Capítulo 3

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JASON

E foi assim que cheguei aqui, estou à caça de um pedófilo maldito que está tentando se esconder.

Além de mim, a única pessoa que sabe dessa empreitada, é um outro hacker, que frequentemente está nos mesmos casos que eu, e nos damos suporte mútuo.

Assim como todos os envolvidos nesse trabalho, não sei quem é, nunca o vi - ou A vi, pois pode perfeitamente ser uma mulher.

Estou a ponto de ter um colapso, chuto o carro reclamando da vida, não sei o que fazer. Repentinamente um "vulto" pára ao meu lado e fala comigo.

É uma mulher e pelas sacolas nas mãos, deve ter saído da conveniência onde eu estava há pouco.
Não presto atenção nas pessoas nem quando estou normal, imagine do jeito que estou.

Mas agora é impossível não observá-la: sua aparência é comum, nem bonita nem feia, não deve ter mais que 1,60m, cabelo castanho ondulado preso num rabo de cavalo. Calça, tênis e moletom pretos. Está vestida quase igual a mim, mas o capuz está abaixado.

Impressão minha ou ela tem um cheiro suave de algo doce, seria uma flor, fruta? Não sei, mas pensando bem, senti esse aroma lá dentro da loja há pouco.

-Bom dia, moço, posso ajudar? -foi o que falou com sua voz mansa.

????????

Ela olha fixamente em meus olhos, ou melhor, no meu olho, já que só um deles abre direito. Por incrível que pareça, não demonstra nojo do meu rosto disforme, que só agora me dei conta que está completamente à mostra!

Nas raras vezes em que sou obrigado a interagir, costumo usar máscara, que cobre, pelo menos parcialmente, minha figura horrenda, mas hoje, do jeito que estava, acabei retirando depois que me perdi, e nem me lembrei de colocar novamente.

Por um breve instante, fui tomado por espanto: sinto uma pontada dentro da calça, numa parte do meu corpo que julguei estar morta há muito tempo!
Meu coração acelera e minha boca ficou mais seca que antes.
Só pode ser a fome!

Não sei como reagir, mal convivo com pessoas. São poucos que não sentem medo, repulsa ou pena de mim, mesmo que não me vejam completamente.

O que fiz?
Fiquei confuso!
E gritei com ela!

Sim, eu já falei que não gosto de gente? Sei que desenvolvi algum distúrbio depois do incêndio, minha alma solidificou tão deformada quanto meu corpo.

Por isso respondi feito um animal, praticamente rosnando que não tinha lhe pedido ajuda ou perguntado nada, que não preciso de pena.
E NÃO PRECISO MESMO!

Ela respondeu que não tinha pena e saiu, pedindo desculpa e desejando que as coisas melhorassem pra mim, algo desse tipo.

Estou suando frio e tremendo, meu estômago traidor ronca alto.

Conheço olhar de pena, já recebi muito e sei que não foi isso que senti nela. Não sei como nomear o que vi em seus olhos, nem mesmo havia raiva por tê-la tratado mal.

Senti algo semelhante a um ardor no peito.

Quase me arrependi da forma como falei, mas não tenho tempo para arrependimentos. Vou andar mais um pouco e ver o que consigo. Se nada der certo, aceitarei o combustível que o dono da conveniência ofereceu e o pago na volta. Pagarei em dobro.

Mas e água e comida? Será que ele me vende para pagar na volta?
Ele não ofereceu e não quero me humilhar como um morto de fome, pedindo o que comer.

Ainda tem uma roupa no carro que poderia trocar, mas não é nova, será que aceitaria?
Provavelmente não...

Ando mais um pouco sem rumo, meus pés me levam por vontade própria.

O que será que compro com US$ 1,1 que tenho na carteira?
Paro numa esquina do que seria uma "rua principal". Há vários pequenos comércios, mas parece estar tudo fechado.

Porém me atento quando vejo uma pequena cafeteria, acho que está aberta, pelo menos um lado está com cortinas levantadas.

Minha cabeça está rachando, talvez um café me ajude, vai me dar energia, pelo menos ponho açúcar e engana a fome.

Sigo até lá e quando abro a porta sinto aquele cheiro. Não é comida, é o mesmo que senti na dentro da conveniência e do lado de fora.

Olho de soslaio para a esquerda, o lado que as cortinas estão abaixadas e é ela! aquela mulher está aqui! Uma outra pessoa não a veria, tem um biombo tapando a visão, mas tenho 1,92m!

Só vi de relance, aposto que sentou-se ali pra ficar fora de vista, eu sei, porque faria o mesmo, minha cara me dá motivo, mas e ela?

Encosto no balcão onde um sexagenário gordinho, de óculos e bigode, me recebe com um "bom dia". Já é a terceira pessoa que me dá bom dia hoje e mal são 6:20. Mesmo com toda fome e cansaço, decido responder:

-Bom dia, senhor, quanto é um café?

-1 dólar o café grande com creme e açúcar -percebo um olhar estranho dele pra mim, mas também não é medo, nojo ou pena -fique à vontade, rapaz- ele diz, vindo para a frente e me guiando para uma mesa do lado direito -sente aqui, por favor, eu já trago seu café.

Antes que ele saia, lembro de algo:

-O senhor poderia me dar um copo com água, por favor? -frisei "dar", pois se ele achar que quero comprar água engarrafada, estou perdido -ele assente com a cabeça e sai.

Sento onde ele indicou e já ponho minhas moedinhas em cima da mesa. Percebo que a caminho da cozinha, ele para onde aquela mulher está sentada. Sei que estão conversando, pois ele leva alguns minutos pra sair, porém não ouço nada.

Começo a pensar que posso oferecer algum serviço em troca de comida e combustível.

Tudo bem, o melhor que sei fazer é com tecnologia, mas sou grande e forte, posso fazer trabalho braçal, inclusive sei limpar e cozinhar, não muito bem, e só o básico, mas sei me virar.

Mas o combinado vai ser: como primeiro e trabalho depois, ou não terei forças pra fazer nada. Saio dos meus devaneios quando vejo o senhorzinho parado bem diante de mim, me entregando a água que pedi:

-Desculpe a demora, estamos fazendo um café fresquinho agora, eu já trago - fala sem sair do lugar, como se aguardasse o copo.

Tento beber devagar como uma pessoa normal, quando sinto um rastro daquela fragrância, mas que logo some, ao mesmo tempo em que a porta da lanchonete abre e fecha num movimento rápido e sutil. Ela saiu de fininho. Talvez esteja assustada com o monstrengo aqui.

Devolvo o copo e fico aguardando, afinal, é só o que posso fazer. Resolvo esquecer esse povo e começo a pensar em como oferecer meus serviços, quando um cheiro maravilhoso de comida invade meu nariz.

O homem novamente está na minha frente, dessa vez com uma bandeja e para minha surpresa, além do café grande, creme e açúcar, põe na minha frente dois pratos, bastante recheados, tem panquecas, waffles, um sanduíche, bacon, torradas e ovos.

Antes que consiga perguntar algo, ele fala:

MonstroOnde histórias criam vida. Descubra agora