dez: enlevo

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quanto mais eu desenvolvo, mais perturbados meus personagens ficam, aproveitem enquanto não piora :x



"Tens uma máscara, amor, violenta e lívida, te olhar é adentrar-se na vertigem do nada" Hilda Hilst, A Obscena Senhora D


Com o rostinho grudado ao vidro da enorme janela da sala, Jeongguk encarava a rua e sua quietude, esperando ver algum carro parar em frente à casa dos avós e sua mãe descer. Ou talvez ela viesse andando, com seu comprido cabelo preto balançando de um jeito bonito e seus sapatos de salto fazendo o barulho de que Jeongguk gostava tanto de ouvir. Ele queria vê-la chegar com o sorriso que via quando ela se apresentava nos recitais. Queria sentir seu corpo quentinho abraçá-lo bem apertado e embalá-lo para dormir como sua avó fazia. Queria sentir o cheiro gostoso que ela tinha, daquele frasco de perfume que havia em seu quarto e que Jeongguk gostava de esborrifar contra o nada, em direção ao teto, para sentir o cheiro caindo lentamente em sua direção enquanto os pedacinhos de poeira voavam ao seu redor na luz do sol que entrava pela janela exatamente naquele lugar, onde ele se escondia para mexer nas coisas de sua mãe.

Ele gostava de ver seus sapatos, de passar as palmas das mãozinhas pelo tecido das roupas macias e geladas, de sentir o cheiro de seus perfumes e cremes, de se deitar na sua cama e fingir que ela estava ali, porque ela nunca estava.

A última vez que havia visto a mãe, Jeongguk devia estar dormindo. Ele ouviu a discussão entre a mãe e os avós e saiu debaixo das cobertas sorrateiramente. Quando abriu a porta, as vozes já estavam no andar de baixo, então Jeongguk engatinhou até a escada e ouviu a mala de rodinhas sendo arrastada. Ouviu sua avó gritar "Jihyun-ah! Volte aqui, Jihyun-ah!", o avô dizer "Jeon Jihyun! Se você sair, não precisa nunca mais voltar para vê-lo", e a porta bater com força. Jeongguk voltou correndo para o quarto até a janela, onde viu a mãe entrar em um táxi com sua mala e ir embora. Ela não olhou para trás, e tudo que ele viu foi o cabelo dançando pelas costas da mãe enquanto ela se sentava e fechava a porta.

Havia semanas que ele não a via, e por mais que ele perguntasse aos avós, eles não lhe diziam onde ela estava, nem quando ia voltar. "Quero minha mãe, vovó", ele repetia, e ela o olhava com uma expressão triste, sem dizer nada. Quando ele dizia a mesma coisa ao avô, ele se levantava e saía do cômodo em que estivessem. Naquela tarde, no entanto, porque sua avó provavelmente estava cansada de ouvi-lo repetir a mesma coisa pela enésima vez, ela havia lhe dito com seriedade:

— Sinto muito, meu querido... eu não sei onde ela está.

Mas era mentira. A avó sabia. Jeongguk havia escutado os avós discutindo mais uma vez por causa de sua mãe, mas daquela vez a briga fora causada por um envelope que alguém havia entregado na porta, para um dos empregados.

— Como ela tem coragem de fazer isso?! — o avô dissera com raiva. — Não bastasse ela simplesmente ter deixado o filho para trás, foi por isso! Por ele! Ele de novo! — gritara, agitando algum papel que Jeongguk não sabia o que era, já que a porta estava fechada e ele ouvia tudo com a orelha grudada à madeira. — Ela abandonou o próprio filho de sete anos por causa daquele pervertido nojento! Jihyun não passa de uma louca irresponsável que nunca devia ter sido mãe, é uma pervertida nojenta igual a ele... Se Jaeil ainda estivesse vivo... o que você acha que teria acontecido?

— Exatamente a mesma coisa... — a voz de sua avó pareceu cansada. — Ela o teria abandonado da mesma forma, e é provável que Jaeil e os pais não nos deixassem ver Jeongguk. Mas não pense mais nisso. Jogue isso fora. Tudo isso! Vamos levar Jeongguk para longe, o que você acha, querido? Para longe da mãe... agora que sabemos que ele tem talento no violoncelo e que gosta tanto de tocar, podemos instruí-lo e deixá-lo bem longe da Jihyun...

FurorOnde histórias criam vida. Descubra agora