AMY
Deus do céu, o que deu em mim? Parecia uma contrabandista. Só que de comida! Nunca pensei!
Sou obrigada a rir de mim mesma.Quando vi que ele entrou na lanchonete, não tive dúvida que era um aviso. Da vida, do divino, ou sei lá do quê. Dizendo que eu teria que fazer algo, por mais que ele não quisesse, por mais que tenha sido grosseiro.
Não conseguia ter raiva e compreendia sua reação.
Ele parece alguém que sempre teve tudo. Veste-se bem, é imponente, confiante. Arrogante também. Pelo que Carlson falou, ele tem condições de pagar o que quiser. Só não contava que não tinha como usar seu "dinheiro digital" aqui.
Apesar de parecer um vulcão prestes a entrar em erupção, eu o olhava e só via a mim mesma... Em um período da minha vida do qual odeio lembrar, que gostaria de apagar da minha história, uma parte importante que guardo somente para mim.
Nunca confiei em ninguém o suficiente para abrir meu coração e contar tudo que vivi.
Sou natural de um país do leste europeu, onde a situação não era das melhores e só tinha 10 anos quando me obriguei a sair de casa para escapar do meu padrasto.
Quase dois anos antes minha mãe morreu e o que já era ruim, ficou muito pior, pois quando a tinha, ela cuidava de mim e me protegia, era horrível vê-la sofrer, mas eu era só uma criança. Uma mera expectadora.
Quanto ao meu pai, ele era um bom homem, mas morreu quando eu tinha pouco mais de 1 ano.
Mamãe casou-se 5 anos depois e logo nosso inferno começou, mas ela me blindava de muitas coisas.
Quando ela se foi, fiquei totalmente à mercê das maldades daquele crápula.
Ele não me permitiu mais estudar e me tornei empregada dele; vivia trancada, a comida era escassa, comia das sobras dele e apanhava constantemente.Não havia motivos, ele apenas era mau, gostava de causar dor.
Ainda tenho algumas marcas das surras e com certeza foi por milagre que nunca tive um osso quebrado, ou teria sido pior, pois ele jamais me levaria ao hospital.
Não fazia ideia de como me livrar daquela situação nem conseguia ver oportunidade para escapar, e se escapasse, não tinha noção de como iria me sobreviver, pra onde ir, o que fazer.
Até o dia em que o infame chegou bêbado e tentou abusar de mim. Não sei como consegui, mas no instante em que ele começou a passar aquela mão imunda no meu corpo, o instinto de autopreservação falou mais alto, não pensei em nada, apenas peguei o primeiro objeto que vi na frente (ainda hoje não lembro o que era), e acertei a cabeça dele com uma força que jamais imaginei ter.
O canalha desmaiou e, apavorada e tremendo, peguei a chave no bolso dele e saí só com a roupa do corpo. Tranquei a porta e joguei a chave fora, isso me daria um pouco mais de tempo, e então, corri...
Corri pela minha vida, corri como se fugisse do próprio diabo e para mim, ele era exatamente isso! Tive medo de pedir ajuda, num país onde não existe respeito aos direitos humanos, era mais provável que me devolvessem ao infeliz.
Depois de muito tempo, parei, esbaforida e quase desfalecendo. Enfiei-me num beco escuro.
Ali, toda minha incerteza foi embora. Eu estava por minha conta e tinha que pensar em um plano e enfrentar o que quer que encontrasse pela frente.
Decidi que precisava deixar de "existir" e recomeçar do zero, teria que ser uma outra pessoa.
Meu cérebro rapidamente começou a processar todas as informações que eu tinha das notícias recentes. Com isso, tracei um plano e o segui à risca.
Decidi ir para um país vizinho, que eu sabia ser amigável, e onde encontraria ajuda para iniciar uma nova vida. Parti em direção à fronteira.
Na primeira oportunidade, cortei o cabelo bem curto, quase raspado.
Andava sempre com a cabeça coberta para evitar ser reconhecida.Tive que me virar com o que achava no lixo ou ganhava nas obras de caridade. Algumas vezes, encontrava grupos de sem-teto ou migrantes e eles dividiam um pouco de comida, mas no geral quase sempre eu estava só.
