A igreja católica que minha avó frequenta, fica umas duas ruas antes da nossa casa.Fomos a pé mesmo, para ela se exercitar um pouco.
Subimos a rua bem lentamente sob a luz morna e laranja dos postes, nós três: eu, ela e meu pai.
Enquanto caminhávamos de braços dados, meu pai de um lado e eu do outro, dando sustentação a minha vó, histórias de quando meu pai era um moleque e um adolescente, transbordavam.
Passávamos por bares abertos, um ou dois bêbados sentados às mesas. Naqueles bares, estavam sempre tocando uma música do momento, típica de bar: um Tarcísio do Acordeon, Simone Mendes, por ai.
Música traz vida a qualquer lugar!
Beirava às sete da noite, estava escuro já e os trabalhadores estavam fora de casa conversando com os vizinhos, tomando uma fresca, bebendo uma cervejinha na calçada ou nos botecos. A criançada brincava na rua até a mãe chamar para o banho; os caramelos saiam do caminho para duplas masculinas passarem de moto, sem um capacete ou uma camisa.
Todos queriam ver a movimentação fora de casa, se distrair, saber as boas novas.
Eu amo essa vibe.Minha avó veio cumprimentando e nos mostrando a cada conhecida que não nos tivesse visto ainda.
Era uma quinta-feira no morro do Sol, os barulhos em cada canto (de criança gritando, latidos, motos, som) e a alta movimentação de veículos e pedestres, proclamava as vésperas do fim de semana.
Acho que se meu pai não estivesse aqui, eu teria coragem de ir ao baile dar uma olhada. Minha vó é liberal em certas partes, mas meu pai não aprovaria algo assim. Ele considera perigo que pode ser evitado, diz ter muitas armas, risco disso e daquilo. E meu avô também se foi há pouco tempo, ainda não estou em clima para festas.
Vesti uma calça jeans de cós alto e "boca larga", uma blusinha fechada branca, com babados e calcei uma sandália baixa, dourada. Prendi meu cabelo num rabo de cavalo, sabendo que suaria horrores andando até a igreja nesse mormaço. O clima era de verão dos mais quentes, com sensação térmica pra lá de quarenta e tantos graus.
Não sei se isso tem relação com meu pai ou com minhas férias quase sempre brincando nas ruas daqui, mas me sentia íntima dessa comunidade.
— Valéria, minha querida, passa lá em casa pra tomar um café. Tá sumida. — Minha avó para de andar, quando nos encontramos com a mãe da Fabi e sua filha do meio, a meia irmã da minha amiga, Lud.
Valéria teve um caso com um traste que foi embora quando soube que ela estava grávida dele. Fabi não conheceu o pai. Valéria criou a filha sozinha até os dez anos, quando se casou novamente com o Cleidson e teve a Ludmilla. Anos mais tarde, veio o pequeno Bento, de três anos. Ele deve ter ficado em casa com o pai.
Valeria é bonita, tem coxas grossas, um cabelo pintado de preto azulado, como o da Fabi. Se não me engano, tem uns trinta e oito anos. Foi mãe jovem. É siliconada — marido pagou —, usa aparelho verde nos dentes e é muito amiga da nossa família.
— Ô, dona, Betina, eu até ia passar lá hoje de tarde, sabe? Mas acabei demorando na faxina. Hoje foi dia de lavar cortina, limpar os armários. Fabiana quem ficou com o Bento pra mim, e essa aqui me ajudou. — entorta o polegar para a Lud, parada ali, sem saber para onde olhar ou o que fazer com os braços.
Ela sorri meiga para mim, o que Lud também faz, só que de modo mais retraído.
— A Fabiana já subiu, deve estar lá na igreja. Subimos juntas. Vim comprar uma cerveja ali na padaria, que o Cleidson tá querendo por uma carne na grelha. — conta, erguendo a sacola. — Fala oi pra Lia, Lud. — bate o cotovelo no braço da filha, que exibe o aparelho azul sem vontade. Ela é o oposto da irmã mais velha, até na aparência. Enquanto ela e o pequeno Bento ostentam cachos que eu adoraria ter, Fabi tem cabelos lisos e olhos mais escuros que os dos irmãos.

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Pique Al-Qaeda
RomanceEle é uma bomba, um perigo. Ela sabe que não deve se arriscar tão perto, que pode se ferir com uma iminente explosão. Lia tem 19 anos, e uma perda a levou para o morro do Sol. Ajudar a família vem em primeiro lugar, até mesmo antes de seus desejos...