Capítulo 4

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JASON

-Espero que não leve a mal, jovem, mas um cliente pediu e saiu, quando fui entregar, ele simplesmente não estava mais, deixou apenas o pagamento sobre a mesa, talvez estivesse apressado.
Por favor, aceite como cortesia da casa pela demora, só tem você de cliente e seria horrível desperdiçar todo esse alimento. -despeja as palavras rápido e sai, quase correndo, de volta pra cozinha.

Meu cérebro começa a raciocinar o que aconteceu, porém a fome é maior e começo a comer como se não houvesse amanhã. 

Quando estou quase terminando, ele volta para trás do balcão. Termino e fico um tempo sentado pensando.

Realmente seria mais fácil se eu acreditasse em Deus ou no destino. Após alguns minutos me aproximo:

-Como ela se chama? -pergunto direto, não sou de rodeios. Ele me olha com cara de criança pega fazendo traquinagem.

-Amy Richards.

-Só quero deixar claro que não preciso de caridade nem pena de ninguém, senhor...?

-Wilson, Claude Wilson.

-Sabe onde ela mora? Faço questão de pagá-la na volta. Coisas aconteceram, eu não sabia que aqui só se recebe dinheiro e não trouxe e não tem onde sacar.

-Entendo. Percebi quando você perguntou o preço do café. É tão barato em qualquer lugar, que ninguém pergunta, a não ser que esteja com pouco dinheiro.
E não, não sei onde a Srta. Richards mora, ela vem pouco e nunca demora. Nunca perguntei nem ela falou, mas não deve ser difícil encontrá-la, esse vilarejo é um ovo -abro a boca pra falar mas ele levanta um dedo,  avisando que ainda não terminou- não sei o que houve, rapaz, nem ela sabe. Mas isso não se chama pena ou caridade.
O nome disso é empatia.

Nem terminara de falar, foi me entregando uma sacola, que reconheci na hora, era do mesmo tipo que ela levava- só me disse que sabia reconhecer uma pessoa em dificuldade a quarteirões, pois já esteve na mesma situação, e que gostaria que alguém tivesse feito o mesmo por ela, quando precisou.

Aquilo me calou, tudo que pensei em falar perdeu a razão. Sem saber o que dizer ou fazer, pego a sacola e murmuro uma das palavras que raramente digo ou escuto:

-Obrigado.

Saio desnorteado. Caminho no automático na direção de onde deixei o carro, minha mente está nublada, não consigo raciocinar, parece até que estou flutuando. 

Será que tinha algo na água que bebi? 

Entro no veículo, doido pra ver o que estou carregando. 
Preciso também pensar nos meu próximos passos.
Agora sim, posso oferecer trabalho em troca de algumas coisas.

Abro a sacola e tem 4 garrafas de água, alguns pacotes de biscoito, barras de cereal, algumas fatias de pão, 1 pote de geléia, 2 latas de atum, 2 de milho e 1 de pêssego, sobre a tampa dessa, um papel enrolado, grudado com fita adesiva. Solto o embrulho e tem 200 dólares. 

Olho pra tudo aquilo e sinto uma sensação estranha no estômago...
O que puseram na comida?

Mas não, não é que a comida fez mal, não sinto nada ruim, mas é algo totalmente desconhecido pra mim.

Meu cérebro parece que deu um nó. Um calor se espalha pelo meu corpo, meus músculos amolecem. Não me sinto mal, mas estou estranho.

Novamente, meu peito queima e, pela primeira vez após quase 20 anos, senti vontade de chorar. Não pelos motivos daquela época, não pela dor da perda, das queimaduras ou da solidão.

Mas não sei explicar.

O que eu tenho? O que está acontecendo comigo???  

Respiro fundo, tentando me controlar. Tento ocupar minha mente planejando o que tenho que fazer em seguida: abastecer, descansar um pouco, seguir viagem, chegar a um local civilizado E conectado, pesquisar por Amy Richards e... 

Não!!!
Vou continuar minha caçada! É esse meu objetivo principal.

E sim, procurar saber quem é essa mulher. Mas primeiro, descobrir o paradeiro daquele verme.

Ignoro o peito queimando e sigo para a conveniência para comprar combustível. O mesmo senhor de antes me cumprimenta, sorrindo:

-Opa, grandão! Então vai aceitar o combustível?

-Vim comprar. Vou encher o tanque -respondo sem vontade, não gosto de conversar.

-Então conseguiu o dinheiro, que bom!

Não sei o que responder. 
Com que cara eu diria que me deram dinheiro? 

Ele diz o valor, pago e vou abastecer. 

Pergunto sobre um local para descansar, e ele  explica que por ser um povoado pequeno e sem atrativos, não tem pousadas, mas que possui dois quartos nos fundos, disponíveis para hospedagem, e oferece por um valor bem módico, que segundo ele, inclui o jantar.

Sou guiado pelo lado de fora até o quartinho, que é pequeno e tem banheiro, roupa de cama e toalhas, tudo muito simples, bem diferente do luxo a que estou acostumado, mas é bem limpo. 

Vou ao carro pegar minha bolsa, preciso tomar um banho e trocar de roupa, porém só tenho uma troca, não sabia que ficaria nesta situação e trouxe pouca coisa.

É quase impossível, mas pergunto se tem lavanderia, ele afirma que o vilarejo tem e por 2 dólares, irá providenciar para mim, ficará pronto no início da tarde. 

Tomo um ducha quente e deito. 

Reflito como esse lugarzinho está me fazendo viver experiências que jamais tive em meus 34 anos de vida.

Nunca passei sequer necessidade, sempre tive fartura e tudo que eu quisesse, era só comprar. Meus pais eram abastados e me deixaram uma boa herança. Meu trabalho paga muito bem.

Mas nos últimos dias, trocentas adversidades aconteceram: bati o carro, passei fome, sede, frio, sono, cansaço e pior, não pude usar as ferramentas que sempre me garantiram resolver tudo que preciso: dinheiro e tecnologia. 

Fiquei totalmente vulnerável. Considero receber comida e dinheiro de pessoas desconhecidas, inconcebível!

A última vez que dependi de alguém pra alguma coisa, foi quando estava me recuperando do incêndio, mas os profissionais que cuidavam de mim eram muito bem pagos para isso. 

A sensação de dependência me causa muito incômodo, entretanto receber essa "assistência", por mais que queira negar, no fundo, me causou uma impressão boa, me fez reviver sensações que só experimentei antes da tragédia. 

Sinto novamente aquela queimação e meus pensamentos involuntariamente voam para aquela mulher. Amy Richards. A forma como me olhou, sua voz, aquele cheiro suave... 

Por quê?

Porque me ajudou, mesmo eu sendo um estúpido?

Se bem entendi, no momento em que mais precisou, ninguém fez nada por ela, e quando percebeu que eu estava em dificuldade, achou que devia ajudar, mesmo sem receber algo em troca, afinal, tentou se manter anônima, para que eu não soubesse que foi ela .

É isso? 

Não vejo o menor sentido, pra mim tudo sempre teve um preço. 

Empatia, ele disse. Essa palavra ressoa em minha mente.
Até sei o que significa, mas nunca teve importância pra mim.
Até hoje.

MonstroOnde histórias criam vida. Descubra agora