Temia encontrar gente ruim ou alguém que me levasse de volta para o monstro. Algumas vezes conseguia fazer algum serviço doméstico em troca de um banho ou lugar para dormir, mas a maior parte das noites passei ao relento.
Perdi a conta das vezes em que desmaiei de fome.
Adoeci algumas vezes, mas felizmente, nenhuma foi grave; isso me atrasava, mas eu me recuperava e continuava em frente.
Depois de aproximadamente 3 meses, que pra mim levaram uma eternidade, finalmente consegui e atravessei a divisa junto com outras pessoas.
Depois de quase um ano vivendo nas ruas deste outro país, me escondendo, recorri a uma ONG mantida por religiosos.
Menti meu nome e nacionalidade, falei que meus pais estavam mortos (o que, infelizmente, não era mentira) e que não tinha mais parente vivo, documentos, nada. Se tinha mesmo, não sabia.
E deixei tudo para trás.
A essas alturas, o maldito do meu padrasto já teria dado um fim a tudo que era meu.Felizmente, vários países do continente falam os mesmos idiomas e isso me ajudou a ocultar a verdade.
Por ter dado um nome falso, ainda que procurassem, jamais encontrariam notícias minhas.
Impossibilitados de investigar devido aos conflitos políticos, apenas me encaminharam para um orfanato, onde recebi novos documentos e continuei os estudos.Minha mãe sempre dizia que só a educação poderia mudar minha vida e me dar condições de um futuro. Segundo ela, conhecimento nunca era demais e tudo que eu aprendesse seria meu, ninguém poderia me tomar e em algum momento seria útil.
Então, estudei como se minha vida dependesse disso e, de fato, dependia!
Não tinha amigos ou amigas, não saía, não socializava, estudar era meu ar.
Dediquei-me a aprender inglês e me saí tão bem que, tão logo que tive idade, me contrataram na escola do orfanato, como auxiliar de professora do idioma.
Paralelo a isso, estudei francês e alemão, e completei a formação que me habilitava para lecionar.
Consegui bolsa completa, incluindo alimentação e moradia para cursar Biologia na Inglaterra, onde continuei ensinando, agora inglês para estrangeiros e fazendo traduções.
Assim fiz uma reserva enquanto me preparava para tentar uma bolsa nos EUA.Depois de muito esforço, consegui e fui cursar veterinária lá. Fiz também especialização para ensinar Biologia e com esse trabalho me mantive um longo período.
Apesar de não fazer amizades, havia uma garota, Justine Bell, que estudou, estagiou e trabalhou comigo na mesma empresa. Ela com certeza me considerava amiga, por mais que não a visse dessa forma. Tentava não criar vínculos, mas ela insistia e se aproximar.
Às vezes ia à sua casa, para estudar e ficava para uma refeição. Seus pais e sua irmã eram muito legais e me tratavam muito bem. Ver a harmonia deles, talvez, contribuiu para me fazer desejar ter uma família.
Consegui meu visto permanente e tudo seguia bem, até conhecer aquele louco e ter que, novamente, correr pela minha vida.
Foram várias mudanças até vir trabalhar no Canadá.
Fui para Knainsfield a serviço, através da indicação uma colega da empresa, que por acaso descobriu Inuitville e me falou do lugar, que achei perfeito.
Então decidi me estabelecer aqui.Recorri aos órgãos competentes, mudei de nome, vendi tudo que tinha e recomecei, do zero, outra vez, torcendo que esta seja a última.
Agora sinto que finalmente encontrei meu lugar. Faz pouco mais de 1 ano que vivo aqui e estou em paz.
Ainda assim, tomo precauções, afinal, o seguro morreu de velho.
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Monstro
Любовные романыUm incêndio o deformou por fora e destruiu por dentro. Ele se vê como um monstro. A dor da perda e o medo da rejeição, o motivaram a tornar-se um hacker habilidoso e também um assassino, cujas vítimas são os algozes de inocentes. Ela não é mais um...