três: sanha

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"Estrelas, ocultai os vossos raios! Não veja a luz meus sombrios, meus profundos desejos." Shakespeare, Macbeth.


Jeon Jihyun sempre se lembrou do rosto e do jeito de Kim Taehyung depois de conhecê-lo aos cinco anos. Ao contrário do menino mais velho e da menininha mais nova, cujos nomes ela não lembrava mais, Taehyung era o que mais se assemelhava ao pai. Desde pequeno, seu rosto e seus trejeitos evidenciavam fortemente a paternidade de Kim Sungwoong. Jihyun o achava uma criança adorável, principalmente porque os traços da genética da mãe, Kim Minsi, junto ao jeito doce e curioso que parecia herdar desta aos poucos, suavizavam a feição e as expressões que tinha do pai. Naquela época, Jihyun não sabia bem o que sentia em relação à esposa de Sungwoong, porque era tomada por uma mistura estranha de benevolência, adoração, raiva e inveja, mas sabia que parte da razão de adorá-la era porque podia vê-la em Kim Taehyung, o garotinho que tanto demonstrava gostar de Jihyun.

Por algum tempo, Jihyun tivera a expectativa e o desejo de que Sungwoong abandonasse Minsi e a tornasse sua esposa, e ela se imaginava cuidando carinhosamente de Taehyung e das outras duas crianças, que eram igualmente fofas e alegres, embora não tão insistentes em permanecer perto dela quanto o menininho. Taehyung sempre agarrava as mãos de Jihyun para chamá-la para brincar, implorando com suas expressões fofas e sua voz fina de criança. Ele a colocava em seus desenhos, tratava-a formalmente como um rapazinho, fazia mil perguntas curiosas típicas de crianças e pedia que ela lesse seus livros recheados de figuras. Jihyun fazia todas as suas vontades, e adorava sentir os olhos de Sungwoong sobre si enquanto ele a observava com seu filho, de longe, escondido, e rapidamente para não ser pego por ninguém. Mesmo quando Taehyung trazia seus livros de caráter moralista, com personagens que sofriam castigos duros ao final das tramas pelos erros e maldades que cometiam ao decorrer da história, Jihyun adorava aquele momento. Ela não se importava quando pensava que ela seria a personagem a sofrer os castigos da história. Não se importava com o que as pessoas diriam ou pensariam sobre ela manter um relacionamento com um homem casado. Ela não acreditava que algo pudesse castigá-la, a não ser Kim Sungwoong. E Jihyun estava sempre esperando pelos castigos dele, por seu olhar que não conseguia resistir à espiá-la mesmo quando era necessário não o fazer, pelo momento rápido e escondido que ele a tocava no meio das conversas dos recitais privados em sua mansão. Jihyun não achava que seria castigada porque também tinha a insistente ideia que a fazia acreditar que seria uma boa mãe para as três crianças dele, não importasse se o menino mais velho pudesse rejeitá-la, se a mais nova sentisse falta de Kim Minsi, nem se Taehyung pudesse vir a desgostar dela quando soubesse que ela separaria sua família. Jihyun achava que querer bem às crianças era motivo de o universo lhe conceder seus desejos, e não lhe impor castigos e um destino terrível. Ela não seria a madrasta má dos contos de fada. Mas Jihyun resistia à vontade de contar tudo aquilo para Sungwoong porque ela o amava louca e subservientemente, e sabia que ele não a queria dizendo tais coisas. Então ela não dizia. Família é família. Sexo é sexo. Mesmo que eu te ame, Jihyun-ah, minha família ainda é minha família.

Jeon Jihyun escorou-se na porta do quarto, escondendo o rosto entre as mãos e sentindo-as tremer.

Kim Taehyung não era mais um menino de cinco anos. Não tinha mais os olhos de criança inocente nem a risada fina e contagiante de quando ela o empurrava no balanço. Não tinha mais os olhos estranhos de sua adolescência, nem os olhos completamente anuviados e escuros do último dia em que haviam se encontrado. Jihyun não conseguia se esquecer de seus olhos quando Taehyung se virou de lado para encará-la enquanto era arrastado pelos policiais até a viatura. Tivera pesadelos com eles durante dias depois daquilo e tivera de lutar para fazê-los parte das lembranças enterradas no fundo de sua mente, nunca relembradas. Jihyun não havia lembrado de sua existência por dez ou onze anos, mas sabia que se alguém tivesse lhe dito seu nome durante todo aquele tempo, ela teria sido atingida por um retrato vívido de Kim Taehyung, com luzes fortes e piscantes, tão fortes e rápidas que seriam capazes de lhe causar náuseas e convulsões. Lembrar-se dele tinha o impacto de ser atingida por um trem. Ela sabia agora. Sempre soube. Era isso que estava acontecendo, o trem, as luzes, os olhos, o nome.

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