28 Se permita

460 27 0
                                    

- Fala, moleque! Cumpriu a missão na disciplina. Vai ganhar mais dois desse ai. - Ninja abre a palma da mão no alto. O garotinho que me trouxe até ele, pula e bate a mãozinha na dele, todo contente em ouvir que poderá devorar mais dois cachorros-quentes.

Ninja tira um pacote de dinheiro de sua bolsinha atravessada no peito e entrega cem reais à criança.

- Essa metinha é pra tu marolar, comer o que quiser ai. Agora rala que eu tenho que adiantar o parceiro. - sorrindo, ele gesticula pro moleque ir andando.

- Deixou fortão, Ninja. Se quiser mandar recado pra mais alguém, só acionar. - o menino olha para mim enquanto parte. Seu rosto não nega sua pouca idade. Provavelmente, menos de dez anos. - A senhora também, tia. Tô sempre pelos altos, só perguntar pelo Tavinho. Entrego recado e faço qualquer corre que criança pode fazer, valeu? É nois! - o sorriso de dentes um pouco encavalados, ele sobe e desce dois polegares.

- Atá... pode deixar. Se eu precisar, já sei a quem recorrer. Tavinho, né? - fiz um joia, descreditada de estar sendo chamada de senhora e tia. - Tá anotado.

Ele disparou para uma das barraquinhas, numa felicidade invejável. Agora poderia comer o que bem entendesse.

Ninja encurtou nossa distância. Transmitia o mesmo bom humor característico.

- Não da moral pra ele não, hein. O moleque é mais pra frente. - guardava as notas restantes na bolsinha, mas os olhos se apertavam mais do que já eram apertados enquanto me avaliavam.

- Então quer dizer que fui vendida por cem reais? - apoiei a mão na cintura, interpretando uma mulher insultada.

Ele recuou somente a cabeça, esticando os braços para que eu o abraçasse. Quando o fiz, falou, me balançando para os lados:

- E um dogão. Dogão é caro, filha.

De onde estávamos, por sobre o ombro dele, consegui ver que a mulher bonita que acompanhava o Alcaida acabou solitária. Ela e a esposa do Bazuca dividiam uma mesa e uma coca de dois litros. Bazuca e Alcaida não eram vistos em lugar algum. A garotinha estava entretida comendo algodão doce. As duas adultas, escoltadas por dois homens, á distancia, conversavam.

- Não era mais fácil ter me chamado pessoalmente? - eu disse ao Ninja, recobrando o raciocínio, e desfizemos o abraço.

Ele enterrou os dedos no topete lisinho.

- Aquele mala não sai de cima de tu, pô. Tá pior que carrapato. Tu deixou o menor emocionadão, néh? Roubando vários corações. - mascava chiclete, de um jeito extravagante.

- Eu não... que eu saiba, não. - banquei a rogada, uma carinha desentendida. - E ai, viu meu show? Não vai me parabenizar? Tava pulando igual pulga na plateia.

- Ou, ia te falar isso agora. Mano... você canta muito, Talia... que isso? Eu ouvi aquela vez lá na mercearia, mas o que tu fez ali hoje, tocando violão e pá, foi outra parada. Meus parabéns, na moral mermo. Muito foda. - afirmando com afinco, deu-meu a mão para um aperto de parabenização, aproveitando para me puxar de lado e colocar o braço por trás da minha nuca.

Me levou a caminhar em direção a igreja, espiando a multidão a nossa volta.

- Escuta... - virou o rosto para mim, que me deixei ser levada sem questionar. Ele abriu novo sorriso, só que mais para me convencer de algo do que qualquer outra coisa. - O amigo quer te parabenizar pessoalmente. Não é segredo que vocês tão na intenção um do outro de um tempão. Vivem se escoltando, trocando olhares. Eu vi teu sorriso... acha que ele não viu também? Ele não é de falar, mas tá baqueado. Conheço ele.

Pique Al-Qaeda Onde histórias criam vida. Descubra agora