Furor

quatorze: pulsão

"Observe fixamente aquilo que é sombrio e busque nele o que for útil para você", Soseki Natsume, Coração

Jennie recebeu uma pequena placa com seu nome para colar no torso e esperou por algumas horas, sentada em uma cadeira estofada, até ser chamada pelos jurados da empresa GYNX. Uma descarga de adrenalina percorria seu corpo desde o momento em que entrara naquele enorme prédio onde aconteceriam as audições.

Ela temia cometer erros que não seriam perdoados. Havia tanta gente na disputa que ela não conseguia deixar de pensar em por que alguém a escolheria no lugar de qualquer outra pessoa que estava ali. Não queria ser aprovada naquela audição apenas por ter dançado para Kim Sungwoong, porque então acabaria virando todas aquelas artistas que haviam vendido seus corpos para se tornarem o que eram. Apesar de ser seu trabalho e de nunca ter desconfiado quem era aquele cliente cujo rosto ela não conseguia ver por inteiro, Jennie não gostava de imaginar que tinha ganhado aquela oportunidade apenas por tê-lo atendido em uma boate, muito menos de ficar devendo nada a ele, caso fosse aprovada e ele cobrasse algo por isso...

Contudo, a verdade era que, se Kim Sungwoong não a tivesse convidado para estar ali, ela não teria ido. Não sabia daquela audição, porque ultimamente sua única preocupação era pagar as contas atrasadas e não ter a luz cortada. Além disso, suas esperanças tinham sido destruídas ano após ano conforme seus aniversários chegavam para lhe dizer que não tinha mais idade para aquele tipo de sonho.

Jennie estava ficando cada vez mais nervosa conforme as pessoas entravam e saíam do auditório. Sua vida azarada e solitária não a tinha deixado ter amigos ou bons familiares para compartilhar a tensão daquele momento. Mesmo as garotas encrenqueiras do ensino médio com quem passou toda a adolescência nunca tinham sido suas amigas. Além disso, algumas tinham acabado presas pelo tribunal juvenil antes de concluir os estudos e Jennie nunca mais soube delas. Algumas vezes se perguntava como estavam as outras, mesmo que não quisesse vê-las outra vez, afinal, teria sofrido bullying se não tivesse um irmão relativamente assustador como Wooshik, por causa das pessoas com quem andava e de seu histórico. Jennie teria virado alvo da humilhação e do sofrimento que as garotas queriam infligir logo na primeira tarde em que se mudara para aquele colégio, encurralada numa rua velha, suja e esquecida, não fosse Wooshik a encontrar naquele mesmo dia, na mesma hora, no mesmo lugar. Aquela coincidência tinha sido a única coisa boa que ele tinha feito para a irmã na vida inteira. Quando as meninas fizeram Jennie se ajoelhar para lhes entregar o dinheiro e levar um tapa no rosto, Wooshik apareceu gritando seu nome.

O peito de Jennie queimou ao ver o irmão, achando que encontrá-lo ia ser ainda pior para sua situação. Ela chorava e tinha acabado de levar um tapa.

Wooshik estava com um amigo que ela nunca tinha visto antes. O desconhecido usava o uniforme da loja de conveniência que ficava ali perto e tinha um cigarro na boca. Seus olhos encararam Jennie sem expressão, depois olharam para as garotas com um pouco de diversão.

Seu irmão se aproximou, com as mãos no bolso do moletom, e ergueu o queixo enquanto dizia às meninas:

— Não se metam com a minha irmã. Ou mando todas vocês para o conselho juvenil — depois de olhá-las de cima a baixo, garantiu: — Não acho que vão sair de lá sem uma sentença.

A garota que agia como líder das outras soltou um muxoxo e mexeu no cabelo, rindo com sarcasmo.

— Ah, a Jennie chamou o irmão? — e desafiou Wooshik com o olhar. — Não tenho medo de homem.

O amigo desconhecido pegou um pedaço de cano sujo no chão.

— Mas deviam ter — ele avisou, colocando o cano sobre o ombro. — Se encostarem um dedo na Jennie, eu mesmo cuido de vocês, uma por uma. Querem saber por que fui preso? — riu. — Posso quebrar ossos, esfolar ou matar. O que você prefere, Jennie?