37 Voto de confiança

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" Só vou levar a Isa no pai dela e tô voltando pra ter um papo contigo. Sai ai fora daqui a meia hora. "

Não tomo banho para não parecer que quero estar arrumada. Não digo que pensei em não ir. Sabia que iria desde que li a mensagem.

Minha avó preparou tapioca para mim, depois subiu para o seu quarto. Disse que tomaria banho e iria se deitar e ver a novela. Meu pai estava na sala, mas em breve eu ouviria seus roncos.

Quero saber o que o Alcaida vai dizer, quero falar um pouco também. Hoje, pelo jeito, quero tudo.

Só que "tudo", não pode ser dito na porta da minha casa.

Antes de levar o prato para a pia, digito:

" Te espero na esquina de baixo. Não podemos ficar em frente a minha casa. "

Ele manda um joinha.

Joinha??? Que esnobe!

Eu deveria tomar banho? — cheiro minhas axilas. Não estou fedida. Se entrar no banheiro, terei de lavar o cabelo, pois suei, e isso levaria um tempo que não tenho. Uso short saia de academia rodadinho e preto, top curtinho combinando e tênis. Não acho que preciso mudar de roupa.

Como a sala fica no andar superior, subo metade das escadas para me certificar de que meu pai esteja — como imagino — dormindo. Espicho o pescoço quando chego ao quinto degrau, olhando por entre os espaços das pilastras do corrimão. Ele não está. Droga.

- Pai, preciso ir ali na Fabi rapidinho. - aviso vagamente. A tv causa um halo de luz no cômodo em conceito aberto, e em seu rosto.

- Tá... não volta tarde. - responde ele, sem arredar os olhos do jogo de basquete que passa naqueles canais a cabo.

O carro preto estava parado taciturnamente na esquina, quando cheguei. Receando ser vista e difamada, confirmo que não há ninguém por perto antes de abrir a porta e cair no banco.

Meu coque na cabeça se afrouxa um pouco pelo movimento que faço ao bater a porta. Uma estática estranha desce pelo meu corpo, pernas e ponta dos dedos dos pés. Poderia ser pelo ar frio dentro carro de vidros escuros fechados, ou por estar me sentindo imprudente fugindo de casa, mas, ao direcionar lentamente minha cabeça para o homem que me observa caído de modo etereo no banco, sou tomada pela certeza de uma ligação incomum entre nós. Essa ligação parece ser estimulada pela simples presença. Ouso dizer, que também pelos olhares cheios de coisas místicas e cumplicidade que partilhamos sempre.

- Podemos ir pra outra esquina? - peço.

Ele ultimamente tem dizimado meu carisma.

Prontamente, ele dirige por ruas e mais ruas, onde seu carro pode passar. Graças a uma lâmpada queimada num dos postes, estacionamos num lugar ermo e escuro, onde não posso ser vista fazendo basicamente a única coisa que todo mundo me mandou não fazer.

Seu cheiro é dominante. Normal.
Um dia descubro qual perfume é...

Só torço para não estar mesmo fedendo...

- Por que tu não me responde quando te mando mensagem? - sua voz elimina meu autodomínio remanescente. Ela tem um "que" de dominância e imponência que me causa um subjacente tremor nos ossos.

Viro aos poucos a cabeça, mais uma vez, para ele. A luz azulada do painel alvorece seu rosto pernicioso. O carro continua geladinho, cheirando a novo.

- É melhor assim, Aron.

- Melhor pra quem? - ele se mexe no banco, com uma leve contração facial de desagrado. - Seu braço melhorou? - quase consegui evitar que a mão dele levantasse meu braço, faltou somente eu tentar.

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