trinta e quatro: vazio

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O quarto do dormitório da faculdade não tinha nada além de uma cama embutida em um guarda-roupa e uma escrivaninha. Em silêncio, depois de observar o entorno por alguns segundos, Jeongguk adentrou o cômodo e fechou a porta com um suspiro. As duas malas e o violoncelo haviam sido trazidos com a ajuda de alguns desconhecidos que estavam por perto quando de sua chegada ao prédio do dormitório. Jeongguk não tinha amigos para pedir ajuda com a mudança — nunca tivera —, de modo que teve de pedir educadamente aos alunos mais próximos e torcer para que fossem simpáticos.

A cada dia que passava, a cada novo desafio que precisava cumprir, mesmo as tarefas mais simples do cotidiano, Jeongguk compreendia pesarosamente que as únicas pessoas que sempre estiveram ao seu lado eram seus avós — e agora que os dois estavam mortos, ele não tinha mais ninguém.

Quando sua mãe — talvez uma completa estranha a ele — viera para o funeral da avó e ele pedira que a casa fosse vendida, Jihyun não ficara por tempo suficiente para ajudá-lo. Ela colocara a casa e os móveis à venda e retornara para a Coreia o mais rápido possível, e quem tivera de alugar um pequeno box para manter memórias — as fotos de família, as joias da avó, as relíquias culturais que haviam trazido na mudança para a Europa — fora ele, totalmente sozinho e solitário, mal saído da adolescência, um calouro inexperiente perdido na faculdade de música. Jeon Jihyun não se preocupara em saber como eram os dormitórios ou se ele ficaria bem — "se é assim que você quer, tudo bem", fora o que ela dissera, somente. Se Jeongguk queria vender a casa e se mudar para os dormitórios da faculdade, era o que ela faria, sem pensar duas vezes. Ela não perguntara se ele ficaria bem sozinho, se queria voltar para a Coreia, se queria que ela viesse morar com ele.

Jeongguk se aproximou da janela, por onde era possível ver o jardim, e observou os alunos andando e conversando lá embaixo. Depois de um tempo, ele se jogou no colchão e tirou uma fotografia do bolso da jaqueta. Encarou o rosto dos avós por um longo tempo antes de deixá-los de lado, colocando o papel sobre a minúscula mesa de cabeceira. Voltou os olhos para o teto por minutos que se arrastaram morosos. Seu peito doía como se alguém lhe arrancasse o coração aos poucos, cuidando para que o sangue não jorrasse demais. Virando-se de lado, tentou fechar os olhos e não pensar em mais nada, mas sua mente recuperou o último filme que vira com os avós — o francês Le samourai, cuja frase de abertura falava sobre nada ser maior do que a solidão de um samurai, a não ser, talvez, a solidão de um tigre no meio da selva. Jeongguk apertou a mão contra o coração, sentindo que, na verdade, nada nunca seria maior do que a sua solidão e o seu vazio. Um tigre jamais seria tão sozinho quanto Jeongguk...

Até quando ele seria assim? Mesmo quando estava com os avós, nunca deixara de sentir a mesma solidão e melancolia de sempre. Nunca havia se sentido inteiro... nem com os avós nem com colegas. Os amigos que esperava fazer nunca vieram, nem o amor, que não passava de uma mentira inventada por livros e filmes. Quando aquela sensação excruciante o abandonaria? Quando Jeongguk seria livre? Tão leve quanto os flocos de neve, quanto as nuvens no alto do céu, quanto o próprio vento correndo com os tigres entre as montanhas...

Ele escondeu o rosto no colchão, molhando-o com o choro, e deu um pulo quando alguém bateu à porta. Embora fosse uma batida tímida, o quarto relativamente vazio aumentou o ruído, e o susto percorreu a pele de Jeongguk em um arrepio gelado. Ele pensou em não atender, mas a pessoa bateu outra vez, o que o fez enxugar as lágrimas e se levantar, relutante.

Ao abrir a porta, deparou-se com um rapaz alto, talvez dez centímetros a mais que Jeongguk, de visível ascendência do leste asiático, assim como ele. Sorrindo, o jovem se curvou de leve, timidamente.

— Você é Jeon Jeongguk...? — perguntou em coreano.

— Ah... sim... — concordou, falando em sua língua nativa também. Fazia anos que Jeongguk não usava o coreano com tanta frequência, por isso receou não entendê-lo ou não ser capaz de respondê-lo apropriadamente. Quando seus avós o trouxeram para a Europa, queriam que ele falasse outras línguas, então o instruíram a falar coreano apenas em casa, o que rapidamente se tornou uma armadilha, já que, devido à escola e aos treinos de música, Jeongguk passava pouquíssimas horas conversando com os avós. Com o passar do tempo, seu jeito quieto também fez com que o coreano fosse mais ouvido do que falado.

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