Capítulo 6

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AMY


Vilarejo de Inuitville, 16:45


Já é final do dia, estou terminando de preparar meu jantar, uma sopinha de frango com legumes.

Trabalhei em alguns documentos o dia inteiro, e dei essa pausa agora. Minha cabeça está um turbilhão.

Não sei porquê, não consigo parar de pensar no homenzarrão de hoje cedo. Será que ele aceitou o café que paguei pra ele? E os alimentos que mandei? E os dinheiro?

Do jeito que ele parece orgulhoso, não duvido que tenha feito picadinho das notas. Espero que não. Mas não tive como não fazer nada. Enquanto fazia compras na conveniência e percebi a situação, já voltei e comprei algumas águas, biscoitos e barras de cereal, com o intuito de oferecer a ele.

Não sabia em que momento faria isso, mas quando o vi lá fora, pensei que seria a hora certa.

Porém, desisti quando ele me respondeu tão grosseiro. Não fiquei com raiva. Mas sim com o coração apertado. Só dei as costas e saí. Fui para o café do sr Wilson, já estava quase terminando, aquele homem entra lá.

"O que ele veio fazer aqui?", pensei. Não fazia tanto tempo que o tinha visto, com certeza ele não teria conseguido dinheiro. Talvez pensou que ali comeria e conseguiria pagar com cartão?

Consegui ouvi-lo perguntar o preço do café, e logo ser encaminhado para uma mesa.

Quer saber? Agora não teria como ignorar.

Peguei a sacola com as coisas que daria a ele e que completara com uns enlatados e uma geleia e, quando sr Wilson veio recolher meu prato, expliquei rapidamente pra ele o que queria fazer e ele de imediato concordou, pois percebeu a situação em que o visitante se encontrava.

Pedi também papel e fita adesiva, enrolei todo o dinheiro que eu tinha no bolso, 200 dólares; fiz um pacotinho e grudei numa lata. Pedi que ele embalasse algumas fatias de pão e pus na sacola.

Eu tinha planos de comprar mais algumas coisas, mas mudei de ideia, lá mesmo na conveniência.

Por último e não menos importante, saí à francesa.
Mais uma vez o sr Wilson me ajudou, ocupando-o enquanto eu escapulia.
De jeito nenhum queria que ele soubesse o que eu tinha feito.

Não tem como ele ter me visto ali, já que estava bem escondida. Não vejo necessidade de me expor, ele com certeza pensaria que tudo tinha sido ideia do dono do café.
E tudo bem.

Porém, agora não consigo esquecê-lo, que droga!
Acho que é porque não sei o desfecho, se tudo deu certo, se ele pelo menos comeu e recebeu os mantimentos.

Só sei que nem por decreto eu volto ali hoje. Vai que topo com ele!
Na verdade, não voltarei tão cedo, pois não costumo ir ao comércio do povoado com frequência. Só vou entregar o trabalho que estou fazendo na próxima semana, então é isso. Vou deixar pra lá. Fiz minha parte.

O cheiro da sopa me tira das minhas divagações. Corro para o fogão e provo. Está perfeita!

***

Hora do jantar e estou sentada à mesa, comendo sozinha como sempre. A tempo: não acho ruim, não, pelo contrário. Antes só que mal acompanhada, já que o pouco período em que tive companhia, fora minha mãe, só me deu problema.

De tanto viver só, teve uma época que passei a me perguntar se um dia eu formaria minha própria família, tipo, "casar", ter filhos...

Talvez tenha sido por isso que o deixei  se aproximar. Antes dele nunca tive relacionamentos de verdade. No máximo uns beijinhos sem graça.

Primeiro que meu maior objetivo era estudar muito, ter um bom emprego, etc. Segundo porque nunca senti o "coração bater mais forte" por alguém, se é que isso seria possível. Esse tipo de relacionamento, de sentimento, era algo que eu só ouvia falar.

Mas nunca tive um exemplo vívido. Segundo minha mãe, ela e papai se amaram muito, mas ele morreu cedo e o restante foi lastimável.

Craig Dawson não causou esse sentimento em mim mas ele era persistente, estava sempre junto, demonstrava um interesse, que até então, eu não sabia distinguir se era saudável ou não. Não tinha experiência nem orientação.

E aquele pensamento de que poderia formar minha família e não ser mais tão só, me levou a permitir que ele entrasse na minha vida.
Ah, se eu soubesse...

Bom, prefiro me concentrar na sopinha que está maravilhosa.

Bendita tranquilidade que alcancei ao vir morar aqui.
Quando cheguei aluguei uma casa mais perto da rua comercial (a principal), pois não sabia ao certo se gostaria e ficaria por aqui. Mas logo me senti segura e à vontade, então comprei este cantinho para mim.

A casa é pequena e simples, praticamente uma cabana, mas é acolhedora. São dois cômodos: a sala com cozinha integrada, um quarto e banheiro. Fiz uma decoração básica, em tons claros, que faz o espaço parecer maior e transmite sensação de calma.

Tenho somente o básico. São duas poltronas bege na sala, com uma mesinha de centro redonda de madeira  clara, uma TV pequena na parede, um aparador próximo à janela, onde ficam meus vasos de lavanda; uma mesinha de jantar quadrada, também de madeira clara, com duas cadeiras, que divide a sala da cozinha, uma pequena geladeira, um fogão, um armário suspenso e um móvel onde ficam o micro-ondas e minhas poucas louças.

À direita da sala, a porta que leva ao meu quarto, onde também fica o único banheiro.

Tenho uma cama de casal, simples mas muito confortável, na parede do lado direito um guarda-roupas pequeno, um cabideiro, uma sapateira, uma estante abarrotada de livros (eu amo ler), todos de madeira clara. Na parede oposta há uma janelinha de persiana com cortina bege. Deste lado da cama a mesinha de cabeceira.

Na frente tenho um pequeno canteiro com flores, e nos fundos, uma pequena horta. Além de ter minhas próprias verduras e hortaliças, acaba sendo terapêutico.

E claro, minha outra "terapia" e única companhia, acaba de levantar do tapete e vir se enroscar em minhas pernas. Um belo espécime de gato, chamado Orange, exatamente porque sua pelagem é alaranjada. Sei, não foi criativo, mas foi a primeira ideia que tive e, sem dúvida, ele gosta do nome.

Nossos caminhos se cruzaram no primeiro mês em que cheguei. Ele atravessou a rua junto comigo e me seguiu até em casa. Desde então, estamos juntos.

Depois de pôr o jantar do felino, lavar a louça e ver um pouco de TV, resolvo retomar os documentos nos quais estou trabalhando. Sempre sou atenta e cuidadosa com meu trabalho, porém já passa de meia-noite e produzi pouquíssimo, por Deus, eu mal consigo me concentrar.

Meu coração acelera, sinto um remexer no estômago.

Aquele homem não desocupa minha mente!

MonstroOnde histórias criam vida. Descubra agora