1 - O bar do outro lado

3.2K 192 79
                                    

Minhas histórias sempre se passam em algum morro fictício, com um nome que eu invento. Caso tenha um morro com o mesmo nome, é mera coincidência. Outras favelas citadas são reais, como vcs mesmos vão perceber.

Talia,
( 03 de junho de 2022, sexta-feira)

- CARACA!!! Não acredito! - se espanta a Fabi, que é minha amiga de infância, quer dizer, quase isso.

Eu vinha ao morro do Sol nas férias ou em datas especiais - como Natal - com meus pais, visitar minha avó e meu falecido avô Natanael - ainda fico sensível ao pensar que nunca voltarei a vê-lo -, e por a Fabi morar praticamente grudada na casa dos meus avós, a gente sempre brincava juntas. Quando a fase de brincar acabou, a gente só fazia qualquer coisa juntas, como passear pelo morro. A cada novo Natal, dia das mães, dos pais, férias escolares, nossa amizade se fortalecia mais. Passamos pela fase de pré adolescência e, depois, a adolescência, quando a gente super desabafava sobre nossos amigos da escola e gatinhos que estávamos a fim. No caso da Fabi, gatinhos e gatinhas. Mesmo Fabi sendo três anos mais velha que eu, a gente se dava e se da até hoje, muito bem.

No fim da estadia, nossas despedidas eram tristes, escreviamos cartinhas para a outra e comprávamos lembracinhas, pois demorariamos a nos encontrar novamente.

O mercado dos meus avós é quase uma tradição por aqui, lugar em que a maioria dos moradores confia para comprar, anotar e pagar no quinto dia útil, e que não poderia abaixar suas portas nem mesmo durante o luto. Em seus últimos dias, vovô esforçou muito seus pulmões doentes para pedir que meu pai tocasse o legado da família. Estamos dando um jeito de fazer isso.

Fabiana está escorada sobre os cotovelos no caixa antigo, nunca substituído, de boca aberta, chocada, completamente atônita, olhando para o bar do outro lado da rua.

Acompanho seu olhar, tentando entender do que se trata.

Ela não se levanta de sua posição, quase caída sobre a esteira, parecendo prestes a ter qualquer ataque, ou desmaio.

- Quê? Que foi? - não vejo nada além do comum, no bar de seu Alcides, embora hoje tenha mais bandidos do que costuma ter num dia normal.

- Ele está muito mais lindo! Como pode isso?! - seja quem for, ela soa impressionada, o que me deixa mais curiosa, porque deve ser alguém importante.

Cobrindo a lateral do rosto com a mão, ela vira a cabeça para mim e as palavras saem por entre seus dentes:

- Olha discretamente aquele cara que acabou de chegar na garupa daquela moto. - é como se ela tentasse falar mordendo uma colher.

Procuro com o olhar, mas chegaram três caras de moto. Dois em uma, um sozinho em outra.

- D i s cre ta men te, Lia! Porra! - tomo um xingo por fazer o oposto do que se diz discreto.

Estou ansiosa para entender sua reação, então sim, eu olhei com interesse escancarado de mais.

- Ai... que chatice! Do que você está falando? Fala de uma vez! - peço, não aguentando mais. Além de que não conheço muito bem as pessoas ainda. Todos os homens do outro lado da rua são estranhos para mim, e uma das poucas coisas que não gosto aqui do Sol.

Ela espia novamente.

- Tá vendo aquele com uma camisa do Flamengo escrito Hussein? De chinelo e bermuda?

Olho mais disfarçadamente agora. Tem vários de bermuda e chinelo, mas só um com a camisa do Flamengo. Não consigo ver seu rosto, já que ele está de costas, sendo abraçado igual a alguém que chegou de uma viagem. Todos se levantaram da mesa para rodea-lo, mostrando alegria em vê-lo.

Pique Al-Qaeda Onde histórias criam vida. Descubra agora