Pique Al-Qaeda

26 - Arrebatado

- Estou assando. – ela sacode a barra preta de seu vestido rodado e rendado macabramente.

- Olha, desculpa por fazer você ir até la... se meu pai tivesse vindo de carro poderia ter economizado suas energias, mas minha avó gosta de andar. – entorto a boca e rodopio os olhos sob os cílios postiços enormes que colei. – Mas fora nosso acordo, o que você quiser comer aqui hoje, eu pago.

- Nada a ver... amiga é pra essas coisas. – Ela corre os olhos por mim e pelo meu vestido escuro. – E ai, o padre já te viu? – um sorriso se apresenta em seus lábios pintados de vermelho.

- Nãooooo. – cubro a boca, segurando a alça da capa do violão no meu ombro. – Tomara que nem veja. – confiro as pessoas atrás da gente.

Todos os membros da igreja, vestidos a caráter, estão em constante movimento, fazendo seu melhor para que a festa junina seja um sucesso. Reabastecem as barraquinhas, vendem e resolvem coisas.

- Ele deve estar ocupado com o bingo ainda. – digo, sobre o padre.

Minha avó e meu pai estão no bingo, uma mesa longa localizada sob uma tenda e rodeada de senhoras. As amigas da terceira idade da minha avó estão presentes, e ansiosas pelos prêmios. Meu pai foi levado por elas a força. Não ficou mais feliz do que mais cedo, após descer de seu quarto usando uma camisa xadrez, o dente pintado de preto, um chapéu de palha e um suspensório preso à calça remendada e curta. Minha avó bateu palmas e sorriu. Fabi nos fotografou e enviou as fotos no WhatsApp da minha mãe, que elogiou o vestido cheio de babados e laços da minha avó, mas reprovou o meu.

Acontece que depois de o Nick – o cachorro da mãe da Fabi – ter comido o vestido rosa que ela iria me emprestar, não tínhamos tempo para arranjar coisa melhor e tivemos que improvisar com um dos vestidos sombrios dela. Fui obrigada a usar uma meia grossa que pega na metade da coxa, para não matar o padre Anselmo do coração. Também vesti luvas sem dedos, e Fabi me forçou a usar um enfeite de flor vermelho no cabelo. Persuasiva como é, me convenceu que batom vermelho e gargantilha, também dariam estilo e personalidade a minha roupa.

Minha mãe e todo o resto discordaram. Fui taxada de vulgar. Mas não havia o que fazer, estávamos atrasados e eu ainda tinha uma passagem de som com o pessoal no interior da igreja. Ensaiei poucas vezes na semana, não estou muito confiante...

Entre as pernas da dupla sertaneja no palco – cantam aqueles modões bem raiz – e entre o baterista e o sanfoneiro, acabo vendo o JC perto da barraca de pamonha e milho, em que sua mãe está trabalhando. Ele veio sozinho, comprovando que Cibele disse a verdade: não reatou o namoro.

Bia somente passou a noite no quarto extra. Pela manhã, foi embora mais tranquila. Os dois teriam que se resolver, foram proibidos pelo Bazuca de causarem tumultos na rua ou em qualquer lugar de novo. Cibele não sabe bem o que foi dito ao Jc antes de ele milagrosamente ser liberado sem um arranhão, mas ficou grata e aliviada, apesar do susto. Deu um esporro na ex nora enquanto servia o café da manhã a eles na segunda, aproveitando para excomungar o filho também: Ou tomavam jeito, ou se separavam de vez.

Ambos prometeram não mais brigar, aceitando ser melhor continuarem como estavam. Bia confirmou quando Cibele ralhou que ela não tinha nada que fazer escândalos ao saber que o Júlio estava com outra, já que não são mais um casal.

O que estranhei, apesar das desculpas vagas da Cibele, foi ele não ter mais me procurado nem para se explicar, ainda que a mãe tivesse feito isso em seu lugar e eu tivesse entendido numa boa. Ele não mandou mais mensagens nem apareceu na mercearia, como prometeu.

Fabi nota para onde estou olhando.

- Pretende falar com ele? – pergunta, tirando meu violão da capa preta. – Tá nervosa não, Lia? Cantar assim... Bagulho lotadão. – apertou as sobrancelhas, o violão marrom que eu mesma comprei com meu primeiro salário, reluzindo em sua mão.