Não consegui permanecer muito tempo naquela briga de olhares; ele não desistia. Eu quem desisti, e voltei a fechar os olhos.
Na mudança de uma música para outra, não havia escolha. Eu precisava ver o que estava acontecendo. Evitava que meu olhar escapasse para a direção em que ele estava.
Eu amava Caetano, então após quatro músicas, estava na segunda dele.
"És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo, tempo, tempo, tempo"
Quando numa deslizada acabei passando o olhar por ele, Alcaida estava afirmando com a cabeça, o lábio inferior curvado de admiração.
Ao seu lado, Ninja fazia gestos, me axaltando.Ainda cantando, sorri num espasmo, sem intenção. E meu sorriso ficou em meu rosto até o fim da canção.
Sempre que eu vacilava e olhava para eles, a vergonha me tomava e minha cabeça, com enfeite e cabelos soltos, pendia.
Foi essa tortura até que eu cheguei sã e salva a última canção. Uma do Padre Marcelo Rossi. Afinal, não poderia deixar de cantar algo religioso numa festa religiosa, apesar de o padre permitir meu repertório eclético.
Notei que uma mulher se juntou ao Alcaida. Ela se atirou em seu pescoço e enfiou a língua na boca dele. Ele retribuiu, chupando a língua dela.
Após, a colocou em sua frente, fechando os braços por cima dos ombros baixos dela. Estavam juntos.
Namorando?
Definidamente, aquela morena gata não era a Yara.
A mulher virou a cabeça de lado, olhando para ele, mais alto que ela, e disse algo com um sorriso bonito circulado por um batom rosa. Do palco a visão era precisa, infelizmente.
Quase perdi o tom, desafinei.
Tive que parar de cantar por um instante. Então recomecei.
Meu sangue congelou nas veias e se estilhaçou. Eu sentia a ameaça do vômito.
" Tem anjo voando neste lugar, no meio do povo em cima do altar, subindo e descendo em todas as direçõeeeeeees " - voltei a apertar os olhos, ouvindo o coro da plateia.
Por que esse abismo se abriu no meu coração em ver ele com outra?
Ele era poderoso e cruel. Eu era uma ratinha, prestes a ser esmagada por qualquer um, e ele se aproveitava disso. Me olhava sempre daquele jeito, me cercava, me ligava, me dizia coisas que mulher nenhuma seria capaz de ouvir e não sentir nada. Depois sumia, ai voltava colado com uma terceira mulher que eu não sabia quem era.
Ele deu nó na minha mente, me desgovernando como um carrinho de bate bate. Era muito mais esperto que eu. Um homem que conhecia da vida e das mulheres. Usava seu charme e sua autoridade para me envolver em seus tentáculos. Eu não tinha meios de me defender. Como poderia? Não contra ele.
Aquele beijo passava a clara mensagem de: " Você não aceitou, tem quem aceite".
E mesmo sem nunca ter sentido nada além de seu cheiro, seu toque suave e sua pele por poucos segundos enquanto ele me carregava, na casa do Ninja, deixei uma lágrima pingar do meu olho fechado. Finalizei a música. Meu pai e avó estavam evidentemente orgulhosos. Recebi uma salva de palmas e agradeci, esboçando um sorriso de gelo.
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Pique Al-Qaeda
RomanceEle é uma bomba, um perigo. Ela sabe que não deve se arriscar tão perto, que pode se ferir com uma iminente explosão. Lia tem 19 anos, e uma perda a levou para o morro do Sol. Ajudar a família vem em primeiro lugar, até mesmo antes de seus desejos...