Capítulo 8

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AMY

Obcecada.
Estou certa que essa é a palavra que me descreve nas últimas três semanas.

Vinte e dois.
É o exato número de dias que faz que aquele homem estranho esteve em Inuitville, e é o número exato de dias em que penso nele. E não só acordada, mas dormindo também, pois sonho com ele quase todas as noites.

Isso quando consigo dormir, já que a insônia é uma companheira de longa data.

Já me perguntei se estou doente, pois isso não deve ser normal. Mas se estou doente, deve ser da cabeça.

Onde consigo uma psicóloga ou psiquiatra, pelos céus?

Infelizmente, nunca tratei do trauma de tudo que vivi quando era criança, pois nunca contei para ninguém.

E quanto ao que aconteceu com Craig, eu até passei por algumas sessões obrigatórias, mas não pude dar continuidade, pois me mudei tantas vezes, que teria sempre que contar tudo pra outro profissional.

Será que tem algo de errado comigo?
Será que atraio pessoas, no mínimo, esquisitas?

Não que o grandão, como o Sr Carlson o chama, tenha se atraído por mim, na verdade, ele até me destratou. Mas de alguma forma, sinto que eu fiquei atraída por ele, mas por quê?

Por que me identifiquei com ele, já que o vi num momento de fragilidade? Embora tenha dado entender que ele não é nada frágil.

Acredito que ele seja um sobrevivente, um verdadeiro guerreiro; para ficar com aquelas cicatrizes, o que aconteceu deve ter sido terrível, não quero nem pensar quanta dor ele suportou e ainda deve suportar diariamente, pois sei que nunca é somente a dor física.

Se fosse, seria mais fácil, quase sempre, em algum momento ela passa ou pelo menos pode ser amenizada com medicamentos. A dor na alma é sempre mais massacrante e duradoura.

E se ele for um cara mau? Se aquilo foi resultado de alguma maldade dele?
Se ele for uma criatura perversa, como os que passaram pela minha vida?
E se foi por isso que me senti atraída?
E se foi por isso que me identifiquei com ele?
Será que tenho um ímã invisível, que me atrai para homens malvados?

Será que no fundo eu mereço toda dor e humilhação que me infligiram? Será que inconscientemente eu procuro por isso?

Quem sabe se eu fizesse terapia, conseguiria descobrir o que tem de errado comigo e mudar, pra não mais atrair ou me sentir atraída pelo mal.

Se é isso, graças a Deus que foi só da minha parte e eu não o vi mais e nem verei, pois ele odiou o vilarejo, assim como parece ter me odiado. E mesmo que voltasse aqui, seria quase impossível vê-lo, já que eu raramente saio de casa.

Por sinal, desde aquele dia não volto à cafeteria e só voltei à conveniência uma vez, na semana seguinte, para mandar meus trabalhos pelo Sr Carlson e encomendar algumas coisas, que a Sra. Morris, a vizinha mais próxima, trouxe para mim.

Mesmo saindo pouco, há pessoas com quem tenho um certo contato, e os Morris são algumas delas. É um casal de etnia inuit, como a maioria aqui. Sua casa fica a 600 metros da minha.

Claire tem 52 e Dustin, 58 e se estabeleceram aqui há cerca de 5 anos, em busca de um lugar mais tranquilo para viver. Eles tem uma horta e comercializam alguns itens; também possuem barcos de pesca alugados nas localidades vizinhas. Os filhos já são casados, moram em Quebec e vem visitá-los duas ou três vezes por ano.

Claire é um amor de pessoa e me apresentou a outras mulheres da vizinhança: Martha e Hanna que são costureiras e Joane, artesã. Todas senhoras de meia-idade, que às vezes se reúnem para tomar um chá com bolo e aproveitar para debater os últimos assuntos, normalmente são as novelas, notícias de Knainsfield ou apenas a vida cotidiana dos vizinhos, já que, num lugar pequeno assim, todos sabem a vida de todos.

Já compartilhei com elas bolos, tortas e óleos essenciais que costumo fazer em casa (principalmente o de lavanda) e outras receitas, e até já parei para tomar chá, mas não passo mais que 10 minutos, somente para retribuir as gentilezas do grupo ou responder alguma pergunta sobre biologia.

Mas como disse, não tenho amizades, evito ao máximo falar da minha vida, especialmente do meu passado e quando falo, não passa de superficialidades, de forma que ninguém sabe mesmo nada relevante sobre mim.

-Oi, gatinho lindo! -falo com o bichano, que se chegou a mim agora. Parece que sente que estou cheia desses pensamentos obscuros - pelo menos, Orange, nunca mais vou ver nenhum deles. Nem o homem das cicatrizes.

Assim espero.

JASON

Em algum lugar do Alasca, 20:16h

Obcecado.
É exatamente assim que defino como me sinto em relação à Amy Richards.

Principalmente depois que comecei a pesquisar sobre ela.

Eu acho que não estou normal.
Isso não faz nenhum sentido, mas sempre que penso em Amy ou sonho com ela, tenho uma ereção. Algo queima em mim e sinto vontade de vê-la.

A pouca lembrança que tenho da sua voz e do seu cheiro não me largam um dia sequer.
Talvez por isso acabei solicitando no hotel que pusesse no quarto vasos com lavanda e todos os produtos de banho dessa fragrância.
Antes de voltar para casa, pedi à Jane que providenciasse essas mesmas coisas.

E por falar em casa, faz algumas horas que estou de volta!

Por mais irônico que seja, minha propriedade fica numa área isolada do Alasca, há alguns quilômetros da highway.

A casa principal é cercada por bosque e um belo lago. Não é muito grande e tem uma decoração rústica, mas tudo é de extrema qualidade e conforto. No térreo, além dos cômodos padrão, tenho uma mini academia, um escritório, sala de segurança e no porão, meu local de trabalho. Em cima, apenas quartos e banheiros.

Nos arredores, a boas centenas de metros, fica minha pequena fazenda, onde crio algumas cabeças de gado, aves e cavalos.
No mesmo terreno ficam as casas dos funcionários, uma central de monitoramento, garagens, carros e maquinários, uma estufa e pomar.

Diferente daquele vilarejo, montei a melhor infraestrutura de tecnologia e segurança que o dinheiro pode comprar.

Depois de vários dias, finalmente encontrei o pedófilo infeliz, acabei com ele e forjei um terrível acidente que justificasse o estado deplorável em que seu corpo seria encontrado. Sim, pois eu nunca deixo pontas soltas.

Já é noite e depois de um banho relaxante e um ótimo jantar, vou para minha sala de trabalho.
Lá tenho tudo que é necessário para fazer uma pesquisa detalhada e descobrir quem é essa mulher.

Faço uma extensa pesquisa nos bancos de dados dos governos dos Estados Unidos e Canadá, Polícias e outros órgãos e o conforme as informações surgem nas telas, meu peito queima, mas desta vez o sentimento é meu velho companheiro: ÓDIO.

Um ódio fervente e aquela sede de vingança que me acompanha há tanto tempo, tomam conta de mim.

Em minha mente, um plano mirabolante começa a tomar forma e neste momento, tomo uma decisão: irei para Inuitville.

MonstroOnde histórias criam vida. Descubra agora