52 Grande pequenina

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Estou distraída, cantarolando, arrumando massas de tomate na prateleira, quando sinto braços largos me fecharem num aperto.

Meus lábios se separam imediatamente — mil dentes num só sorriso.

- Tão trabalhadeira... - ele disse num tom de voz muito macio, dentro do meu ouvido, beijando, roçando a barba.

Meu instinto foi me encolher, mas logo me virei e olhei por cima do ombro dele, temendo que minha avó aparecesse.

- Senti saudade. - ele fechou meu rosto entre suas mãos e seu beijo me empurrou para trás, até a parede do fundo. Meus braços continuaram caídos ao lado do copo. Continuei com o pano sujo na mão, apertando-o, me entregando de olhos fechados àqueles lábios e toques urgentes.

Seu cheirinho característico com certeza tinha algum componente afrodisíaco.

Ele soltou os lábios dos meus, que deviam estar inchados. Possivelmente minha expressão era de " mais, por favor". Sentia o coração dando mortais.

- Quero te ver de novo hoje. - ele disse baixo, olhos injetados.

- Não sei... melhor não. - eu achava estar indo muito sem freio nessa descida. Lá em baixo, eu iria me dar mal.

Ele me soltou, pôs uma das mãos ao lado da minha cabeça, na parede, e com a outra tirou o boné. Num piscar de olhos, colocou de volta, dessa vez, com a aba ao contrário. Sua expressão não era nada satisfeita.

- Tem algum compromisso? - perguntou, a voz neutra, sempre sendo o mais calmo possível, apesar de ser claro o quanto não gostou da minha recusa.

- Não. Não é por isso. - sem perceber, comecei a retorcer o pano, porque o olhar dele ardia. Estar tão perto de alguém como ele, te olhando como ele olha, com superioridade, te faz sentir inferior e burra.

Ele é inteligência, confiança. A competição é desigual demais.

- Já sei. Cansou da brincadeirinha de mocinha e bandido. - sorriu como um cachorro exibindo os dentes antes do ataque. Feio de ver. Amedrontador. - Tô indo nessa.

Avisou, e tentou se virar, mas agarrei sua blusa.

- Espera! - pedi, desesperada por ter irritado ele. - Tenho que te contar uma coisa: minha avó já sabe de tudo. Contei tudo.

- Dai ela te proibiu.

Fiz que não.

- Ela não vai contar nada aos meus pais, está do nosso lado. É muito compreensiva.

Ele pareceu surpreso, mas fez questão de não demonstrar muito.

- Qual é o caô então?

- Nada... só preciso desacelerar um pouco. Tudo muito intenso, sabe?

- Ontem mesmo me disse que tava sentindo várias paradas, Talia. Qual foi, deu tempo de mudar tanto assim de opinião? Ou só mentiu na cara dura mesmo?

- Ei! - fiquei irada ao ouvir o cinismo na pergunta. Soltei sua blusa e cruzei os braços. Era baixa perto da porta enorme que ele era ali, diante de mim. - Não menti! Ontem praticamente me declarei e você ficou mudo, agindo mó estranho. Dai hoje, que resolvo te dar um ar pra respirar, você fica puto também?

- Ar pra respirar? - um sorriso falso passou pelos seus lábios de novo, como um raio. - Tem alguém te esperando? Aquele moleque, por exemplo? - falava do Jc.

Agora eu enxergava a raiva faiscando em seu olhar todas às vezes que ele o mencionava.

- Eu já disse que não tenho nada para fazer.

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