, eu não beijaria Ricardo naquela festa, seis anos atrás, não engataria um romance que desde o início dava sinais de que não daria certo, e, definitivamente, não embarcaria nessa viagem com um tremendo mentiroso.
Assim, eu teria protegido meu coração, ao invés de tê-lo entregado para Lucas.
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O Noivo Sumiu - em busca de respostas
Romance.."Larah está feliz da vida. Depois de tantos altos e baixos em seu relacionamento com Ricardo Albuquerque - seu namorado de longa data -, as coisas finalmente parecem se ajeitar assim que ele a pede em casamento. Ela está tão perdida em seus sonhos...