- Mas esse é um convite imperdível, padre Ancelmo! Eu ficaria muito feliz se ela aceitasse. – Minha avó me fisga com um olhar que insinua que, depois de tanta tristeza, ela precisa daquela alegria de me ver cantando na festa junina da Paróquia.
Não quero aceitar o convite em cima da hora que o padre a acaba de fazer, pois não curto cantar em palcos para um público, como se estivesse fazendo um show. Minha música é para a igreja, para mim, para momentos íntimos e não para expor numa praça. Não tenho essa confiança ainda. Imagina se desafino? Eu choraria!
- Seria do cara... – Fabi ia dizendo um palavrão tão grande quanto o sorriso em seus lábios.
O sorriso dela muda para encabulado sob o olhar incriminador do padre Ancelmo, e ela se conserta:
- Seria bem maneiro.
Realmente, igreja, padre e essas coisas mais sacramentais e conservadoras não combinam com ela e seu estilo " Punk". Pelo jeito do padre a olhar, sabemos que não aprova sua roupa preta, sua boina e sua maquiagem Dark. Tampouco suas tatuagens.
Tomo o controle da situação e fito o olhar opressor do padre Ancelmo, que está suando em bica em sua batina verde e branca. Ele é um homem calvo, beirando aos cinquenta. Quando não está assustando jovens desbocadas, tem um rosto sereno. Com essa mesma serenidade, ele retorna os olhos a mim, esperando minha resposta.
- Posso contar com sua presença, filha?
- Não sei se é uma boa ideia, padre. Tenho um pouco de vergonha de me apresentar assim e...
- Que isso, filhota? – meu pai sorri mecanicamente, levando os olhos até minha esperançosa e implorativa vó. – Você consegue.
Já captei o recado: " Pense na sua avó, dê alguma vantagem para ela contar as amigas. Ela precisa disso para suportar o luto. "
Confiro os olhares de todos.
Não esperava que o padre nos deteria ao final da missa para me encurralar dessa maneira... merda.
- Semana que vem começa os ensaios, o senhor disse? – quando pergunto, eles soltam o ar juntos, e cada boca ganha um sorriso, ao interpretarem o sim em minhas palavras.
O padre parece mesmo querer muito que eu seja a atração da festa junina. Ela acontece daqui a duas semanas, tenho que ensaiar.
Fazer a alegria dele e da minha avó, não custa nada.
Combino de vir à reunião na quarta que vem, e assim, me informar melhor sobre essa quermesse, que é de arrecadação de fundos para as obras da Paróquia.
Somos quase os últimos a deixarmos a igreja.
Cibele nos aguardava junto de umas senhoras uniformizadas com a camiseta da pastoral, no final da escadaria.
Aquele que eu supus ser seu filho, não estava ali. Havia uma rodinha de homens, na pracinha em frente. Vi, sem querer, mas querendo, ele lá.
Contei para a Fabi que achei o possível Júlio muito bonito.
- Admito que imaginava ele bem pior. – eu dizia baixo enquanto descíamos, feito lesmas, os degraus.
Meu pai ajudava a vovó a meros alguns metros de distância. Não podiam nos ouvir.
- Ele é um gostoso. Te falei, mas tu não leva nada do que digo a sério. – minha amiga sorri para mim, sacudindo a franjinha. Fabi, quando não está cheirando a maconha, tem um perfume fresco. Eu a acho muito bonita e original.
- Não dá para acreditar em tudo que você diz, já teve cada cara horroroso que você chamou de bonito, que só por Deus. – argumento.
- Quando eu digo " gato", o cara é tipo bonito, mas uma beleza rústica e exótica. Quando digo que é "gostoso", tu pode ver que é sempre produto de primeira qualidade. O que te falei do Alcaida? Matei a cobra e mostrei o pau. – bate de modo convencido no peito. – Que foi?

VOCÊ ESTÁ LENDO
Pique Al-Qaeda
Storie d'amoreEle é uma bomba, um perigo. Ela sabe que não deve se arriscar tão perto, que pode se ferir com uma iminente explosão. Lia tem 19 anos, e uma perda a levou para o morro do Sol. Ajudar a família vem em primeiro lugar, até mesmo antes de seus desejos...