vinte e três: puerpério

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aviso: este capítulo contém gatilhos com menções a depressão e suicídio, por favor, tomem cuidado se forem sensíveis!

Sentada na ponta da mesa, em meio ao silêncio da madrugada, Jihyun encarava as ranhuras na madeira.

Havia pouco mais de dois dias que não tinha notícias de Jeongguk.

O barulho das patinhas de Bam ecoava pelo chão da sala de jantar. Nos últimos tempos, as empregadas eram mais responsáveis por cuidar do filhote do que o próprio dono, mas desde que Jeongguk havia sumido, Jihyun se pegava observando‐o de longe e cuidando dele. O doberman ainda não havia atingido o tamanho de um adulto, e talvez por isso ela não ainda sentisse medo dele. Era só um filhotinho brincalhão, que chorava à noite. Irritada, mas com dó, Jihyun deixou que ele dormisse em seu quarto, em uma almofada no chão, e desde então ele a seguia para todos os lados.

Ao sentir Bam encostar o focinho gelado em sua perna, Jihyun se abaixou para observá-lo.

— O seu dono logo volta, não é...? — perguntou ela. — Ele não te abandonaria, não se preocupe.

Jihyun não tinha tanta certeza, na verdade. Não achava realmente que o filho abandonaria Bam, é claro, mas não tinha certeza se Taehyung o deixaria sair vivo de sua casa. Afinal, ela não precisava se perguntar com quem estava Jeongguk. Ela sabia muito bem.

Jihyun sempre fora idiota a sua vida inteira. Já tinha mais de quarenta anos e continuava da mesma maneira, cometendo erros bobos. Devia ter dito a Jeongguk que os dois eram irmãos, não a Taehyung. Era óbvio que aquele escritor psicopata nunca ligaria para um fato tão idiota como aquele, principalmente pelo fato de nunca ter conhecido "o irmão" antes. Taehyung não tinha nenhum senso de moralidade. É claro que ele sabia o que era ética e moral — apenas não ligava para culpa, certo e errado, e não se incomodava em cometer atrocidades e ser o pior tipo de pessoa a entrar na vida de outras. Jihyun ficou se perguntando se Taehyung ter chorado e implorado a ela para não contar a Jeongguk fora apenas encenação. Talvez ele só quisesse enganá-la, fazendo-a acreditar que se distanciaria, mas tivesse outros planos... E quais seriam eles...? O que Kim Taehyung queria fazer com Jihyun? O que queria fazer com Jeongguk?

Ela se curvou sobre a mesa, deitando-se sobre o braço esticado, e encarou os pontos de luz refletidos na vidraçaria.

A vida parecia um ciclo infinito. Jeongguk podia odiá-la, mas não passava de um reflexo torto de Jihyun, repetindo as ações tolas da mãe que tanto repudiava. Ele estava com Taehyung mesmo sabendo que não deveria. E ela simplesmente não podia julgá-lo. Afinal, quantas vezes não havia voltado para Sungwoong mesmo sabendo que deveria se manter longe?

Ela fechou os olhos e logo se levantou assustada ao ouvir o barulho de vidro estilhaçando. Olhou para trás e viu Bam correndo para debaixo da mesa, com o rabinho entre as pernas. Ele tinha ficado em pé sobre as patinhas traseiras e puxado a longa toalha sobre um aparador, derrubando um vaso de flores.

— Você é um danadinho... — sussurrou ela, abaixando-se para pegá-lo no colo. Acariciou sua cabeça. — Não chegue perto dos cacos de vidro ou vai machucar suas patinhas, está bem?

Jihyun o deixou em um cantinho que as empregadas haviam arrumado para ele na lavanderia. Depois de pegar uma pá, uma vassoura e uma pequena caixa de papelão vazia, a pianista recolheu os cacos maiores e varreu os pequenos. Ao juntar as flores para jogá-las fora, acabou se cortando, e soltou-as em um reflexo.

Ficou agachada, encarando o sangue que brotava da palma de sua mão pelo pequeno corte.

Os gritos de Minsi vieram à tona em sua mente, misturados ao som dos estilhaços. Ela se lembrou de Sungwoong agarrando seus ombros com força e a colocando para fora de casa. A força e a raiva eram tão grandes que Jihyun ficou roxa por dias. Ele a enfiou dentro do carro, sem nenhum tipo de cuidado, e dirigiu o mais rápido que pôde, em completo silêncio. Mas ela sabia que ele estava com tanto ódio que poderia matá-la.

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