21 Transtorno

404 30 0
                                    

Agora estou aqui, ás quatro da tarde, abastecendo a geladeira de bebidas.

Quase quebrei a unha rasgando um fardo, mas, finalmente, termino.

Amasso os plásticos sujos de poeira, secando o suor da testa no braço.

Hoje o dia está demorando a passar, que saco!

Meu pai ficou a manhã inteira aqui fazendo o quê?

Ele nem varreu esse chão hoje, aposto!

Estou levando os plásticos para a lixeira lá de fora quando as motos descem a rua.

Era o que me faltava!

Apesar de que eu já sabia que eles viviam no bar do seu Alcides...

Não olho, aliás, finjo nem ver.

Aperto o amontoado de plásticos na lixeira de ferro varado, escutado os canos de descarga barulhando ao passarem por mim.

Não vou olhar nem cumprimentar.

Será que agora, que os conheço, pode parecer arrogância da minha parte?

Que feio, né? Não sou assim.

No mesmo momento que levanto os olhos para sorrir e acenar, a voz do Ninja sobrepõe as aceleradas.

- Só fé, Lia! – ele grita.

Meu sorriso é como um espirro quando ele faz uma continência para mim. Faço outra para meu novo amigo. A gente se entende. Eu gosto dele. Que se dane os outros.

"Os outros" desce da garupa da moto que Bazuca dirige (sem camisa), tirando a bandoleira do fuzil do ombro. Eu, que estava pensando em ignorar, sou ignorada solenemente.

Alcaida não mudou: bem vestido, carinha de modelo e humor de velho.

Que esnobe! Ele vai fingir que não me conhece? Que não me mandou aquelas mensagens?

Pois é o que eu pensei em fazer e também é exatamente o que ele faz, dando-me as costas para entrar no bar. Não rolou "oi", tão pouco uma troca arrepiante de olhares.

Pois que ele se lasque!

Busco a vassoura, e varro mais ou menos os corredores, levando os ciscos e poeira para fora.

Estou varrendo a calçada quando um carro desce a rua tocando som alto. Ao olhar na direção do carro, acabo olhando pro bar, sem querer querendo.

Seu Alcides se desdobra para oferecer o melhor atendimento, carregando uma mesa amarela para a calçada e depois buscando as cadeiras. Ele anda às pressas para servir a todos com agilidade.

Alcaida volta lá de dentro com uma água em mãos, sem a arma longa atravessada, mas com uma pistola no cós da bermuda. Para no portal entre o interior do bar e a calçada, que é coberta por telhas de amianto sustentadas por pilastras e ferros. Sonda rua acima, rua abaixo, menos na minha direção.

A mesa de sinuca também fica do lado de fora. Ninja organiza as bolas sobre ela. Bazuca joga um taco na mão do Alcaida, o convidando para uma partida.

A segurança tomou seu lugar: cada homem no devido posto, atentos. Eles vigiam, conversam brevemente com o colega mais próximo, fumando, e não posso deixar de mencionar, usam aqueles coletes com o rádio transmissor pendurado, arma e aquela coisa toda que todos estão cansados de saber e ver por aqui. Se torna normal depois de um tempo.

Me pergunto, tão rapidamente, o que foi que fiz para o Alcaida não me cumprimentar, embora eu pretendesse fazer o mesmo.

Eu gostaria de ignorar, mas já não sei se ser ignorada estava nos meus planos.

Pique Al-Qaeda Onde histórias criam vida. Descubra agora