AMY
A ficha caiu.
Doeu em mim...
Uma criança.
Só uma criança!
Ainda em choque, acabo perguntando:
- E foi nesse incêndio que você se feriu?
- Sim. Por causa disso sou deformado. -diz frio.
- E... o que aconteceu depois? Como foi sua vida? -Deus me perdoe, mas quero saber.
- Fiquei muito tempo internado e depois meses em tratamento domiciliar. Thomas e Jane cuidaram de mim. Então, parei de frequentar a escola, fiquei estudando em casa. Como não queria conviver com pessoas, me dediquei à informática. Foi assim que me tornei hacker. -a tristeza na sua voz é palpável.
- Ficou só estudando em casa? E o restante da sua família, amigos, trabalho?
- Se tem familiares, nunca soube. Amigos, nunca tive, nem antes do incêndio, muito menos depois. O trabalho, você sabe.
- Você sempre trabalhou de casa? Nunca numa empresa?
- Nunca. Não daria certo.
- Entendo... -digo, com pesar- sinto muito, Jason. Você era só uma criança.
- É passado.
- Sim, mas faço minhas as suas palavras. Não há como mudar o que passou, mas estou aqui.
Quase segurei sua mão. Quase.
Mas lembrei que sua aversão a toque deve ser dor. Física ou psicológica, é a dor dele. Só ele a conhece.Nos olhamos profundamente, por longos minutos, sem dizer uma só palavra.
Somente o som do vento balançando a copa das árvores, sacudindo levemente as águas do lago.
E se pudesse ser ouvido, meu coração tamborilava, emocionado, no peito.Ah, Jason, como eu queria agora abraçar você, confortá-lo.
- Essa conversa deveria ter sido sobre você. -fala, desviando o olhar.
- Acho que somos mais parecidos do que pensamos. -concluo, me levantando- vamos?
Entramos, subimos e ele não avisa nada, então não virá ao meu quarto hoje.
Estou deitada pensando no que Jason me contou hoje, quando a porta se abre, e revela sua silhueta.
Fico surpresa mas só espero sem nada falar.Ele se aproxima e, ao invés do ritual de sempre, sobe na cama e senta ao meu lado, como pela manhã.
No instante seguinte, seus dedos passeiam em meus cabelos, tal como fez mais cedo.
Perplexa e comovida.
É como me sinto.Após um tempo, sem sequer mexer um músculo, me atrevo a quebrar o silêncio:
- Isso é tão bom, Jason. Eu gosto.
Ele nada diz, só continua o afago delicioso. Já começo a sentir as pálpebras pesarem. Antes de cair no sono, digo uma última palavra:
- Obrigada.
***
Ainda é cedo.
Permaneço deitada refletindo sobre a conversa que tivemos ontem.Pelo menos da minha parte, sinto que estabelecemos uma certa conexão.
Mas a constatação mais importante a que cheguei, é que Jason ainda é aquele garoto de 11 anos, que viu sua vida desmoronar, e seu corpo se transformar drasticamente de uma hora pra outra. Um corpo no qual ele não se reconhece mais, ele não ama e por isso se isolou e se fechou em seu mundo vazio e solitário.
Agora consigo entender a forma estranha com que ele se relaciona, inclusive sexualmente.
Ok, hora de ir pra academia.
Desço e encontro com ele ao pé da escada.
Após treinar e tomar banho, estamos sentados tomando café.
Bem, ele disse que posso perguntar, então irei perguntar.
Se não quiser responder, tudo bem.
Mal ele não há de me fazer.
Assim acredito.
- Jason...
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Monstro
RomanceUm incêndio o deformou por fora e destruiu por dentro. Ele se vê como um monstro. A dor da perda e o medo da rejeição, o motivaram a tornar-se um hacker habilidoso e também um assassino, cujas vítimas são os algozes de inocentes. Ela não é mais um...