Capítulo 25

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AMY

Não dá 10 minutos e Jason me responde:

Posso ir aí?


Pensei em dizer que não precisava, mas antes que escrevesse qualquer coisa, ouvi um leve bater na porta e esta ser entreaberta. Meio que no automático, olhei na direção e ele me viu. Nem tinha como disfarçar que estava dormindo.

O quarto estava envolto na pouca claridade do início do dia. Eu gosto bastante assim, então sempre deixo uma nesga de cortina aberta. Ele se aproxima, sobe na cama e senta ao meu lado.

- Amy... posso tocar em você? Só no seu cabelo, tudo bem?

Acho estranho esse pedido, mas concordo.

Logo após, sinto seus dedos -os dedos mesmo, ele está sem luvas- deslizarem delicadamente pelo meu couro cabeludo, em seguida descerem pelo comprimento e depois voltarem ao movimento inicial. Esse carinho é tão aconchegante, meu corpo relaxa, parece que estou derretendo... meus olhos pesam... ele continua sucessivas vezes, até que apago.

Acordo e o quarto quase não tem claridade. Observo que as cortinas estão bem fechadas. Deve ter sido Jason.
Que horas são?

Há uma mensagem dele dizendo que precisou trabalhar e pedindo para avisá-lo quando acordasse.

Eita, 11:18!

Levanto devagar. No banheiro, me olho no espelho e minha cara está abatida.
Tomo banho, me troco e desço. Como não o encontrei na sala ou cozinha, acredito que esteja no escritório do porão.
Ele já sabe que estou entrando, pois ao abrir a porta, já o vejo levantando-se, olhando em minha direção.

- Como você está?

- Melhor, obrigada.

- Deve estar com fome. Precisa se alimentar. Vamos. -ele diz e subimos para a cozinha.

- Na verdade, não tanto. Acho que posso esperar o almoço.

- Já está pronto. Pedi a Peggy para fazer.

- Ah, bom. Então vamos almoçar.

- Sente. -ele puxa uma cadeira pra mim e logo põe e mesa e nos serve.

Comemos em silêncio, quando lembro de algo:

- À tarde preciso trabalhar. Tenho coisas a fazer.

- Mas não precisa. Se for algo que possa esperar, faz amanhã e se não puder, você delega.

- Não sei. Talvez seja melhor me ocupar.

- Você decide. Mas em casa não precisa fazer nada. Tem comida suficiente para o jantar. Infelizmente, tenho alguns assuntos urgentes na empresa, então preciso trabalhar à tarde. Mas farei tudo para encerrar cedo.

Parece preocupado comigo, mas não há muito o que possa fazer.
Ele lava e guarda a louça e arruma a cozinha.
Decido ler um pouco, ver Jane e verificar o jardim e a estufa. Adoro a natureza, as flores... tudo isso me ajuda a sentir melhor.

No caminho, passo nos estábulos, mas Brad, meu assistente, já cuidou de tudo.

- Oi, minha menina -Jane franze as sobrancelhas quando me vê -o que você tem?

Minha aparência deve estar horrível.

- Cólica. -digo, disfarçando.

- Vem, vamos tomar um chá. -ela passa o braço por meus ombros e me guia pra dentro.

Enquanto esquenta a água e arruma as xícaras, me olha com pesar.

- Menina Amy, sei que não é só cólica, mas não precisa falar se não quiser.

Sabe aqueles dias em que você não está ligando pra nada?
Eu, hoje.

Enquanto tomamos chá com bolo, conto, resumidamente, parte da história do que passei com Dawson, sobre a gravidez e o aborto e como o dia de hoje trouxe à tona diversas memórias ruins. Omiti, claro, minha infância.

- Oh, Amy, não tenho palavras! -exclama, emocionada, ao mesmo tempo em que levanta e me abraça.

Derramo algumas lágrimas e já não sei quais são de tristeza ou de emoção. Há muito tempo não recebo tanto carinho. Mesmo no orfanato, as pessoas eram boas, mas frias, não existia afeto.
Já era reservada e solitária por natureza e ninguém fazia o menor esforço para se aproximar.

- Eu sei que não tem como apagar o que passou, mas espero que aqui você esteja tão feliz e seja cada vez mais, a ponto de que as lembranças ruins se tornem cada vez mais escassas e menos dolorosas.

Já se passara 1 hora, desde o lanche, quando batem à porta. Jason veio me buscar.

Após jantar, ele me chama para ir ao píer.
Ficamos um tempo sentados em silêncio, então tiro os pés da água e deito de costas, ao que ele me acompanha e ficamos contemplando o céu.

- Eu sei que dia é hoje. -ele diz e gelo.

Claro, como investigou minha vida e tem meios para descobrir, ele sabe. Mas não imaginava que lembraria.

E o que eu digo?

- Hmmm...

- Sim. E, Amy, o que aconteceu é imutável e sua dor não pode ser tirada. Sou ruim em falar, o que não significa que eu seja ruim em ouvir. Sinto muito por tudo e sei que não posso fazer nada, mas estou aqui, disponível pra você.

Faz muito mais do que imagina, penso comigo mesma.
Meu coração aqueceu tanto com suas palavras que parece estar se liquefazendo.

Fico calada alguns minutos, tentando assimilar tudo.

- Todos têm dias ruins, independente de qual seja a dor e qual o tamanho dela. Hoje foi um dos dias ruins para mim. Mas eles são cada vez mais raros. Sei que, apesar de tudo, sou uma sobrevivente. Superei as piores experiências que a vida me deu e estou seguindo em frente. -viro meu rosto na direção dele, que faz o mesmo, e fito seu rosto- e quero, e espero... que você também!

Ligo o foda-se (é, mais palavrão, mas... ora, foda-se!) e continuo, sem desviar o olhar:

- Você sabe quase tudo sobre mim, mas não sei quase nada sobre sua história, Jason. No fundo, eu acho... sinto que você é um lutador, um sobrevivente assim como eu.

Ele não hesita e continuamos a nos encarar.

- Além de não saber me expressar, não gosto de falar do meu passado... -nessa hora, eu volto a olhar para o céu. Ok, vou continuar sem saber nada, ele não vai compartilhar. Fico triste, mas tudo bem. Tem que ser espontâneo. -mas para você, eu falo. Só que você nunca perguntou. Prefiro que pergunte, é mais fácil para mim dessa forma.

Torno a olhar para ele, boquiaberta, e novamente, para cima:

- O que houve com seus pais? Sei que morreram, mas o que aconteceu?

- Um incêndio. Criminoso. Eu tinha 11 anos. -seu tom é grave, reflexivo.

Puta merda!

Não é possível.

Que horror!

Um incêndio...

AS CICATRIZES!

QUEIMADURAS!

OH MEU DEUS!!!

😥







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