Capítulo 26

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AMY


A ficha caiu.

Doeu em mim...

Uma criança.

Só uma criança!

Ainda em choque, acabo perguntando:

- E foi nesse incêndio que você se feriu?

- Sim. Por causa disso sou deformado. -diz frio.

- E... o que aconteceu depois? Como foi sua vida? -Deus me perdoe, mas quero saber.

- Fiquei muito tempo internado e depois meses em tratamento domiciliar. Thomas e Jane cuidaram de mim. Então, parei de frequentar a escola, fiquei estudando em casa. Como não queria conviver com pessoas, me dediquei à informática. Foi assim que me tornei hacker. -a tristeza na sua voz é palpável.

- Ficou só estudando em casa? E o restante da sua família, amigos, trabalho?

- Se tem familiares, nunca soube. Amigos, nunca tive, nem antes do incêndio, muito menos depois. O trabalho, você sabe.

- Você sempre trabalhou de casa? Nunca numa empresa?

- Nunca. Não daria certo.

- Entendo... -digo, com pesar- sinto muito, Jason. Você era só uma criança.

- É passado.

- Sim, mas faço minhas as suas palavras. Não há como mudar o que passou, mas estou aqui.

Quase segurei sua mão. Quase.
Mas lembrei que sua aversão a toque deve ser dor. Física ou psicológica, é a dor dele. Só ele a conhece.

Nos olhamos profundamente, por longos minutos, sem dizer uma só palavra.
Somente o som do vento balançando a copa das árvores, sacudindo levemente as águas do lago.
E se pudesse ser ouvido, meu coração tamborilava, emocionado, no peito.

Ah, Jason, como eu queria agora abraçar você, confortá-lo.

- Essa conversa deveria ter sido sobre você. -fala, desviando o olhar.

- Acho que somos mais parecidos do que pensamos. -concluo, me levantando- vamos?

Entramos, subimos e ele não avisa nada, então não virá ao meu quarto hoje.

Estou deitada pensando no que Jason me contou hoje, quando a porta se abre, e revela sua silhueta.
Fico surpresa mas só espero sem nada falar.

Ele se aproxima e, ao invés do ritual de sempre, sobe na cama e senta ao meu lado, como pela manhã.

No instante seguinte, seus dedos passeiam em meus cabelos, tal como fez mais cedo.

Perplexa e comovida.
É como me sinto.

Após um tempo, sem sequer mexer um músculo, me atrevo a quebrar o silêncio:

- Isso é tão bom, Jason. Eu gosto.

Ele nada diz, só continua o afago delicioso. Já começo a sentir as pálpebras pesarem. Antes de cair no sono, digo uma última palavra:

- Obrigada.

***

Ainda é cedo.
Permaneço deitada refletindo sobre a conversa que tivemos ontem.

Pelo menos da minha parte, sinto que estabelecemos uma certa conexão.

Mas a constatação mais importante a que cheguei, é que Jason ainda é aquele garoto de 11 anos, que viu sua vida desmoronar, e seu corpo se transformar drasticamente de uma hora pra outra. Um corpo no qual ele não se reconhece mais, ele não ama e por isso se isolou e se fechou em seu mundo vazio e solitário. 

Agora consigo entender a forma estranha com que ele se relaciona, inclusive sexualmente. 

Ok, hora de ir pra academia.

Desço e encontro com ele ao pé da escada. 
Após treinar e tomar banho, estamos sentados tomando café.
Bem, ele disse que posso perguntar, então irei perguntar. 
Se não quiser responder, tudo bem. 
Mal ele não há de me fazer.
Assim acredito.

- Jason... 

MonstroOnde histórias criam vida. Descubra agora